Todos nos recordamos de Mário Jardel. E, não menos, da equipa onde cabiam João Pinto, André Cruz, Rui Jorge, Pedro Barbosa, Sá Pinto, Quaresma, Babb ou Niculae, entre outros. Em entrevista à página Sporting Tático, o ponta de lança recupera esses tempos.

Quando estavas na Turquia surgiu uma oferta do Benfica, mas felizmente Vilarinho não cumpriu o prometido e não assinaste pelo rival. Querias sair da Turquia: Marselha e outros clubes não conseguiram o acordo. Como surgiu o Sporting nessa altura? Foi um processo fácil?
Sim, surgiu uma oferta do Benfica, porém o presidente não cumpriu com a palavra dele. Realmente não queria sair, mas a proposta era muito boa, também tinha o Marselha no meio mas não conseguimos fechar o acordo. Então através de José Veiga falamos com o presidente do Sporting e conseguimos fechar um contrato razoável, bem menos do que eu ganhava na Turquia, mas eu já estava desesperado por jogar e nessa indecisão, graças a Deus acertei com o Sporting e fui campeão em Lisboa. Sim, o processo da negociação com o Sporting não foi tão difícil assim e foi um acordo bem rápido, até porque o salário era bem alto na Turquia e eu diminuí um pouco o mesmo, mas valeu a pena. No final dessa época fiz 42 golos no campeonato português e fui artilheiro na Europa e isso não tem dinheiro que pague.

Recordo que quando chegaste a Alvalade a tua contratação não foi consensual. Vinhas com peso a mais e havia alguma desconfiança se poderias voltar ao nível que mostraste no FC Porto. Chegaste com o campeonato a rolar já na quarta jornada. A adaptação ao Sporting foi rápida? Encontraste dificuldades? Que ambiente encontraste naquele momento?
Não encontrei nenhuma dificuldade naquela equipa. Sempre fui um jogador de colectivo e por isso a adaptação foi muito rápida.

Quando assinaste, a equipa do Sporting estava no 15° posto da classificação. Não foi um bom arranque. Uma vitória, duas derrotas e um empate na tua estreia em Leiria. A equipa estava a apenas a um ponto dos lugares de descida. Passaste a fazer uma dupla temível com Niculae (até à lesão). Boloni manteve o sistema tático ou depois da tua entrada no onze passou a usar um modelo em volta das tuas características únicas de jogador de área?
Quando cheguei fui eu que me adaptei à equipa e não a equipa a mim. Com jogadores como João Pinto e Quaresma tínhamos uma excelente equipa, que obrigava os adversários a sofrer. As equipas tentavam adaptar-se à nossa forma de jogar e não o contrário.

Após a tua entrada no onze, Sporting apenas perdeu um jogo no campeonato: em Braga. O Jardel era a peça que faltava naquela frente de ataque?
Eu nunca joguei sozinho, tive a sorte de entrar em equipas onde me encaixei bem. Dizer que eu era a peça que faltava seria muita falta de respeito para com a equipa que me acolheu e que me ensinou tanto. Eu acredito que joguei tão bem por estar rodeado por um excelente grupo. Nós vencemos e fui mais um para ajudar.

Encontraste alguns nomes fortes e referências com experiência naquele balneário. Recordo Tiago, Dimas, André Cruz, Rui Jorge, Pedro Barbosa, Sá Pinto e João Pinto. Como é que te tornaste tão rápido a maior referência daquela equipa?
Muito esforço, muita fé, experiência e um bom posicionamento em campo. Claro que eu só fazia golos porque os meus colegas de equipa conseguiam meter bem a bola na grande área. Depois eu resolvia!

Um dos jogos mais importantes do título foi o empate na Luz quando Sporting estava a perder 2-0 e aos 85 e 87 empataste a partida. Aquele golo de cabeça no final da partida foi o teu golo mais importante naquela caminhada para o título?
Acredito que tenha sido até um dos mais importantes da minha carreira, mas não o mais importante daquela caminhada. Quando se tem tantos golos, você não pode ter um filho favorito. (Risos)

O teu regresso ao estádio das Antas com a camisola do Sporting não foi fácil. Um penalti falhado, expulsão e um estádio a assobiar um jogador que já tinha sido muito importante naquele relvado. Foi uma noite complicada para ti?
Sim, é verdade. Foi uma noite complicada nas Antas, mas faz parte do futebol. Estar num estádio onde defendi tanto aquele símbolo… E naquele momento estava jogando contra eles, mas como disse, faz parte do futebol.

67 golos em 62 jogos em Alvalade. Uma média de 1.08 golos por jogo. Estiveste próximo de algumas marcas de grande figuras do Sporting como Yazalde e Peyroteo. Naquela altura da tua carreira imaginavas fazer 42 golos numa época e ser novamente bota de ouro do futebol europeu?
Quando um jogador se esforçava como eu e treinava como eu, o resultado ser algo positivo era inevitável. Vencer o título e depois a bota de ouro foi para mim um reflexo do meu esforço como jogador. Treinava arduamente e isso estava trazendo frutos e resultados.

João Vieira Pinto era mesmo o Pai daquela equipa? Era mais mérito do teu posicionamento ou o João colocava aquelas bolas como ninguém na tua cabeça? Como é que jogavam de olhos fechados em tão pouco tempo de treino juntos?
O João Pinto era um excelente jogador. Era incrível como ele conseguia encaixar as bolas na cabeça do Jardel independentemente onde eu estivesse! Na verdade não se tratava de jogar de olhos fechados, éramos dois jogadores que se encaixavam um no outro na forma de jogar. João Pinto confiava e sabia que o Jardel ia estar lá e eu acreditava sempre que o João ia colocar bem a bola para eu fazer golo.

Quem era para ti o melhor jogador daquela equipa?
Apesar de eu ter feito muitos golos, o João Pinto era o melhor jogador daquela equipa que nos levou ao título. Aquela forma de cruzar, de meter a bola e a visão de jogo que ele tinha facilitava muito o golo de Jardel.

Quem eram o líderes do balneário que seguravam a equipa nos momentos menos bons?
João Pinto, Sá Pinto e Pedro Barbosa. Quando as coisas não corriam bem dentro do campo e não estávamos a jogar bem eram eles que seguravam o balneário. Eles gesticulavam, conversavam e motivavam para mudar o astral da equipa. João Pinto era um capitão!

Foste o melhor avançado que vi jogar em Portugal e já passaram alguns de excelência como Falcão, Liedson, Bas Dost, Slimani, Cardozo ou Jonas. E até hoje nunca vi ninguém com a tua excelência no jogo aéreo no futebol mundial. Nasceste com um dom na forma como cabeceavas ou foi muito treino? Podes explicar um pouco esse teu movimento tão característico?
Foi um dom que Deus me deu e quando eu percebi que tinha essa capacidade que me diferenciava dos outros eu treinava muito mais esse momento do jogo. Mas foi esse trabalho que me deu essa eficácia resultando em muitos golos dentro da área.

Não eras um jogador rápido e de muitas movimentações fora da área. Mas eras um jogador rápido na decisão e movimentação dentro da área. Sobretudo eficácia. No futebol moderno há espaço para jogadores como o Jardel?
Futebol mudou muito, mas claro que existe espaço para jogadores como o Jardel. É preciso é procurar com calma (risos). Eu jogaria hoje no futebol atual. Eu me movimentava muito bem dentro da área. Se a bola entrava dentro da área o resto era comigo. Hoje, temos muitas dificuldades em ver jogadores assim. Basicamente era isto: deixa que o Jardel resolve!

Na minha opinião o melhor golo que marcaste ao serviço do Sporting foi em Alvalade contra o Vitória de Setúbal. Pela dificuldade do gesto técnico e por ser o golo da vitória aos 91 minutos de jogo. Bola longa do Beto, páras de peito no ar e olhas para o guarda redes enquanto a bola está no ar. Depois fuzilas sem deixar cair. Puseste Alvalade ao rubro. Ainda te lembras desse momento?
Sim sim, lembro! Esse sim foi o golo mais importante da caminhada para o título. Um golo mesmo importante. Lembro que passamos o Natal na liderança e é tão bom passar o Natal em primeiro!

Jogaste com Quaresma e na época seguinte com Cristiano Ronaldo. Ficaste surpreendido com tanto talento de dois miúdos de 18 anos?
Já tinham muito talento e por isso passaram rapidamente para a equipa A. Quaresma já tinha muito bom passe e cruzamento. O Cristiano começou a destacar-se muito cedo naquela equipa. E hoje é um jogador com cinco títulos de melhor jogador do mundo. Foi um orgulho ter jogado com os dois. Acredito que Ronaldo ao me ver tantas vezes a cabecear dentro da área se inspirou naquele movimento. Cada um com o seu mérito e trabalho como é óbvio.

Quaresma tinha qualidade para chegar mais longe na sua carreira? E Ronaldo? Alguém pensava naquela altura que poderia ser um dia o melhor jogador do mundo?
Sem dúvida. O Quaresma era um jogador diferenciado. Um jogador que fazia muita diferença no passe. Ronaldo era um jogador que saía muitas vezes do banco na segunda parte e ninguém imaginava naquela altura o que veio a ser como jogador. Mas o que eu via depois dos treinos na academia… Hoje eu percebo porquê Ronaldo fazia isso! Agora percebo porque ficava ele no relvado quando todos íamos para casa.

Como foi festejar aquele título em Alvalade completamente cheio a cantar a tua música?
Olha, ainda me lembro da música: Mário Jardel, Mário Jardel, Super Mário, Mário Jardel. (Risos) Sou muito grato por tudo o que aconteceu. Todos queríamos ser campeões e eu sou um privilegiado por ter pertencido aquela equipa e ter sido campeão. Quero agradecer todo o carinho que todos os Sportinguistas me deram naquele momento.

Quem teve aquela ideia genial do Guaraná? Talvez uma das mais brilhantes jogadas de marketing usadas até hoje no futebol português. Tens noção que naquele ano os Sportinguistas passaram a beber mais Guaraná por tua causa?
Foi engraçado isso. Os responsáveis do Guaraná queriam alguém que fizesse golos para a publicidade resultar. E, escolheram a pessoa certa. Para minha felicidade eles devem ter vendido muito mais Guaraná. Cada golo dava um certo valor e depois dessa publicidade creio que foi proíbida as publicidades nas camisolas. Fui pioneiro nisso também (Risos). Mas está feito e foi um feito maravilhoso.

Na época seguinte não foste feliz no Sporting. Demoraste a entrar na equipa e não tiveste o mesmo rendimento. Falhaste muitos jogos. O que falhou nessa temporada? O Mário abandonou o Jardel? Achas que poderias ter prolongado mais a tua bonita história de leão ao peito? Não acabou demasiado cedo?
Com toda a certeza! Todo mundo passa por problemas na vida. Eu entrei em depressão e reconheço que errei naquele momento. O Mário largou o próprio Mário naquele momento entendeu? Hoje posso dizer com convicção que estou bem e recuperado. E quem me dera poder voltar atrás para poder fazer diferente com o Sporting.

Tens acompanhado o Sporting? Depois do título contigo nunca mais voltamos a festejar um campeonato. Como analisas o estado atual do Clube? O que falta a este Clube para voltar a ser campeão?
Falta ter uma equipa melhor organizada. Não basta ter um Jardel na frente sem ter uma equipa bem organizada. Lembro o caso do Bas Dost que foi o artilheiro do campeonato português, mas não tinha uma equipa do meio campo para trás que conseguisse fazer o que foi feito em 2001.

Queres deixar alguma mensagem para os adeptos do Sporting e em especial aos seguidores desta página?
Quero deixar um grande abraço ao fãs do Sporting, peço desculpas pelo últimos jogos, mas tenham a certeza de uma coisa: eu amei jogar no Sporting e fico feliz em ter feito parte de um momento tão importante da história do Clube. Espero que o Sporting volte a ser campeão pois o Clube tem muito potencial. Eu não carreguei aquela equipa às costas, todos nós jogamos juntos e nos ajudamos uns aos outros. Jogadores e adeptos. Todos juntos. E acredito que é isso que esteja faltando atualmente. Forte abraço para todos e muito obrigado à página Sporting Tático.