É difícil escrever sobre o Sporting sem ter vontade de insultar ou destratar o juízo de alguém. É o ponto em que estamos. O da desordem. O da desunião completa. A maior parte dos sportinguistas que conheço atravessa dois tipos de estados mentais quanto à sua paixão clubística: a desilusão e vontade de afastamento ou a completa ira e incompreensão. Haverá quem não pertença a estes dois sentimentos, mas eu, sinceramente não conheço nenhum. É espetacularmente triste poder dividir o universo leonino entre a raiva e a depressão e saber exactamente onde nasce a razão de toda esta negatividade.

O futebol (mais do que as modalidades que também já viveram dias melhores, mantendo-se porém bastante competitivas) do Sporting é hoje uma imensa e intensa arrecadação de problemas mal resolvidos, incapacidades crónicas, asneiras tremendas que revelam mais tendência em agravar-se do que serem prontamente e assertivamente resolvidas. Na minha opinião, este CD fez opções e tentou levar por diante uma linha de gestão que se provou equívoca e que falhou, pior, neste momento não sabem como mudar ou sair da mesma. Ao invés de procurarem o tal “plano B”, insistem em provar de boca que não estão enganados, enfrentando a crítica como se enfrenta uma serpente venenosa: à distância, com receio, espreitando as oportunidades possíveis para encapuçar as presas.

Mais do que tudo, escapa a esta Direção o conhecimento ou reconhecimento do que era suposto estar a fazer. Evade-se de entender, de escutar, de se aproximar dos que era suposto estar a representar. Neste momento, aninharam-se num canto da SAD e agarrados ao telefone vão colocando notícias nos jornais, achando que isso é “comunicar”, borrifando-se epicamente para o que os sócios e adeptos acham que devia ser feito. Não é sustentável. Isto não é liderar um clube. São um governo em exílio, um acantonamento de poder que mais não tenta do que sobreviver à ira e incredulidade dos seus próprios adeptos. Não existe qualquer diálogo com a sua própria justificação de poder, não existe qualquer reconhecimento do que estão a fazer e isso, mais do que tudo, implica que não têm, em abstracto, legitimidade.

Obviamente que nenhum tribunal retirará a Varandas e seus pares os mecanismos de decisão no Sporting. À luz das leis, mantêm todas as instâncias intactas, todos os órgãos salvaguardados e plenos de direito. Mas é só o que os sustém. Na verdade, a deterioração do principal – a representatividade – estendida desde a confiança até ao reconhecimento de capacidade e autoridade, foi completamente e irremediavelmente perdida. Esta não é uma leitura exclusiva à minha pessoa, é uma opinião até bastante generalizada, que encontra diferentes concordâncias pelos que seguem mais atentamente a atualidade leonina. Podemos diferir na forma de extinção do mandato, mas todos concordamos que se está a dar tempo a quem revela não ter qualquer intenção de o recuperar.

Digo-vos já que mantenho firme a condição que será muito difícil anular a legitimidade deste CD através das vias estatutárias. Tão difícil como convencer, quem não quererá ser convencido, de que gerir mal por incompetência é tão prejudicial como gerir mal por intenção. Continuo a achar, fugindo às mais variadas teorias de conspiração, que esta Direção é apenas e só incapaz e que chegou ao poder através de um conservadorismo que se uniu para credibilizar erradamente quem não tinha créditos suficientes. Como em tantos outros momentos do clube, os sócios foram na cantiga das aparências e dos “bons nomes”, caindo (sem apelo, mas com agravo) nas falas mansas e ordeiras de quem já teve mais do que tempo para provar que a oratória não gere clubes de futebol a partir de Mesas.

De facto, este CD revela não ter tido a capacidade de cumprir o que prometeu e apesar dos spins, da coragem de enfrentar as claques (já lá irei) e do rol de “coisas feitas”, o que interessa está tão longe de parecer “um bom caminho” quanto o número de espectadores que se perdeu no Estádio de Alvalade ou a capacidade para investir no plantel de futebol sem ter de vender os dedos, as mãos ou os braços. O caminho era estreito, sabia-se, mas sabia-se muito antes das eleições de Setembro de 2018, houve mais do que tempo para evitar cair no abismo, mas é para lá que nos estamos a dirigir, graças mais do que ao factor de incompetência, à incapacidade de aprender com os erros, a intolerância à crítica e à inflexibilidade de saber que presidir a um clube como o Sporting significa ganhar ou pelo menos caminhar para ficar cada vez mais perto de ganhar.

Varandas está mais longe de ganhar hoje, do que quando tomou posse. Isso é sua única e exclusiva culpa. Não se deve a heranças ou dívidas, mas sim a erros…e graves. As vitórias das taças na época anterior, sabia-se que eram apenas prova de que, pontualmente, aquela equipa podia (adoptando uma postura defensiva) vencer os seus rivais. Não foram nunca prova de que o know-how directivo tinha feito intervenções decisivas. A janela de mercado do verão foi simplesmente trágica e, de uma equipa minimamente competitiva, passamos para uma equipa claramente incapaz de competir no escalão de “grande” em Portugal.

Vendeu-se o que se imaginou não vir a fazer falta, comprou-se o que nenhum scout europeu imaginaria relevante. Agarramo-nos aos milhões de Bruno Fernandes com um toxicodependente se agarra à última dose de heroína, esquecendo que o corpo consome mais do que droga. O quadro de profissionais que rodeia a equipa é tudo menos expert e tarda em mostrar o diferencial de qualidade que aporta à estrutura. O resultado é o que estamos a ver e temo que ainda não tenhamos visto tudo, sobretudo quanto vamos lendo coisas tão absurdas como: “…o clube só irá ao mercado se conseguir transferir activos como Acuña, Wendel ou Coates”. Não só não entenderam o que fizeram de errado e que nos trouxe até este binómio “desilusão-raiva”, como pelos vistos, estão dispostos a repetir a dose. A incompetência, de forma repetida, escapando à adoção de melhorias, passa a deficiência.

Uma deficiência que não compreende que o inimigo não podem ser as claques (onde não defendo esta tática de guerrilha, mas sim uma firme convicção de que fazem parte do clube, tanto quanto devem ter os poderes adequados a apoiar as equipas, mas não mais). Os inimigos não podem ser os críticos à gestão atual. Os inimigos não podem ser ex-dirigentes ou ex-atletas. Os inimigos verdadeiros desta Direção e o que genuinamente os impedem (contagiando o clube) de ter sucesso chamam-se scouting, escolha de quem lidera o departamento de futebol, autoridade pelo exemplo interno (e externo) e a tão célebre “comunicação” – que na verdade é toda uma vasta incapacidade de comungar dos traços identitários dos atuais adeptos do sporting, sobretudo porque o Sporting a que acham que presidem…já não existe.

O que existe é um reduto de votos hiperconcentrado numa margem muito reduzida de sócios que não quero adjetivar o julgamento (sobretudo eleitoral) mas confesso identificar como muito vulnerável às “modas” mediáticas, aos tribunais de paineleiros, aos editoriais de pasquins com agenda muito bem vincada, aos “notáveis” que manobram vezes demais rumo à garantia de um espaço e relevância pessoal, mais do que ao interesse máximo da instituição. Muito do que escapa a este nicho de antiguidade, é outro clube, completamente distinto. Mais aguerrido, menos temerário das comadres comunicacionais, mais sedento de conquistas e com muito menos paciência para “gestões de imagem”. Não se caia no engano que serão todos “brunistas”, pois apenas uma parte o terá sido ou ainda o é.

São, na maioria dos casos, adultos e jovens que cresceram com um clube em crise constante, filhos de décadas de promessas de aproximação ao poderio dos rivais não cumpridas. Querem (queremos, porque me incluo) resultados, não imediatos, mas pelo menos com a nítida sensação de que eventualmente surgirão. Queremos um clube que se respeite e se faça respeitar, resistindo a todos os níveis a uma secundarização óbvia. Queremos ter a perfeita noção de que as decisões são tomadas seguindo uma estratégia coerente e incisiva. Queremos uma liderança que pelo menos entenda a dimensão do desafio que é fazer regressar o clube a resultados condizentes com a sua grandeza e mesmo que não os consiga a curto prazo, vermos potencial para aprendizagem, potencial para crescimento, estofo para aguentar e ultrapassar as milhentas pancadas que serão levadas pelo caminho.

É nesta avaliação que este CD falhou e continuará a falhar. O seu plano simples e circunscrito a palavras, não a capacidade, quebrou onde todos quebram, na coragem de entender que não há plano que governe um clube como o Sporting, mas sim centenas de planos, todos a decorrer em simultâneo e dependentes de um conhecimento profundo do que é o clube, uma mesa de trabalho que incluí objetivos tão flexíveis como as verdades mutáveis do futebol e as profundas ilhas de poder dos sistemas e mercados financeiros. Uma mesa de trabalho, onde se senta à cabeça o adepto, as suas ilusões, os seus receios, a sua força, o seu amor ao clube.

*às quartas, o Zero Seis passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca