Mais do que nunca, o futebol joga-se muito para além das quatro linhas. O desporto rei passou a ser mais do que um mero entretenimento e tornou-se um mercado que gera muito dinheiro. Interesses económicos e políticos são agora realidades do futebol dos dias de hoje.

O empresário português Jorge Mendes foi eleito o melhor agente desportivo da Europa em 2019 pelo jornal italiano Tuttosport. Ao longo dos anos tem vindo a construir uma vasta carteira de atletas e ajudou a protagonizar algumas das transferências mais caras de sempre na história do futebol.

“O segredo é o trabalho. Tens de trabalhar sempre, 24 horas por dia. É o segredo para tudo. Dormir? Dormes com um olho aberto“, revelou após a distinção da Tuttosport.

No entanto, nem tudo é um conto de fadas. Jorge Mendes é um dos principais rostos das revelações feitas pela Football Leaks, o projeto criado por Rui Pinto que revelou transações financeiras “obscuras” no mundo do futebol profissional e expôs alguns truques fiscais usados.

Mas, ainda antes disso, de onde surgiu Jorge Mendes? O primeiro grande negócio que fechou como agente foi em 1996, altura em que negociou a transferência do então guarda-redes Nuno Espírito Santo, do Vitória de Guimarães para o Deportivo de La Coruña, por 2,5 mihões de euros. O agora treinador do Wolverhampton chegava assim a Espanha com 23 anos, após cumprir duas épocas na equipa sénior vimaranense.

Ao contrário do que é agora, o Deportivo era uma das grandes equipas espanholas e nesse ano terminou no quarto lugar do campeonato. A transferência chamou a atenção de muitos outros jovens que aspiravam um dia seguir as passadas do português.

Jorge Mendes viria então a criar a Gestifute, com que protagonizou a sua primeira grande transferência internacional, em 2002, com Hugo Viana a mudar-se do Sporting para o Newcastle a troco de 12 milhões de euros. O futebol inglês acabou por se tornar um dos destinos favoritos para os jogadores de Jorge Mendes. Seguiram-se Nuno Capucho, Cristiano Ronaldo, Deco, Ricardo Carvalho, Paulo Ferreira, Tiago e Maniche, entre outros.

Jorge Mendes começava, desta forma, a construir um legado e a assumir-se como um dos homens mais influentes no futebol fora das quatro linhas.

Saltando para os dias de hoje, a situação não mudou muito. Jorge Mendes é indubitavelmente o melhor empresário de futebol do mundo, mas há um lado obscuro no sucesso do português.

O “carrossel” de Jorge Mendes
Além de ser agente de Cristiano Ronaldo, a Gestifute de Jorge Mendes tem ainda Bernardo Silva, Falcao, James Rodríguez, De Gea, Di María e Renato Sanches como alguns dos clientes mais prestigiados. A lista é longa, mas em grande parte deles há um padrão que sobressai.

Entre as centenas de movimentações de mercado dos jogadores que atualmente agencia, há um grupo de clubes que parece vir sempre à baila.

carrossel mendes

Benfica, Rio Ave, Mónaco, Porto, Braga, Wolverhampton, Sporting, Valência, Real Madrid e Atlético de Madrid são clubes frequentemente visados em transferências de jogadores clientes de Jorge Mendes.

À primeira vista, o vínculo mais comum é aquele existente entre o Benfica e o Rio Ave. Dos jogadores atualmente sob alçada do agente português, registam-se sete movimentos de mercado do emblema da Luz para o Estádio dos Arcos. Em sentido contrário, quatro jogadores do Rio Ave, agenciados por Jorge Mendes, transferiram-se para o Benfica.

O brasileiro Diego Lopes é um caso em que está espelhada esta movimentação entre os dois clubes. O médio chegou muito jovem a Portugal para representar o Benfica, onde completou a sua formação. Na época 2012/13 foi emprestado ao Rio Ave por uma temporada, tendo sido comprado no ano seguinte a custo zero.

Dois anos depois, o jogador regressou às ‘águias’ por uma verba de apenas 100 mil euros. De imediato, foi emprestado ao Kayserispor e, nos dois anos seguintes, ao América-MG e ao Panetolikos. Regressou em 2018 e, apenas três dias depois, foi vendido de novo ao Rio Ave por um valor não revelado publicamente.

Há ainda outros clubes que dão uma ‘voltinha’ neste carrossel, sem que com tanta frequência. O Famalicão é um dos casos mais recentes, sendo a casa de Roderick Miranda, Guga Rodrigues e Diogo Gonçalves, que compartilham Jorge Mendes como agente.

Coincidência ou não, o Famalicão tem também oito jogadores que, apesar de não terem Mendes como agente, chegaram de clubes que figuram no seu ‘carrossel’. Nehuén Pérez, Gustavo Assunção, Ruben Del Campo e Schiappacasse chegaram vindos do Atlético de Madrid; Aléx Centelles e Uros Racic vieram do Valência; Pedro Gonçalves é oriundo do Wolves; e Fábio Martins chegou do Braga.

Importante referir que a Quantum Pacific, que detém 85% do capital social da SAD do Famalicão, tem como principal acionista o milionário israelita Idan Ofer, que, por sua vez, detém 32% do capital do Atlético de Madrid.

Jogam pouco, valem muito
No início desta época, apesar de apenas ter feito cinco jogos pela equipa principal do Sporting, Thierry Correia foi vendido ao Valência, no último dia do mercado, numa transferência a título definitivo pelo valor fixo de 12 milhões de euros.

A transferência pode chegar aos 15 milhões de euros, caso sejam atingidos alguns objetivos “de fácil cumprimento”, como noticiou a imprensa espanhola. Além disso, Jorge Mendes acabou por ser apontado como o responsável por este negócio com o Valência de Peter Lim, com quem mantém uma boa relação. O problema é que Jorge Mendes nem sequer é o agente de Thierry Correia.

À entrada para a segunda metade da temporada, Thierry ainda só fez dois jogos a titular para a La Liga e 20 minutos de um jogo para a Liga dos Campeões. Com poucas partidas pela equipa principal, é pouco habitual que uma equipa esteja disposta a pagar 15 milhões de euros por um jogador, mas o caso não é único.

carrossel tabela

André Gomes acaba por ser a única exceção, já que conseguiu fazer um número considerável de jogos antes de se transferir para o Valência. No caso dos outros seis jogadores, vendidos por 15 milhões ou mais, nenhum deles conseguiu fazer mais de 5 jogos pela equipa principal antes de ser vendido.

“Há uma estratégia para isso. Daqui a dois anos saberão. Tem de ser segredo, as pessoas copiam-nos tudo, temos de ter cuidado…”, disse Luís Filipe Vieira, presidente do SL Benfica, em entrevista à CMTV, em 2017.

XXIII Capital, Peter Lim e Rybolovlev
Em janeiro de 2015, o Benfica vendeu Bernardo Silva ao Mónaco e Enzo Pérez ao Valência por 15,75 milhões de euros e 25 milhões de euros, respetivamente. A mediação de Jorge Mendes valeu-lhe uma comissão de 10% em cada uma das transferências, totalizando pouco mais de 4 milhões de euros.

O pagamento das transferências ficou dividido em três tranches em cada um dos negócios. A poucos meses de receber a 1.ª tranche de Bernardo e a 2.ª de Enzo, o Benfica cedeu o crédito relativo às transferências à XXIII Capital Limited.

Este fundo de investimento foi também o responsável pelo empréstimo ao Atlético de Madrid, para a compra de João Félix ao Benfica, e pelo empréstimo ao Barcelona, para que os catalães comprassem Griezmann ao Atlético de Madrid.

Luís Filipe Vieira fez isto para que a sociedade lhe adiantasse, a pronto, o dinheiro que iria receber nas tranches referidas. Os ‘encarnados’ tinham a receber 32.430.000 euros, mas acabaram por ceder o crédito por 30.619.000 euros.

Em termos práticos, o Benfica pagou à XXIII Capital Limited sensivelmente 2,18 milhões de euros (1,8 milhões de euros mais 375 mil euros em custos de estrutura). Além disso, o emblema da Luz pagou a já referida comissão de 4 milhões de euros a Jorge Mendes.

A XXIII Capital Limited trata-se de uma empresa inglesa registada no início de agosto de 2014 — curiosamente a mesma data em que a ida de Bernardo Silva para o Mónaco foi acordada. Os créditos destas transferências foram os primeiros negócios desta sociedade.

Segundo o Bank of England Pudential Regulation Authority, a sociedade em causa, que conta com o contributo de fundos de investimento sediados nas Ilhas Caimão, “não está registada sob os regulamentos de lavagem de dinheiro.

“Nenhum dos acordos em que entramos nos dão a capacidade de influenciar a sua independência na utilização, transferência ou qualquer outra questão, nem nos dão o direito de receber compensação pela futura transferência de um jogador, os dois princípios-chave da propriedade de uma terceira parte definidos pela FIFA”, argumentou Jason Traub, cofundador da XXIII Capital.

“Sempre tivemos um excelente relacionamento com o Benfica”, disse Traub em entrevista concedida à Visão. O fundo fez ainda um acordo com as ‘águias’ para fornecer 100 milhões de euros antecipados relativos às receitas dos direitos televisivos do clube.

É também importante ter em atenção quem são as outras equipas envolvidas nos negócios de Enzo e Bernardo. O Valência foi comprado em 2013 por Peter Lim, que investiu no clube graças à intervenção de Jorge Mendes, como noticiou o jornal Record em dezembro de 2013.

O magnata oriundo da Singapura é suspeito de estar envolvido num esquema de tráfico de drogas e o presidente filipino, Rodrigo Duterte, alega que ele ainda mantém o negócio de lavagem de dinheiro apesar de ter escapado do país. As autoridades perseguem Lim após uma ordem de prisão emitida contra ele em agosto de 2018 sob acusações de conspiração para cometer comércio ilegal.

“Acredito que Peter Lim ainda esteja ativo, estando ele dentro ou fora das Filipinas”, disse o presidente do país. “Mas a rede e a lavagem de dinheiro de Peter Lim ainda estão muito vivas”, acrescentou.

Duterte disse ainda que quando Lim for apanhado, vai estar preso durante 200 anos. “Se eu fosse ele nem deixava que me prendessem. Cometia suicídio“, atirou.

O antigo presidente do Valência, Paco Roig, também teceu duras críticas ao empreendedor. “O Lim é um ladrão que ficou com o Valência de borla, mas ninguém disse nada. Era preciso saber quem fica com as comissões em cada operação. Como se distribui o dinheiro das contratações. Ninguém perguntou nada disto”, afirmou.

O outro envolvido é Dmitry Rybolovlev, atual proprietário do Mónaco que negociou a transferência de Bernardo Silva para o emblema do principado. Ainda em novembro de 2018, esteve no centro de uma polémica, após ser detido por suspeitas de corrupção e tráfico de influências em negócios ligados ao mundo da arte. O caso ficou conhecido como “Monacogate”.

O magnata russo terá subornado Philippe Narmino, responsável pelos serviços judiciais do Mónaco, para ganhar uma batalha em tribunal contra Yves Bouvier, um comerciante de arte helvético. Segundo o Le Monde, Rybolovlev terá pago um fim-de-semana de luxo a Narmino na sua casa na estância de esqui em Gstaad, na Suíça. Além disso, as autoridades encontraram mensagens no telemóvel da sua advogada que provam que o magnata russo tentou subornar Narmino.

Fabinho, atual médio do Liverpool, é o protagonista de um dos casos mais gritantes do alegado esquema montado por Jorge Mendes. Em janeiro de 2014, Rybolovlev terá recorrido a um fundo de investimento, chamado Browsefish Limited, para adquirir 48,5% do passe do jogador. Isto tendo em conta que na altura o brasileiro já jogava no Mónaco, emprestado pelo Rio Ave.

O Mónaco viria a comprar o jogador no dia 15 de maio de 2015, duas semanas depois da FIFA proibir investidores de comprarem participações de jogadores. Ainda antes disso, a Gestifute recomprou a parte adquirida pela Browsefish e ficou com 97% do passe da Fabinho.

“Parece uma operação de TPO [third-party ownership] disfarçada em benefício de Jorge Mendes, quinze dias após a interdição de tais práticas”, explicou o jornal independente francês Mediapart.

O amigo Bulut e o “triângulo turco”
Os documentos revelados pelo Football Leaks esclarecem um pouco do backstage da atividade de Jorge Mendes. Um dos nomes que surge associado ao agente português é o do turco Ahmet Bulut.

A rede de Jorge Mendes chegou inicialmente à Turquia através de Yıldırım Demirören, o então presidente do Besiktas. O empresário turco deixou o clube em 2012, mas deixou para trás um rasto de destruição e miséria a nível financeiro. O emblema de Istambul ficou debilitado com dívidas a rondar os 200 milhões de euros e um deficit orçamental superior a 160 milhões.

Em grande parte, o estado financeiro do clube da capital é explicado por algumas transferências dúbias de jogadores associados à agência de futebol sediada na Irlanda, a Gestifute, de Jorge Mendes.

Segundo documentos revelados pelo Football Leaks, em pouco mais de um ano, Demirören assinou pessoalmente acordos de comissões secretas com a Gestifute que permitiu a Jorge Mendes encaixar cerca de 6 milhões de euros. Para o clube, isto significou gastos de 60 milhões em transferências e salários.

carrossel leaks

Estes contratos entre Demirören e Mendes foram contra as regras da Federação Turca de Futebol e até mesmo da FIFA, a entidade máxima do futebol mundial.

Nos negócios entre o ex-presidente do Besiktas e Jorge Mendes entra Ahmed Bulut, amigo de Jorge Mendes. O superagente turco estaria a servir de intermediário em algumas das transferências acordadas, apesar de tudo ser mantido em segredo — algo que vai igualmente contra as regras de ambas as federações

Tudo começou com a transferência de Ricardo Quaresma, do Inter para o Besiktas, em 2010. Na altura, os 7,3 milhões de euros pagos pelas ‘águias negras’ fez da contratação uma das mais caras do futebol turco. Com o negócio, Jorge Mendes ganhou 2 milhões de euros, que foram transferidos para a sua empresa em Portugal. Mais uma vez, o português infringiu as regras da Federação Turca, que definem que apenas pessoas (e não empresas) podem negociar os futebolistas, explica o The Black Sea.

Apesar de não surgir nos documentos oficiais do negócio, Bulut recebeu 750 mil euros pela transferência de Quaresma.

Mais tarde, em 2011, o Besiktas voltou à carga por mais jogadores portugueses agenciados por Jorge Mendes. Simão Sabrosa, Hugo Almeida e Manuel Fernandes chegaram à capital da Turquia e, com estes três negócios, o empresário português faturou 2,5 milhões de euros.

Há ainda outro caso que ilustra uma alegada troca de favores entre Demirören e Mendes. Em junho de 2011, o empresário português recorreu à sua mais-valia, Cristiano Ronaldo, para ajudar o então presidente do Besiktas. Ronaldo dirigiu-se a Istambul e esteve presente na grande inauguração do centro comercial de Demirören, o que levou a um frenesim dos media turcos e que acabou por impulsionar o seu mais recente empreendimento.

Neste verão, o Besiktas viria a protagonizar uma série de compras de jogadores agenciados por Jorge Mendes. Os antigos jogadores do Benfica, Sidnei e Bebé, chegaram por empréstimo mediante o pagamento de 1,2 milhões de euros. Por sua vez, o médio português Júlio Alves foi comprado em definitivo por 3,1 milhões de euros. Jorge Mendes recebeu 750 mil euros em comissões pelos negócios.

Também o treinador português Carlos Carvalhal foi levado para o Besiktas, onde orientou a equipa durante oito meses como treinador interino. Durante esse período recebeu 500 mil euros.

Bulut era o parceiro de negócios de Mendes na Turquia. Vários e-mails, faturas e contratos, aos quais o Der Spiegel teve acesso, revelam que Bulut foi crucial para fechar os negócios da ida dos portugueses para o futebol turco. Com este esquema, ganhou secretamente 3 milhões de euros de comissões não declaradas, que foram enviadas para offshores.

Ronaldo e a fuga ao fisco
No final de 2014, Ronaldo vendeu a duas empresas das Ilhas Virgens Britânicas os seus direitos de imagem para os cinco anos seguintes, num negócio avaliado em 75 milhões de euros. Deste montante total, 63,5 milhões não foram sujeitos a impostos.

E como foi isto possível? Tudo graças a um esquema alegadamente engendrado por Cristiano Ronaldo e um sobrinho de Jorge Mendes.

O internacional português entregou os direitos de imagem em 2009 à Tollin, nas Ilhas Virgens Britânicas. Por sua vez, a Tollin entregou os direitos à Multisports & Image Management (MIM), empresa irlandesa com ligações a Jorge Mendes, e à Polaris Sports, empresa gerida por um sobrinho do agente português. Coube então a estas duas empresas assinar contratos com grandes patrocinadores, como a Nike, a Samsung e a Toyota, entre outros.

Os pagamentos dos contratos publicitários eram pagos às empresas que detinham os direitos de imagem de Ronaldo, que posteriormente transferiam grande parte das receitas para a Tollin, com o dinheiro a ficar depositados nos offshores das Ilhas Virgens Britânicas.

No final de 2014, vários milhões de euros foram então movidos da Tollin para Cristiano Ronaldo, num caso que foi exposto pela Football Leaks e levou Cristiano Ronaldo a ser julgado em Espanha por fuga ao fisco.

Na altura a jogar em Madrid, Ronaldo tinha em prática o esquema perfeito para lucrar ao máximo. No país vizinho, as receitas geradas pelos direitos de imagem são mais baixas se o pagamento for feito a uma empresa e não a um cidadão. No caso da MIM e da Polaris, ambas sediadas na Irlanda, os benefícios são ainda maiores, devido ao regime fiscal que vigora no país, com taxas de tributação sobre as empresas de 12,5%.

Ronaldo tomou ainda proveito da chamada “Lei Beckham”, que garantia aos estrangeiros residentes em Espanha uma tributação de não residente, pagando impostos apenas pelos rendimentos obtidos em território espanhol a uma taxa de 24% — bastante inferior à de 48% aplicada aos espanhóis com altos rendimentos.

A equipa de conselheiros de CR7 entendeu que apenas 20% dos rendimentos dos direitos de imagem do jogador eram gerados em Espanha e, por isso, só esta percentagem tinha de ser tributada. Aliás, Ronaldo só declarou estes rendimentos em 2014, cinco anos depois de ter assinado o contrato com a Tollin.

Mais tarde, Ronaldo viria a declarar ao fisco espanhol os valores de 11,5 milhões de euros, pelos direitos de imagem entre 2009 e 2014, e 11,2 milhões de euros, relativos ao prazo entre 2015 e 2020. Em nenhum dos documentos era referida a Tollin.

Mendes e a Fosun
Não é só na Turquia que Jorge Mendes tem amigos influentes. Em 2016, o português uniu forças com o bilionário chinês Guo Guangchang, cofundador do fundo de investimento Fosun. Mendes e Guangchang anunciaram a criação de uma agência que tinha como objetivo expandir o futebol na China.

Uma investigação da Reuters do ano passado apontou algumas características desta parceria que não foram transparecidas ao público há quase quatro anos atrás. O português e o chinês tinham o objetivo de criar uma rede de clubes e academias na Europa para que pudessem comprar e vender jogadores.

À primeira vista, esta operação parece totalmente legítima, mas o que era realmente pretendido era contornar a proibição de investidores comprarem participações em jogadores e negociá-las, aquilo que era conhecido como TPO. Desta forma, o dinheiro da venda destes jogadores era desviado dos pequenos clubes que os formavam.

O caso de Diogo Jota, atual jogador do Wolverhampton, é um exemplo claro de como um clube que formou o jogador acabou por ser prejudicado pelas intermediações de agentes. Em 2014, a Gestifute comprou 40% do passe do jogador por 35 mil euros que, na altura, atuava no Paços de Ferreira com apenas 17 anos.

Quando em 2016, o Atlético de Madrid comprou o jogador por 6,4 milhões de euros, a Gestifute recebeu de imediato 2,5 milhões de euros. Outro agente recebeu 20% do valor da transferência, deixando o Paço de Ferreira com apenas 40% dos lucros da transferência do seu jovem talento.

“O nosso objetivo é construir um sistema completo no mundo do futebol consigo, com diferentes níveis de clubes e instalações de treino. Acredito que juntos podemos estabelecer a nossa forte presença em todas as principais ligas“, lê-se num e-mail enviado por um analista da Fosun a Luís Correia, colega de negócios de Jorge Mendes.

A Fosun queria que Mendes escolhesse projetos futebolísticos em que ambos pudessem investir, com o fundo de investimento chinês a avançar com todo o capital necessário. Os documentos obtidos através do Football Leaks são relativos a meados de 2017, ficando por saber em que patamar está esta parceria entre Mendes e Guangchang.

Além disso, a Fosun pagou 42 milhões de euros por 15% da Start SGPS, uma holding que concentra participações sociais da Gestifute e de outras empresas de Jorge Mendes.

“Bingo!!!!!!!!”, lê-se num e-mail enviado por Luís Correia a Jorge Mendes e Carlos Osório de Castro, advogado da Gestifute e diretor da Start SGPS, quando soube da confirmação do negócio com o fundo chinês.

O advogado rejeitou responder às questões da Reuters, acrescentando que o conteúdo das perguntas era “descaradamente baseado em informações obtidas por meio de um ataque criminoso de hackers a dados privilegiados” — referindo-se a Rui Pinto.

A proibição de investidores comprarem participações de jogadores pouco ou nada impediu a Fosun de continuar com as suas ambições. Não havia nada que a FIFA pudesse fazer para impedir o fundo asiático de comprar clubes e deter os direitos dos seus jogadores. Para saber em qual projeto investir, a Fosun recorreu a Mendes e chegou a considerar comprar um clube português, mas a ideia acabou por nunca avançar.

“Portugal é o lugar perfeito para começar com menos regulamentação, uma maior gama de talentos e a sua ajuda”, escreveu Yang Zhang, analista de negócios da Fosun a Correia. Os chineses queriam comprar o Rio Ave, mas os planos acabaram por falhar devido a restrições do Governo chinês.

Em 2016, Luís Correia contactou a Fosun a informá-los de uma equipa inglesa à venda por 40 milhões de libras: o Wolverhampton Wanderers. Nem um mês depois, a Fosun decidiu comprar o Wolves, com Mendes a mediar o negócio e a servir de conselheiro ao cofundador Wang Qunbin.

“Jorge pode contar com o Wolves como a fonte de receita mais confiável de parceiros e agências por muito tempo”, escreveu Jeff Shi, chefe do departamento de comunicação da Fosun, num e-mail enviado a Luís Correia.

A compra seguiu em frente e, desde então, o clube já gastou 290 milhões de euros em transferências. Alguns dos jogadores contratados eram clientes de Jorge Mendes e, noutros casos, o português mediou os negócios.

carrossel tabela2

Só para se ter noção da influência de Mendes no emblema do Molineux, o superagente português já esteve envolvido, direta ou indiretamente, na transferência de pelo menos 17 jogadores para o clube. O treinador é também Nuno Espírito Santo, precisamente o primeiro cliente de Mendes.

Hoje, a equipa do Wolves conta com nove jogadores portugueses (Rui Patrício, Rúben Vinagre, Rúben Neves, João Moutinho, Bruno Jordão, Pedro Neto, Diogo Jota, Daniel Podence e Roderick Miranda, que está emprestado); um lusodescendente (Christian Marques) e dois atletas que passaram por Portugal (Raúl Jiménez e Willy Boly).

Além disso, as camadas jovens do Wolves contam ainda com três portugueses: Flávio Cristovão, Hugo Bueno e Boubacar Hanne.

Alguns clubes rivais tinham manifestado preocupações sobre a parceria estabelecida entre o Wolves e Jorge Mendes. Contudo, a Liga Inglesa de Futebol anunciou que concluiu as conversações com o Wolverhampton e “foi determinado que Jorge Mendes não desempenha nenhum papel no clube”.

artigo original publicado aqui