Em entrevista exclusiva ao site Goal.com, Wendel foi directo nas palavras: «as críticas a Marcel Keizer são injustas. É um ótimo treinador que ajuda todos aqui. Perder faz parte, é futebol. É fácil criticar de fora, infelizmente existe muita injustiça. Damos sempre o máximo no dia a dia, nos treinos, nos jogos… Todos aqui se conhecem, todos trabalham bem. Falta sorte, falta a bola entrar! Mas vamos melhorar, por ele e pelo Sporting!»

Confesso que gosto desta postura. Se todo o grupo pensar efectivamente assim, será mais fácil sair do buraco em que estamos a meter-nos. E é imperioso que essa melhoria chegue já no domingo, Wendel, pois não ganhar ao Braga e prolongar a série de maus resultados vai tornar o ambiente bem mais complicado…

Fica a entrevista, com momentos interessantes (nomeadamente a humildade de reconhecer o peso de alguns jogadores).

wendel risto

Wendel vai ter muita dificuldade em apanhar o comboio“. Foi assim que Jorge Jesus, então treinador do Sporting, analisou a chegada de Wendel em janeiro de 2018. Contratado do Fluminense por quase 9 milhões de euros, o jovem volante, de fato, encontrou diversos obstáculos no início de trajetória no futebol português.

Fez apenas cinco jogos sob o comando de JJ, que poucos meses depois deixou o clube diante de um momento de forte crise interna. José Peseiro assumiu o cargo, mas também deu poucas oportunidades para o brasileiro. Resultado? Tristeza, dúvidas, vontade de “largar tudo” e ir embora.

Apesar de ter recebido algumas ofertas, entre elas de Flamengo, São Paulo e CSKA, da Rússia, o volante permaneceu em Portugal e aos poucos começou a contornar a delicada situação. Teve muito apoio da mãe, a sempre crítica Dona Jaque, e contou principalmente com a confiança de Marcel Keizer. Substituto de Peseiro, o holandês foi o responsável por prontamente apostar no camisa 37. Um tiro certeiro.

Wendel tornou-se mais forte. Dentro e fora de campo. Virou titular e passou a ser um dos principais nomes do time, atrás apenas de Bruno Fernandes, chegou à seleção brasileira pré-olímpica (sub-23), sendo campeão do prestigiado Torneio de Toulon, na França, e agora está no radar de Tite, que nesta sexta-feira convoca à seleção principal para os amistosos contra Colômbia e Peru, nos dias 6 e 10 de setembro, respectivamente.

Mas a antiga joia do Tricolor das Laranjeiras, hoje com 21 anos, quer – e pode – mais: perder menos tempo com celular, deixar a timidez de lado, se cobrar cada vez mais por ter errado um simples passe num treino e, quem sabe, assumir o papel de maquinista do trem que tardou a pegar.

Como foi para entrar naquele “comboio” que o Jorge Jesus disse que você teria “muita dificuldade” para pegar?
Demorou. Teve toda uma fase da adaptação, cheguei no meio da temporada e tive poucas oportunidades com ele [Jorge Jesus]. Só treinava, não era chamado para os jogos, e quando era chamado para os jogos era quase sempre com sobreaviso. Isso me deixava um pouco triste. Depois veio o Peseiro, que não me colocava para jogar, depois colocava para jogar… O Keizer chegou, me colocou para jogar e, então, consegui pegar o comboio.

Em que vagão está sentado hoje?
Estou no vagão dos humildes ainda [risos].

Pode atingir o posto de maquinista?
Posso, posso… O fundamental é continuar trabalhando forte, ajudando os meus companheiros e, claro, fazendo bons jogos.

É quase indiscutível que o Bruno Fernandes é o grande nome do Sporting…
Óbvio!

…O segundo melhor jogador do time é o Wendel?
Não, tem muita gente na minha frente ainda. Tem o Acuña, o Coates, o Mathieu, tem outros jogadores que admiro muito aqui dentro. Depois tem eu [risos].

Acredita que os diversos e constantes elogios ao Bruno Fernandes, muitos deles merecidos, acabam por tirar espaço de eventuais elogios para os outros jogadores do Sporting? É um erro da imprensa?
Os elogios são bons para o Bruno, para o clube e para todos nós do elenco, até porque somos nós que participamos disso tudo com ele, somos nós que damos um passe, são os atacantes que sofrem os pênaltis, etc. Todos ajudam. Quando o Bruno pede rapidamente a bola, temos a certeza que algo de bom vai acontecer. Ele tem uma leitura de jogo diferenciada, sempre pensa na jogada antes de todos.

Então é o famoso “joga no Bruno que ele resolve”…
Ele tem sempre uma jogada guardada no bolso, prevê os lances. Vai sempre deixar um atacante na cara do gol, vai marcar um gol… Se o Bruno pedir a bola, então você precisa dar a bola para ele.

E o Wendel? Qual é o seu papel no Sporting de hoje?
Muita linha de passe, bom passe, saída de bola com qualidade, marcação também…

Qual é a importância do Marcel Keizer no seu crescimento?
Tem uma importância muito grande. Logo que chegou já apostou no meu futebol, e felizmente pude dar uma resposta positiva para ele.

Por que o Sporting ainda não ganhou na temporada [quatro empates e quatro derrotas – contando a pré-temporada]? Dos três grandes de Portugal, por exemplo, foi o que menos mexeu no time titular…
Damos sempre o máximo no dia a dia, nos treinos, nos jogos… Todos aqui se conhecem, todos trabalham bem. Falta sorte, falta a bola entrar.

Sente que as críticas ao Keizer têm sido exageradas?
São injustas. É um ótimo treinador e que ajuda todo mundo aqui. Perder faz parte, é do futebol. É fácil criticar de fora, infelizmente existe muita injustiça. Mas vamos melhorar, por ele e pelo Sporting.

Já tem saudades da experiência com a seleção brasileira sub-23 no Torneio de Toulon?
Foi uma experiência muito boa, e a minha ficha só foi cair quando já estava dentro de campo. Um sentimento muito diferente, uma emoção muito forte de representar o meu país. Lembro, por exemplo, de ter ligado para a minha mãe para contar da convocação, contar o que estava sentindo na hora. Foi muito bom, muito bom mesmo, principalmente porque fomos campeões.

O que falta para conseguir a primeira oportunidade na seleção principal?
Olha, não sei… Estou trabalhando, né? Todos temos o sonho de chegar à seleção principal. Eu, felizmente, fui campeão logo na minha primeira convocação à seleção sub-23. Foi um grande passo na minha carreira. Agora é continuar trabalhando muito forte aqui no Sporting. Se vier uma convocção, vou ficar muito feliz.

O que acha que poderia trazer de novo à seleção principal?
Sinceramente, não sei se está faltando algo à seleção [risos]. Tem um meio-campo muito bom, com Arthur, Casemiro, Allan…

Qual é a sua maior referência brasileira no meio-campo no futebol atual?
Gosto muito do Arthur, observo bastante ele. É muito técnico, sabe tocar muito bem a bola, tem o drible. Admiro muito ele, é top.

Em quais aspectos ainda precisa crescer mais, sobretudo na visão da seleção?
Preciso continuar em alto nível e ajudando o Sporting. Sou daqueles que se cobra muito nos treinos, me cobro até mesmo quando erro um simples passe. Não posso errar. Sou do tipo de jogador que se cobra muito mais nos treinos, porque assim o risco de errar num jogo é menor. Sei, por exemplo, que ainda posso evoluir na questão da marcação.

Como é a sua noite de sono depois de uma vitória com uma boa atuação?
Procuro curtir com a minha família. Também assisto ao jogo para perceber se preciso melhorar em algo, perceber o que errei…

E como é a noite de sono com uma derrota e uma atuação fraca?
Vem logo a minha mãe na orelha: “Você não é assim. Dormiu mal, é?”. Diz logo que preciso fazer um próximo jogo melhor, fica a semana inteira falando na minha cabeça [risos].

Esse tipo de “cobrança de mãe” é mais positiva ou negativa? Incomoda?
Ah, incomoda. Pô, a gente vem de um jogo ruim, de derrota, então não é legal chegar em casa e ouvir críticas: “Por que fez isso? Por que fez aquilo?”. Fico mal com isso, ainda mais porque já chego em casa de cabeça quente. Mas depois paro para pensar e vejo que tudo isso é bom para mim. Sempre procuro analisar o que a minha mãe fala. No fundo, isso é bom.

Você teve algumas propostas para sair, mas ficou no Sporting. Por quê?
Algumas propostas chegaram, mas o Sporting disse que eu acabaria sendo utilizado. Fiquei e corri atrás do meu espaço. Esperei pela minha chance e agora sou feliz aqui.

Em algum momento pensou que havia tomado a decisão errada de ter vindo jogar na Europa?
Sim, sim… Pô, você chega na Europa e acontece tudo isso? Aí você pensa: “Estava bem no Fluminense, o que eu vim fazer aqui? Não jogo aqui, jogava lá”. Isso é difícil, mas é passageiro. Tem que ser muito forte para encarar tudo isso de frente. Felizmente, tive a minha família do lado. Caso contrário, não sabia nem sequer o que estaria fazendo aqui ainda. Lembro que falava que queria ir embora, que queria largar tudo. Tudo isso me tornou mais forte, cresci como homem e também como jogador. O Wendel de agora é muito diferente. Antes, por exemplo, não falava com quase ninguém, quase não respondia. Era mesmo muito fechado. Como disse antes, tudo é passageiro, nada é para sempre.

Essa timidez, aliás, chega a atrapalhar dentro e/ou fora de campo?
Acho que não. Sou bem tranquilo, quieto, na minha. Não sou de falar, de entrevistas. Não gosto. É algo meu, desde criança, e não tem nada a ver isso de ser “desligado”. Sou assim, é o meu perfil. Gosto mais de mostrar o meu futebol e ficar calado. Mas posso mudar isso aos poucos, dar mais entrevistas, contar com todo esse apoio do clube…

Há quem diga que o celular também é um sério problema para você. Na verdade, é um problema para mim e para quase todos nos dias de hoje. Tenta se afastar um pouco dele, das redes sociais?
É difícil para todo mundo. Tento desligar um pouco, de verdade. Procuro também jogar videogame, estar mais com os amigos, dormir… Mas reconheço que isso é um vício. Já exagerei muito mais, admito, mas agora estou mais tranquilo.