Amanhã joga-se a Supertaça. Primeiro troféu da época. Primeiro dérbi da época. E depois de uma pré-época que deixou muitas dúvidas no espírito dos adeptos leoninos, começar com uma vitória poderá valer muito mais do que isso. A questão que se levanta é, obviamente, se o Sporting estará, como diz o seu treinador, pronto?

Sou-vos sincero: pese termos terminado a época a conquistar a Taça de Portugal, continuo com enormes reservas em relação a Marcel Keizer e com um tremendo receio que, daqui por três meses, estejamos a decidir quem é o próximo treinador.

Obviamente que devemos dar o benefício da dúvida ao holandês, naquela que é a sua primeira pré época à frente do clube. Tempo, o tão falado tempo, aquele tempo tantas vezes usado como exemplo para puxar um Alex Ferguson para a conversa e lembrar que o homem esteve uma mão cheia de anos a abrir caminho para uma história de sucesso à frente do United, o clube de Manchester que lá para segunda-feira, muito provavelmente, aplaudirá a chegada de Bruno Fernandes (já lá iremos). Tempo, o tão falado tempo, aquele tempo tantas vezes usado para nos lembrar que o Sporting é uma roda viva de treinadores e presidentes. Tempo, o tão falado tempo, aquele tempo que não há quem tenha coragem de assumir frontalmente que é necessário, mesmo que estejamos há 17 anos sem festejar um título. E, assim sendo, continua a dizer-se aos adeptos que temos todas as condições para recuperar o que nos escapa há tanto tempo.

Peço por isso desculpa a Marcel Keizer, mas é à luz dessa promessa de quem dirige que tenho que medir o trabalho de quem orienta a equipa. E a verdade é que, até ao momento, o que vejo é que os sete ou oito ou nove meses que Marcel leva de Sporting, pouco lhe serviram para chegar a esta pré-época e dizer-nos que o trabalho tem estado a ser feito e que há esperança de voltarmos a ver aquele futebol que a todos encantou quando o treinador substituiu José Peseiro.

E o discurso em nada ajuda, quando chegas ao final de um paupérrimo jogo de apresentação e tudo o que escutas são desculpas, como se o mundo estivesse contra ti. Isso irrita-me. E irrita-me ainda mais quando eu queria que Marcel fosse aquele gajo que vai ao X-Factor, é gozado e quando abre a guela deixa todos de pé a bater-lhe palmas. Queria que ele fosse aquele gajo de quem todos duvidam, mas que mostra que é possível e nesse momento se torna tão próximo de nós. Que nesse momento nos diz que isto não é o coitadinho que teve um rasgo de sorte, mas sim alguém que trabalhou e implementou aquilo em que acredita, fazendo-nos acreditar também!

Quando vos escrevo isto, é impossível não pensar no Ajax (e talvez seja um fardo demasiado pesado para Keizer, essa sua ligação a um clube que, volta não volta, insiste em dizer-nos que, sim, vale a pena insistir numa filosofia). Ainda há bem pouco tempo o Ajax, com uma equipa de putos atrevidos, deixou por terra o Real Madrid e a Juventus. Sem sorte. Com trabalho. Com uma personalidade da qual jamais abdicou e que, dizem os entendidos para quem o romantismo não rima com futebol, acabou por traí-los.

keizer prontos

Mas teria valido a pena traírem aquilo em que acreditam para chegar à final da Champions? Teria valido a pena diminuir a coragem e a rebeldia? Teria valido a pena trocar o caudal ofensivo que tantas oportunidades permitiu criar (quantos golos poderiam ter encaixado Madrid e Juve, se os putos tivessem a pontaria afinada?) por um pouco de pragmatismo? Teria valido entregar a posse de bola, deixando de lado a vontade de colocar o adversário a correr atrás dela até às linhas de abrirem e a invasão holandesa ser incontrolável? Teria valido a pena baixar as linhas e não pressionar tão alto? Teria valido a pena Erik Ten Hag sacar de um médio defensivo em detrimento dos seus médios que nunca foram assim tão bons a defender?

Não! E era este “não!”, este enorme “não!”, que eu queria escutar de quem nos treina. Queria escutar que a filosofia nos torna avassaladores contra adversários mais fracos e nos dá a coragem de não aceitar que um adversário teoricamente mais forte nos diga que temos de abdicar dessa filosofia para nos remetermos a uma estratégia que contrarie essa anunciada diferença!

I-den-ti-da-de! Sim, é possível. O próprio Keizer conseguiu mostrá-lo, durante algumas semanas. Conseguiu dizer aos jogadores que existe algo de fascinante em correr riscos. Que existe algo de fascinante em poder sofrer dois golos quando se marcam cinco. Conseguiu dizer aos jogadores que não há nada mais belo para quem gosta de futebol do que ter a bola e divertir-se com ela. Terá essa identidade sido adormecida? Entrou em coma? Morreu?

A resposta só Keizer terá, mas, neste momento, o que vejo é um grupo de homens que se sente mais confortável quando faz o contrário de tudo isso. Quanto baixa linhas. Quando dá a bola ao adversário. Quando aposta tudo na qualidade dos executantes para realizar uma transição rápida e ganhar o jogo na base do sangue, suor e lágrimas. O Sporting tem medo de pressionar alto porque tem medo de ser apanhado numa transição do adversário e tudo o que eu queria era um Sporting que pressionasse alto na certeza de que essa era a melhor forma de roubar a bola e não deixar o adversário pensar em fazer transições. Queria um Sporting que acreditasse que o músculo de Doumbia ou de Eduardo não são um melhor caminho do que a qualidade de passe e de tomada de decisão de um Daniel Bragança.

Mas não tenho. E o que tenho é uma equipa dependente de um jogador de topo, mas que dificilmente ficará. O que tenho é a porta de saída aberta a dois jogadores, Dala e Matheus Pereira, que têm lugar de olhos fechados num plantel onde Raphinha e Vietto não garantem dois jogos seguidos ao mesmo nível e ainda temos que levar com o Diaby. Onde não vi ser testada uma alternativa aos movimentos de Wendel, um brutal jogador quando as partidas propiciam o transporte de bola, mas com dificuldades várias quando defrontamos equipas fechadas em blocos mais baixos. Onde se está a matar aos poucos uma máquina goleadora chamada Bas Dost em função de um estilo de jogo que em nada o potencia. Onde não se percebeu se existe um esquema trabalhado para jogarmos com dois avançados. Onde, tirando Luiz Phellype, não se pode afirmar categoricamente que algum jogador do Sporting evoluiu às mãos deste treinador, pois até Renan continua com as mesmas deficiências. Onde o toque curto e as triangulações se contam pelos dedos. Onde, seja em 4-3-3 seja em 4-2-3-1, a equipa mostra zero ao nível da organização defensiva, é uma pequena grande nulidade ao nível das bolas paradas e a coisa vai-se disfarçando porque estão Coates e Mathieu no centro da defesa.

Contra tudo isto, podem dizer-me que já lá vão duas Taças para me calar a boca. E que, com jeitinho e com aquele espírito de grupo e de sacrifício que, inegavelmente, este plantel tem, no domingo ganhamos outra. Espero, que sim, obviamente, e que de domingo para segunda esteja com um sorriso de orelha a orelha. Só não me peçam é para dizer-vos algo que não sinto. E o que sinto é que, com tudo o que escrevi atrás, o futebol do Sporting não tem identidade. Porque o treinador foi o primeiro a abdicar dela.