As memórias mais antigas são as melhores que temos. Digo isto porque estas, normalmente, vêm filtradas com o essencial. O acessório, os problemas, as mesquinhices ficam longe e o nosso cérebro processa o que nos faz mais feliz. Foi exatamente isso nos trouxe esta entrevista na Tasca.
O Maurício Cavalcanti foi um dos melhores jogadores de voleibol de sempre do Sporting Clube de Portugal. Esteve connosco nos anos 90 e ajudou-nos a vencer inúmeros títulos durante a meia dúzia de anos que jogou de verde.
Na Tasca esteve um dos que tornou a Nave especial, um dos que sentiu o poder e o entusiasmo dos melhores adeptos do mundo. Esse local onde se podia entrar de fato de treino, de calções e t-shirt ou até de fato e gravata. Onde as vozes ecoavam e as pessoas se acotovelavam por causa de uma única vontade – ver o Sporting jogar. Onde o cheiro motivava os nossos jogadores e o verde ofuscava os olhos dos adversários. Muitos recordam com saudade aquilo que, como eu, tantos outros não conseguiram experimentar.
Somos um clube imortal muito graças a nomes que não conhecem ou já esqueceram. O Maurício Cavalcanti é um deles. Saber agradecer-lhe é respeitar a nossa história, aquela que ensinamos aos nossos filhos e vamos espreitando no museu. Se me permitem ser honesto, admito que esperava uma boa entrevista, não imaginei que me emocionasse. O Maurício Cavalcanti falou num Sporting que só conheço em histórias ou relíquias no Youtube. Obrigado Maurício!
1. Como está a tua vida neste momento?
Tenho tido uma vida espetacular em Portugal, país que adoro. Vida estável. Sou empresário, na área de ginásios, e tenho 3 filhos. Um é professor e treinador de voleibol, os outros estudam e jogam voleibol na primeira divisão, no Viana Voleibol Clube.
2. Foste um craque do voleibol, o que mais se sente falta quando se pára de praticar desporto de alta competição?
Eu, como joguei voleibol até aos 40 anos, não senti falta de o praticar quando parei. Foram muitos anos a jogar alta competição. A modalidade que pratiquei 23 anos só nos seniores, é sempre uma paixão. Pode ficar adormecida por vezes, mas nunca deixa de ser uma paixão. Mas o que mais sinto e senti falta quando parei de jogar foi o ambiente e os amigos. Fazemos mesmo grandes amigos no desporto. Chega a ser uma amizade quase indescritível.
3. Como foi jogar no Sporting Clube de Portugal?
Cheguei do Brasil, sem clube certo. Fui fazer teste no Sporting em 89, e fiquei logo. Joguei 6 épocas no Sporting. Fui muito bem recebido, tivemos excelentes grupos de trabalho e muitos títulos. Foi sempre um orgulho muito grande e também uma grande responsabilidade representar o Sporting. Foi no Sporting que me afirmei em Portugal, que conquistei os primeiros títulos, que fiz também grandes amigos. Marcou-me realmente muito jogar estes 6 anos neste clube.
4. Consegues-me explicar como era o ambiente da Nave de Alvalade?
Ui. Falar do ambiente da Nave, chega até a ser fácil… pelo lado positivo. Tivemos grandes jogos na Nave de Alvalade, grandes dérbis, grandes jogos europeus. Muitas vezes tínhamos a Nave tão cheia que faltavam lugares. Nos dérbis então, era um ambiente fantástico, o público muito próximo da equipa, dando sempre o seu apoio. Sempre fui muito acarinhado nesse clube. Só tenho a agradecer ao clube e aos dirigentes que o representaram naquela época. Ainda hoje mantenho contacto com jogadores, treinadores e dirigentes dessa época.
5. Jogar no Sporting é ser-se reconhecido na rua, alguma história divertida para contar?
Sim, é completamente diferente andar na rua vestido á Sporting. É um grande clube e tínhamos uma grande equipa. Histórias para contar são muitas. 6 anos de Sporting, impossível não ter histórias.
6. Quando se fala no teu nome, ouve-se que eras um profissional correcto e dotado tecnicamente. Diziam-me que a bancada de Alvalade vibrava a cada remate teu. Tens saudades disto?
Sim, acho que tinha boa técnica e boa estatura para a posição que jogava. Acho que sempre fui muito responsável e ambicioso. Foram muitas e muitas horas de treino para aprimorar essa técnica. É preciso gostar muito, ser muito perseverante e saber onde se pretende chegar, sem perder o foco. Penso que consegui, de alguma forma, atingir isso. Nossa, era tão bom sentir essa energia dos adeptos na Nave de Alvalade, a cada ponto que fazíamos, ou que a equipa conquistava. Ganhar títulos, então, e jogos importantes na Nave eram sempre situações muito marcantes e que guardamos sempre com muito carinho. Nossa, escrevendo isso, bate mesmo uma certa nostalgia. Os olhos lacrimejam um pouco. Temos mesmo saudades.
7. Conta-nos um jogo que não esqueças mais?
Tenho vários jogos marcantes. Um jogo com o Mediolanum Milão, na Nave foi um destes jogos. Apesar de termos perdido, foi um jogo muito bom e equilibrado com a equipa que tinha sido Campeã da Europa, com jogadores de topo mundial. Em Portugal também era bom. Infelizmente, o sistema na época não era de play-off como hoje acontece, mas conquistar um campeonato dentro da Nave era sempre algo mágico. Sentir a invasão do campo, com os adeptos e todos nós em euforia, era realmente algo muito especial. Lembro-me de num destes títulos nos tirarem t-shirts, calções, joelheiras… etc… só ficávamos em cuecas. (Risos).
8. 50% dos leitores da entrevista nunca foram à antiga Nave de Alvalade. Conta-nos um segredo da Nave de Alvalade?
A Nave era relativamente pequena, comparada aos pavilhões de hoje. O campo era rodeado por grades de metal, os banco eram longos e em madeira, e em situações de euforia, lá estavam muitas vezes os adeptos pendurados na grade. Era realmente marcante, os grandes jogos com a Nave cheia.
9. Com a tua experiência qual o melhor conselho que podes deixar aos jovens do Sporting que desejam praticar esta modalidade onde o nosso clube já foi tão feliz com títulos?
Fiquei muito feliz com o regresso do Voleibol do Sporting. Foi excelente para a modalidade e para o Clube. O regresso do Sporting trouxe um novo fôlego para o Voleibol. O conselho que posso dar aos jovens que desejam praticar esta modalidade é: o voleibol é uma modalidade difícil, com uma evolução lenta, por outro lado é sensacional. A cada evolução que sentimos é um prazer enorme. Por isso, pratiquem, divirtam-se, mas também dêem o vosso máximo. Eu acredito que boa parte do prazer e felicidade que o voleibol nos traz, é resultado do empenho e evolução que temos. Eu acredito que mesmo na conciliação entre esforço e dedicação com prazer e felicidade.
10. Uma mensagem aos sportinguistas
Prefiro fazer um agradecimento a todos os sportinguistas, pelo período em que aí joguei, nomeadamente aos mais antigos que marcaram presença em jogos na Nave de Alvalade, e que de alguma forma sempre nos apoiaram. Por isso, continuem sempre a apoiar o Sporting!
*às terças, o Adrien S. puxa a bola bem alto e prega-lhe uma sapatada para ponto directo (ou, se preferires, é a crónica semanal sobre o nosso Voleibol)
7 Janeiro, 2020 at 14:23
Simplesmente obrigado meu chapa!
7 Janeiro, 2020 at 14:27
O Grande Miguel Maia ainda continua a fazer furor! Precisamos de mais Miguéis Maias.
7 Janeiro, 2020 at 19:38
São raros.
7 Janeiro, 2020 at 15:29
Grande craque!
7 Janeiro, 2020 at 15:38
a nossa sorte é a quantidade de coisas boas que este clube tem para nos oferecer, infinitamente superiores às que nos angustiam. Sejamos nós capazes de não deixar que os pratos da balança de invertam
7 Janeiro, 2020 at 15:43
Exatamente!
8 Janeiro, 2020 at 9:50
Concordo!
7 Janeiro, 2020 at 16:20
Bons tempos, lembro-me bem do Cavalcanti e era craque.
O Florov era uma espécie de Balacov do vólei, o Nilson Junior tinha uma impulsão tremenda e a classe do eterno Miguel Maia fazia sempre a diferença.
Grande equipa, limpávamos tudo.
7 Janeiro, 2020 at 22:57
De vez em quando lá dava um jogo de voleibol na TV, o que fez com que alguns destes jogadores ficassem na memória.
Um lamento, nunca ter ido à “Nave de Alvalade”.