Domingo, tempo empastelado, perfeito para ler a entrevista de Jorge Fonseca ao jornal Expresso.

Quando entrou para o tapete, no último combate, já sentia que ia ser campeão?
Eu comecei a festejar uma medalha antes, porque sabia que mesmo que perdesse ia ser vice-campeão do mundo e por isso já estava feliz. Mas antes do combate o meu treinador chamou-me disse que eu tinha capacidade para fazer mais e estivemos a falar durante uma hora. Acabei por mudar aquela minha forma de pensar.

O que ele lhe disse que o fez mudar de ideias?
“Tu ainda não ganhaste nada. Tu tens idade, tens tempo para fazer história, por isso aproveita esta fase boa em que estás para fazer história”. Quando ele me disse que eu não tinha ganho nada ainda, eu pensei “fogo!?” (risos). Mas por um lado fez-me aumentar a autoestima de que podia ser campeão do mundo. Por isso entrei muito confiante para o último combate, sabia o que tinha de fazer. Acabei por projetar o meu adversário no início do combate e tive de aguentar três minutos até final.

Consegue ouvir e assimilar alguma coisa do que o treinador lhe diz durante o combate?
Sim. Nós estamos muito perto um do outro e basicamente estou sempre a vê-lo. Eu tento concentrar-me só no meu adversário e no meu treinador e abstrair-me do público, por isso consigo ouvir a voz do Pedro durante o tempo todo.

Quando percebeu, está ganho?
Só mesmo quando acabou o tempo. Quando faço a projeção, tinha passado apenas um minuto de combate, penso “sou campeão do mundo”. Mas depois o árbitro para e marca o waza- ari que é a pontuação média do judo e… “Agora vou ter de aguentar três minutos para ser campeão do mundo”. Depois o Pedro começou a dizer para gerir o combate de uma forma diferente tenta ter menos ansiedade e gerir como um campeão, “daqui para a frente tu és um campeão”. E consegui. Cometi dois pequenos erros, é normal… Porque quis meter um bocado de show, fazer a minha técnica favorita, mas o Pedro não gostou e teve de me chamar a atenção e acalmar para eu fazer as coisas como deve de ser.

Aquela dança no final, estava programada?
Não, aquilo saiu. O público japonês tem uma forma muito séria de ver o judo, eles não sabem aproveitar a graça do judo. Acham que os atletas são feitos para treinar, competir e vencer. São muito rígidos, muito direitos. Na outra vez que estive lá, dei um baile, saí a gritar para eles. Desta vez eu não sabia o que fazer, pensei, vou dançar. Então comecei a dançar, levantei os braços, agradeci, porque o público japonês puxou muito por mim durante todos os combates. Eu tinha de fazer alguma coisa, quis fazer algo de histórico, quis dançar e divertir-me com o público (risos).

O facto de ser no Japão tornou o título ainda mais especial?
Sim. Ser o primeiro atleta português a ganhar uma medalha de ouro em Tóquio, que é onde nasceu o judo…Foi uma coisa muito louca. Nunca esperava alcançar um título destes. Estava à espera de poder fazer um bom resultado, mas não estava à espera de ser campeão do mundo, em Tóquio.

Mas trabalhava para isso.
Sim, mas é sempre uma miragem. Porque o Japão tem grandes atletas e estava sempre em dúvida com o que pudesse sair dali, estava um bocado com receio, na expetativa de que podia chegar ao pódio, mas não campeão do mundo. Não pensava que pudesse chegar ali e sair com o ouro no pescoço. Mas, ao contrário dos meus colegas que foram mais cedo para Tóquio, eu e o Pedro não quisemos ir logo, só fomos com uma semana de antecedência e isso foi fundamental porque durante duas semanas eu tive o Pedro só para mim, de manhã à noite. Treinávamos todos os dias só os dois, ele pode concentrar-se só em mim, nas minhas falhas, falámos muito e isso foi fundamental também.

Qual foi a primeira coisa que o seu treinador lhe disse?
O Pedro deu-me um abraço e começou a chorar. Não disse quase nada. Eu disse-lhe a ele que conquistamos aquilo para o qual tanto trabalhamos e que daqui para a frente vamos lutar para mais.

Com quem mais queria estar e falar depois de ser campeão?
Eu queria falar com a fisioterapeuta e passar tempo com os meus colegas. Porque ao longo do tempo que trabalhamos e estivemos no Japão eles eram a minha família Não ia estar a ligar para a minha mãe, não, eu queria era estar com os meus colegas, festejar o momento. Nós passamos muito tempo fora juntos e somos uma família. Alguns deles ficaram em 8º, em 5º ou 2º lugar e eu, sendo o 1º, queria conviver com eles, para eles também acreditarem que são capazes. Estiveram sempre do meu lado e foram uma peça fundamental para eu ganhar. Tenho de agradecer-lhes.

Tinha lá familiares?
Não. Gostava de ter, mas os familiares criam um bocado de ansiedade porque eu vou querer mostrar-me (risos).

Tem algum ritual antes dos combates, alguma coisa que precise de fazer sempre?
Eu tento desligar-me do telefone e só ouço música para me distrair.

Que música ouve?
Gosto de ouvir RAP. Musicas que me incentivam. Eu gosto muito de desafios por isso tenho de ouvir músicas motivantes, desafiantes.

É crente?
Acredito em Deus do meu jeito. Tenho a minha fé. Depois tenho uma pessoa que reza muito por mim que é a minha avó (risos).

A medalha já está em casa da sua mãe?
Ainda não (risos). Estamos à procura de um quadro e a minha mãe ainda não teve tempo de comprá-lo. Já devia ter comprado, mas pronto (risos). Quero que a medalha fique em casa dela para ela acreditar que o filho dela é mesmo campeão do mundo e para conviver com a medalha.

Nasceu em S. Tomé e Príncipe e veio para Portugal com 11 anos. Do que se lembra da primeira infância em S. Tomé?
Pouco. A minha mãe deixou-me com o meu tio e então tenho muito poucas recordações da minha infância. Ela veio para Portugal à procura de uma vida melhor. O meu pai trabalhava na pesca e estava sempre a viajar em alto mar, nunca tinha tempo para estar presente.

Tem irmãos?
Tenho três irmãos mais velhos.

Veio com algum dos seus irmãos?
Não porque nós africanos tínhamos dificuldades para vir para países da Europa. A minha mãe conseguiu o visto só para mim porque eu era o mais novo e vinha para estudar. Antigamente era muito complicado.

Foi viver para a Damaia.
Sim.

Sentiu dificuldades de adaptação?
No início foi difícil, eu era rebelde. A minha mãe antes não vivia na Damaia, vivia na Cova da Moura e saiu de lá para eu não viver com aquela realidade, deu-me melhores condições. Depois tive a sorte de quando cheguei ter um bom padrasto que fez-me enquadrar bem com a sociedade e perceber que há outra realidade. Mas eu vivi sempre na Damaia de cima que não é tão perigosa assim. Claro que há sempre os bairros sociais ao redor da Damaia, mas nunca tive problemas. Só às vezes na escola.

Gostava da escola?
Não gostava muito da escola, vou ser sincero. Ao longo do tempo tive dificuldade com a língua portuguesa, porque em S. Tomé falava o dialeto. Quando cheguei tive terapeuta da fala, mas a minha mãe não tinha condições para manter. Fiquei no 10.º ano, deixei a escola nessa altura para me dedicar mais à minha vida profissional, do judo. Mas entretanto já acabei o 12.º ano.

Como surge o judo?
Aqui na Damaia. Eu ficava a jogar à bola com uns colegas ao pé da escola, depois quando ia para casa, ia ver a aula de judo, espreitava pela janela, porque sabia que ia aprender um bocado para brincar com os meus colegas no dia seguinte, na escola. Os rapazes gostam de fazer aquelas brincadeiras das lutas nos intervalos, então eu copiava algumas coisas que via. Entretanto, o treinador que era o Pedro Soares, via-me ali todos os dias e um dia pergunta-me se não quero experimentar. Pedi autorização à minha mãe. Ela deixou e pronto, desde aí comecei a gostar de judo.

O que mais o encantou na modalidade?
Foi o espírito do judo e a forma como fui recebido. Tenho um treinador que depois de um tempo e de perceber que comecei a gostar de judo fez-me acreditar que eu era capaz de fazer muito mais.

Aos 17 anos teve um filho. Quando soube que ia ser pai, como reagiu?
Não sabia o que dizer. Eu vivia com a minha mãe, como é que ia dizer à minha mãe que engravidei uma miúda? Nisso tudo tive uma pessoa que esteve sempre comigo, o meu padrasto, ele foi muito presente, soube resolver a situação da melhor forma possível. Quando cheguei e disse à minha mãe que engravidei uma miúda, ele atirou as mãos à cabeça (risos). Mas hoje o Francisco é o neto favorito dela. Tenho guarda partilhada com a mãe dele. Ele acaba por passar muito tempo com a minha mãe porque eu tenho pouco tempo. Mas ele pegou-se muito a mim, porque eu saia do treino e ia logo a correr para casa para ir ver o meu filho.

Teve cancro nos ossos de uma perna, em 2015. Como descobriu?
Eu tinha os Jogos Europeus em Baku em 2015, e antes disso, nos balneários, após os treinos, os meus colegas metiam-se comigo “Oh Jorge tu tens três bolas”. Porque eu tinha um inchaço grande na virilha. Mas nunca dava importância. Aquilo inflamava cada vez que eu treinava mas no dia seguinte desinflamava. Por isso não ligava. Entretanto fui aos Jogos Europeus em Baku e ao longo dos combates eu ia perdendo a força. Quando fui disputar o bronze estava sem forças e a fisioterapia achou estranho tantas cãibras no momento. Ela chamou-me e marcou consulta com o Dr. Passarinho. Ele descobriu o osteossarcoma.

Quando recebeu a notícia o que lhe passou pela cabeça?
Recebi a notícia da melhor forma possível. Tive a sorte de ter o Dr. Manuel Passarinho, a melhor pessoa, sem ele não seria a mesma coisa. Foi ele que me abriu os olhos para as coisas. Toda a gente estava triste, eu e o Pedro chorávamos e ele veio de lá e disse “Ouve lá ó preto, tu vais superar essa doença e tu vais ser o maior. Já te arranjei os melhores médicos, não te preocupes, daqui as seis meses tu vais estar bem”. E eu tipo “Fogo, eu estou com um cancro e o Dr. está-me a dizer isso?” (risos). Mas depois de ouvir aquelas palavras, não há realmente melhores palavras que pudessem ser ditas naquele momento.

Porquê?
Porque normalmente os médicos têm muito cuidado como vão transmitir ao paciente, mas o Dr. Passarinho foi tão direto que acabou por ser a pessoa mais importante na força e confiança que transmitiu a mim e ao meu treinador. Depois de ele explicar a situação, depois de ir ter com os médicos no Hospital dos Capuchos e ele mostrarem a realidade das coisas, acabei por acreditar que era difícil mas que ia ter capacidade para continuar.

Mas fez sessões de quimioterapia?
Fiz, foi muito duro. O meu tratamento era para ser feito em seis meses e eu fiz só em quatro, porque estava a ter pouco tempo de preparação para os Jogos Olímpicos do Rio. Por isso foi muita carga, muito tempo no hospital.

Foi-se muito abaixo na altura dos tratamentos?
Eu perguntava porquê eu. Mas descobri a resposta através das pessoas que ia vendo nos tratamentos de quimioterapia, as pessoas mais idosas que me transmitiam outra imagem e visão das coisas. Pessoas que me mostravam que aquilo não era o fim mas algo que me ia dar força para a vida. Acabou por ser muito importante. Eles ali a tentar sobreviver e ao mesmo tempo a tentar dar-me força e mostrar que eu também vou sobreviver. Houve alguns que faleceram pelo caminho e aí eu ia um pouco abaixo.

É verdade que foi detido no Japão por duas vezes?
Não. Eu e os meus colegas fomos advertidos pela polícia. E eu afastei-me logo, os meus colegas é que tiveram de ir no carro da polícia para ir buscar o passaporte. O que aconteceu é que no Japão eles são muito rígidos com as regras, nós fomos correr e com o calor decidimos tirar as t-shirts. Pronto, foi uma das causas da advertência. A outra foi o facto de termos atravessado a rua já com o sinal vermelho para nós. Foi a seleção toda, éramos uns 17 atletas, não fui só eu.

Como se torna atleta do Sporting?
Fui com o Pedro que se torna treinador do Sporting porque o clube ia dar-nos melhores condições naquela altura. Por isso mudamos todos da Damaia para o Sporting. Eu tinha 15 anos.

É sportinguista?
Eu não sou muito de ligar a futebol. Agora só mais sportinguista porque vivo a realidade do Sporting e sendo um atleta da casa, o espírito que vivemos faz com que já me sinta sportinguista.

Teceu recentemente elogios a Bruno de Carvalho, criticou o Gabinete Olímpico do Sporting por contratar atletas estrangeiros que nem sequer treinam em Portugal…
…Não quero falar mais do clube. Não quero alimentar polémicas, nem guerras. Eu só elogiei o Bruno de Carvalho por aquilo que ele fez pelas modalidades. Mas não quero falar mais sobre o assunto.

Ficou magoado pelo facto do jornal do clube não o ter colocado na 1ª página depois de ter sido campeão do mundo?
O importante é que tenho o título de campeão do mundo. Estou há 12 anos no Sporting, não é uma capa de jornal que me vai deixar magoado. Não é o jornal que faz quem eu sou. A melhor resposta que eu posso dar é no combate. Eu gosto de desafios. Estou a viver um momento feliz, sou campeão do mundo, vou ser dois anos campeão do mundo. Não há nenhum atleta em Portugal que ganhou o título que eu ganhei e que tenha feito o que eu fiz e estou a fazer pelo judo português, então… Ninguém me tira isso.

Já voltou aos treinos?
O meu treinador pôs-me de férias, mas eu não gosto de estar de férias, gosto sempre de fazer alguma coisa. O que fiz foi desligar um bocado do judo, porque tivemos treinos muito duros, com muita intensidade, muito fortes, e por isso tenho de aproveitar as férias e fazer apenas exercício físico. Não gosto de descuidar a parte física, porque depois custa mais voltar a começar. Tenho feito treinos físicos, mas judo só começo daqui a uma ou duas semanas.

Qual foi a primeira coisa que o seu filho lhe disse quando soube que é campeão do mundo?
Começou a chorar e disse “O meu pai é o meu orgulho”. Ficou muito feliz. A mãe dele ligou-me, ainda eu estava no Japão, a dizer que ele estava a chorar de emoção. Quando cheguei cá, no dia seguinte fui lanchar com ele e começou a chorar outra vez, disse que eu sou o orgulho dele. Deixou-me emocionado, porque sem ele não seria a mesma coisa.

Ele pratica judo?
Sim, na escola dele, na Amadora, mas eu não queria que ele fosse judoca, queria que ele estudasse, porque a vida de um atleta não é fácil e acho que eu ia exigir muito dele, por isso não quero que ele seja judoca.

Desde quando vive sozinho?
Vivo na minha casa há um ano e meio. E não é fácil.

Porquê?
Porque durante oito anos vivi no centro de alto rendimento, tinha tudo feito, era chegar comer e dormir. Era mais fácil. Agora tenho de cozinhar, tenho de limpar a casa, tenho de fazer tudo (risos).

O que mais gosta de fazer quando não está a treinar?
Gosto de passear, tento divertir-me ao máximo, estar com os meus amigos, espairecer. Quando estou no judo eu dou tudo, por isso depois tenho de desligar, senão é um sufoco. Agora tenho estado por casa e tenho tentado aproveitar um bocado da fama que me estão a dar.

Passou a ser mais reconhecido na rua?
Passei. É bom porque as pessoas estão a reconhecer o que fiz.

O próximo grande objetivo são os Jogos Olímpicos.
Claro. Eu já conquistei o meu objetivo que era ser campeão do mundo e vou festejar este título até voltar a treinar. Depois de começar a treinar a sério vou desligar de ter sido campeão do mundo e o objetivo é ser campeão olímpico. Sei que agora sou o alvo a abater.

Para si é mais importante o título olímpico do que o mundial?
Não consigo ver a diferença entre um e outro. A única diferença é que um tem dois anos de título e o outro são quatro anos. Ao fim e ao cabo ambos são os melhores do mundo. Mas claro que ser campeão olímpico é o meu próximo grande objetivo.

Quem vai ser o seu maior adversário?
Todos. Agora todos querem bater-me. Antigamente eu pensava que eles é que são o alvo a abater, agora sou eu, então tenho de pensar de maneira diferente. O judo está muito profissional e os treinadores estudam os atletas e eu sendo campeão do mundo vão-me estudar bem, portanto, as coisas não vão ser fáceis. Tenho outra visibilidade.

Que balanço faz do judo em Portugal?
O judo está na melhor forma possível. Tivemos duas medalhas neste campeonato do mundo. Temos um presidente na federação que apoia muito o judo, está a arranjar as melhores condições para o judo. Tenho muito a agradecer-lhe também, porque tenho oportunidade de ter o meu treinador comigo nas grandes competições. Estamos a viver um momento muito bom no judo, mas acho que ainda temos muito para dar.

Está satisfeito com as condições de treino que tem?
Acho que está na altura do judo ter mais condições e de ter uma sala só sua. Nós temos uma sala na Cidade Universitária, que temos de partilhar. Há momentos em que queremos treinar mais e o segurança quer ir embora para casa e tem de apagar a luz. É triste. O nosso treino acaba às 21h45, mas temos de alongar, massajar, a fisioterapeuta quer trabalhar e não tem oportunidade porque o senhor que está ali quer ir embora. Com as medalhas que temos no judo e a evolução que tem tido, porque atrás de mim existem juniores campeões da Europa, juniores medalhados em mundiais, há jovens com capacidade para serem melhores do que eu, por tudo isto, julgo que está na altura dos governantes darem ao judo melhores condições. O atletismo tem uma nave só deles, no Jamor. Acho que o judo também merecia pelo menos uma sala só sua. Tirando os grandes atletas do atletismo, a seguir está o judo, com a Telma Monteiro, medalha de bronze nos JO, agora um campeão do mundo e uma vice-campeã do mundo. Não estou a dizer que as condições que temos agora são más, mas deviam ser melhores para podermos ter ainda mais medalhas.

Com este título ganhou e vai ganhar mais dinheiro. Onde o investe?
Quero investir no meu futuro. Neste momento estou a pagar casa, quero acabar de pagar a minha casa. Com os títulos que vou conquistando quero poder dizer um dia que eles ajudaram-me a alcançar o objetivo de ter a minha casa e poder dar de comer ao meu filho. Também comecei agora a tirar a carta de condução.

Em termos técnicos, onde é mais forte e o que tem de trabalhar mais?
Tenho muita parte negativa que tem de ser corrigida. A parte positiva é que sou um atleta muito explosivo e tenho muita potência, o que surpreende muito os adversários. Mas tenho de trabalhar a tática. Eu sou de 100kg. Em Portugal tem pouca gente para me desafiar, tenho sempre de ir para outros países para treinar. Tem cinco atletas no Sporting nessa categoria mas nos juniores. Não são tão fortes como eu, mas tentaram ajudar-me e também tenho de agradecer-lhes. Eles puxaram muito por mim. Se tivesse aqui mais atletas do meu peso acho que podia ser mais do que sou. Antes de ganhar este título eu já me sentia o rei na capoeira porque não tenho rival em Portugal. Eu gostaria de ter e se perdesse com ele ia ser muito melhor para mim. Antigamente ainda tinha o Célio Dias de 90kg, era a única pessoa que me desafiava, mas ele não continuou. Eu quero começar a trabalhar já porque os meus adversários vão tentar defender o meu ponto forte e tentar ganhar-me na parte negativa.

Já disse que gostava de ser policia.
É verdade.

Porquê?
Porque quero ajudar as pessoas e não vejo melhor forma. Eu vejo que os policiais aqui na Damaia fazem um bom trabalho. Nas escolas da Damaia havia muitos conflitos e os polícias estiveram sempre presentes para ajudar. Muitas vezes ficamos contra os policias mas temos de saber que eles estão para nos proteger.

Quer manter-se ligado ao judo depois de deixar de ser atleta?
Não. Quando acabar a minha carreira no judo quero viver outra realidade. Quero viver uma vida normal, quero saber o quanto custa a vida o sofrimento pelo qual as pessoas passam para ganhar dinheiro. Eu vejo a minha mãe levantar-se cedo todos os dias para ganhar o que ela ganha como empregada doméstica. Não é fácil. Também espero dar uma vida melhor a minha mãe. Que é o meu grande objetivo.

Já voltou a S. Tomé e Principe?
Não.

Não tem curiosidade e vontade de regressar à terra onde nasceu?
Tenho curiosidade, mas eu quero ir para S. Tomé reconhecido como um rei. Porquê? Porque eu saí de lá muito novo e os santomenses nunca aceitaram bem isso e não me dão importância. Eles acham que me roubaram de S. Tomé para representar Portugal. Mas a verdade é que já era atleta e ainda não tinha a nacionalidade portuguesa, quando pedi apoio a S.Tomé e eles não me deram apoio.

Como assim?
Houve uma altura que nós precisávamos que eu competisse internacionalmente porque só competia cá. Pedimos apoio a S. Tomé para poder representar S. Tomé e eles desvalorizaram.

Assim passava a representar S. Tomé e Príncipe?
Não, era só até à minha nacionalidade portuguesa sair. Porque como os meus pais não eram portugueses eu precisava de fazer 18 anos para poder ter a nacionalidade portuguesa. O Pedro queria que eu fosse ao JO de Londres, mas para isso era preciso ir treinar e competir fora e por isso pedimos apoio a S. Tomé, só para nos dar uma autorização para representar o país, porque o Sporting e o Pedro é que eram responsabilizados por tudo, mas eles não deram essa autorização.

fonseca medalha