A invenção data de 1957. Com invenção quero dizer a ideia de alargar a Taça de Portugal ao império que ia do Minho a Timor, embora as equipas de Goa e de Timor não entrassem nas contas. A Federação Portuguesa de Futebol sentiu que a prova precisava de demonstrar a grandeza do país colonial que éramos. Foi o que fez. Atabalhoadamente. Meteram-se os pés pelas mãos.
Reparem na bizantinice inicial: na época de 1957-58, as eliminatórias disputavam-se só entre as equipas metropolitanas até sobrarem apenas duas. Estas, em vez de jogarem a final, jogavam uma meia-final extra, neste caso específico uma contra o campeão de Angola e a outra contra o campeão de Moçambique. Como a diferença de categoria era abismal, tudo começou da forma mais bisonha possível. Antes de se encontrarem no Jamor, Benfica e FC Porto tiveram de eliminar, em dois jogos, os infelizes (embora alegres excursionistas) Ferrovia de Nova Lisboa e Desportivo de Lourenço Marques. Nesta altura, outra questão se erguia: os clubes do Continente não estavam dispostos a ir jogar uma das mãos às colónias, com viagens de horas a fio e o diabo a quatro.
A federação, salomonicamente, apalhaçou ainda mais o que já ganhava foros de grotesco: os campeões de Angola e Moçambique viajavam até Portugal continental a custas federativas e jogavam ora na Tapadinha, ora no Engenheiro Carlos Salema, ora no Restelo, como se fosse o seu encontro caseiro. Mais tarde, atingiu-se mesmo o desplante de jogarem na Luz, em Alvalade ou nasAntas, só para usarmos o exemplo destes três, aparecendo como visitados nas fichas de jogo. Concluindo: antes da inevitável final entre Benfica e FC Porto de 1958, os portistas tiveram de esmagar o Desportivo por 6-2 (Restelo) e 9-1 (Antas), ao mesmo tempo que o Benfica desfez o Ferrovia por 6-2 (Alvalade) e 11-1 (Tapadinha, por interdição da Luz).
Com um regulamento tão feito em cima do joelho, as tranquibérnias não tardaram a explodir nas épocas seguintes. Acabou-se com a presença direta dos clubes das colónias nas meias-finais, por evidência lógica de que não tinham o mínimo mérito ou qualidade para atingirem essa fase da prova, e até 1963-64 passaram a entrar na Taça apenas nos quartos-de-final. Passaram não é o tempo de verbo correto, já que deixou de haver lugar para mais do que um – disputavam entre si qual iria ter direito a um bilhete até à Metrópole.
Alargamento Pelo caminho ergueram-se vozes discordantes. Se o objetivo era dar à Taça de Portugal uma aura colonial, que sentido fazia reduzir ao mínimo o número de equipas que mediam forças com as do Continente? Valeu o argumento. A nova meta mínima passou a ser os oitavos-de-final. Em 1968-69 surgiram nessa fase o ASA, de Angola (que jogou os dois desafios em Luanda, frente aoBenfica), o Ferroviário de Lourenço Marques e a União Desportiva Internacional de Bissau.
Agora, sim: Portugal tinha uma competição verdadeiramente colonial!
Adiantemos, então, os calendários até maio de 1971.
Vindos do outro lado do mar, apresentaram-se o Ferroviário de Lourenço Marques (eliminado nas Antas pelo FCPorto, 1-4), o Independente de Porto Alexandre (que cometeu a façanha de eliminar o União de Coimbra, lá em Angola, por 1-0), e os cabo-verdianos do Mindelense, clube mais antigo e mais popular do arquipélago, fundado em 1919, ao qual tocou a complicadíssima tarefa de defrontar oSporting, em Alvalade, no dia 23 de maio de 1971.
Não era a primeira vez que os moços do Mindelo atingiam esta fase da competição. Na época de 1965-66 tinham sido afastados pelo Marítimo, em duas compitas no Estádio dos Barreiros, com os madeirenses a não permitirem atrevimentos: 4-2 e 7-0.
Mas, desta vez, era uma montanha verde-e-branca que se preparava para desabar sobre os pobres ilhéus.
Não compareceu muita gente em Alvalade. O opositor não era chamativo, foi cedo criado um ambiente de boa vontade, com os jogadores de ambas as equipas a posarem para a foto oficial todos juntos, em franca camaradagem.
Depois, o árbitro Carlos Monteiro, de Setúbal, deu início ao calvário africano e os leões esfomeados desmembraram por completo a sua presa frágil.
O guarda-redes Funa ainda aguentou a baliza em branco até aos oito minutos. Figueiredo fez 1-0, Chico Faria aumentou aos 12 minutos e, cinco minutos mais tarde, Lourenço voltou a marcar. Djoga, Toy, Chibita e Silvério estavam completamente às aranhas com a teia do ataque leonino.
Aos 20 e aos 22 minutos, o Sporting atingiu os 5-0, por Pedras e Dinis.
Aí, o povo animou-se um bocado. Ia gritando: “Só mais um! Só mais um!” E os jogadores do Sporting faziam-lhes a vontade de bom grado.
Lourenço: 6-0, 26 minutos; Fernando Peres, 7-0, 28.
Ainda faltavam 15 minutos para o intervalo. Ibrontino e Tinaise corriam desesperados atrás dos centro-campistas dos leões, de bofes de fora.
Lourenço (31 m), Tomé (32), Fernando Peres (35). Dez-zero! “Só mais um!Só mais um!”. E alguém, mais atrevido, berrando do peão: “Só mais dez!”
Lourenço, Tomé e Fernando Peres: intervalo com 13-0.
Não era espetáculo a que se assistisse todos os dias. Mas a fragilidade dos mindelenses tornava-se assustadora. E o resultado não era de estranhar.
Funa, de cabeça à roda, não voltou para a segunda parte. Armando instalou-se na baliza.
A torneira dos golos aberta: 45 e 46 minutos, dois golos de Peres, esse jogador magnífico, tantas vezes esquecido.
Pedras faz 16-0; Fernando Peres, 17-0.
Qual será o limite? O povo ri-se. “Vamos aos 20! Queremos 20!”
Quinze minutos para o fim: Peres faz 18-0.
Mas os leões abrandaram o passo. É em ritmo de passeio que Marinho marca o 19.o. Peres, finalmente, chega aos 20.
Lourenço fecha a casa do terror: 21-0.
Há lágrimas na face de muitos jogadores do Mindelo.
5 Abril, 2020 at 13:14
Se fosse hoje se calhar haveriam umas surpresas.
5 Abril, 2020 at 13:26
Laranjeira – Pedro Gomes – Gonçalves – Manaca (?) – Marinho – José Carlos –
Damas – Chico faria (?) – Nelson – Peres – Dinis
de top:
Marinho e Dinis nas alas, Peres a 10, José Carlos o patrão atrás, e Damas era Damas…
top, top – Peres e Damas, talvez Dinis
Peres seguiu para ser campeão no Brasil (salvo erro o único até hoje) e Dinis lamentavelmente foi para os andrades (pior, que me lembre, só o futre…)
Leão irredutível
5 Abril, 2020 at 19:16
Dinis talvez? O Dinis era fabuloso!
No ano seguinte Portugal foi disputar a chamada Mini Copa do Mundo no Brasil (supostamente para comemorar os 150 anos da Independência, mas, para o povo era para comemorar a conquista da Jules Rimet em 1970 pelo Brasil com o seu tri). Da nossa selecção sobressaíram 5 jogadores: Eusébio (que após o Mundial 66 e as duas intercontinentais de Clubes Benfica- Santos, era o grande rival de Pelé) e Jordão anda no Benfica muito jovem mas o goleador da no torneio, também Damas e , sobretudo, Fernando Peres, (que seguiria um no mais tarde para o Vasco da Gama, onde foi Campeão), e Dinis que os relatadores brasileiros apelidara de Garrincha português pela velocidade e finta e pelas pernas arqueadas.
Foi disputada a 2 grupos num com a Argentina, a França e a Colômbia e selecções de África e do CONCACAF (Américas do Norte e Central e Caraíbas); o outro com Portugal, o Chile, a Irlanda, o Equador e o Irão. Fomos à final com o Brasil e perde
5 Abril, 2020 at 19:47
o 3º grupo com Juguslávia, Bolívia, Perú, Venezuela e Paraguai. Na Fase seguinte a 2 grupos calharam num Brasil, Juguslávia, Escócia e Checoslováquia e no outro Portugal, Argentina, Uruguai e União Soviética
À Final, no Maracanã, chegaram o Brasil (tri campeão Mundial) com apenas 3 jogos (1 empate e 2 vitórias) e Portugal com 7 jogos disputados (6 vitórias e 1 empate); o Brasil venceu por 1-0 com um golo do inevitável Jairzinho aos 89 minutos!
O Seleccionador era José Augusto que, com mais jogos nas pernas, no Brasil, e com viagens longas entre jogos só efectua 1 das 2 substituições possíveis aos 76 minutos para “trocar de avançado” (sai Jordão entra Artur Jorge). Os últimos 20 minutos foram um massacre brasileiro mas a primeira parte foi um bailinho português.
Na competição o Dinis (que era esquerdo) marcou 5 golos e o Eusébio 4, o Jordão 2, o Humberto Coelho dois e os restantes foram apontados por mais 4 ou cinco jogadores.
Alem disso o Dinis era quem (com Marinho do outro lado) municiava a maioria dos muitos golos que o Yazalde marcou no Sporting.
5 Abril, 2020 at 13:59
estando ali o careca… foi esta equipa que deu 4-1 aos lamps na final da Taça…
com o devido respeito pelo Mathieu, que é um grande senhor, mas considerando a idade , dos de hoje apenas Acuna jogaria no lugar do Manaca.
O resto nem é bom falar…
5 Abril, 2020 at 19:07
Concordo, mas mesmo o Manaca era bom a defender e melhor nas bolas paradas. O Acuña é melhor na profundidade que dá ao ataque.
5 Abril, 2020 at 14:23
Uma muito boa equipa…
Com muitos bons jogadores…!
Lembro-me bem…das alegrias “que me fizeram viver…!!”
Bom…quando ainda “vamos tendo memórias…!”
Abraço para todos…
(E tivessem nascido mais cedo…se queria “ter gozado o panorama”…)
Sporting Sempre…!!
5 Abril, 2020 at 14:51
Está foto é da fimal da taça de 1971, estava lá com o meu falecido pai, foi a primeira vez que lá comi uma sardinhada, ganhamos 4-1 a um grande Benfica de Eusébio, também lá tinha estado no ano anterior que perdemos com eles, mas a minha primeira vez de Jamor foi para ver a final da Taça dos Campeões Europeus entre o Celtic 2 e o Inter 1, tinha 10 anos, foi inesquecível, fiquei fan dos escoceses para toda a vida.
5 Abril, 2020 at 18:45
A final da liga dos campeões entre o Celtic e o Inter foi em 1967
5 Abril, 2020 at 19:54
Esse ano o Jamor foi palco de duas finais históricas: essa do Celtic e a de Portugal entre a Académica do Mário Wilson (com os irmãos Campos, o Gervásio, o Toni, o Artur Jorge, o Manuel António, o Rui Rodrigues) e o i´tória de Setúbal (com o Vital, o Carriço, o Conceição, o José Maria, o Vitor Batista e o Jacinto João). O resultado desta foi 4-2 favorável aos sadinos após 2 prolongamentos quando ainda não se faziam substituições.
5 Abril, 2020 at 18:22
Ao contrário do que referem, não me parece que fosse assim tão desnivelado os encontros com as equipas das então províncias ultramarinas, nomeadamente com as equipas de Moçambique
Recordo apenas a eliminatória da Taça de Portugal de 1963, entre o Sporting e o Sporting Clube de Lourenço Marques (campeão de Moçambique) tendo ambos os jogos sido disputados no antigo Estádio José de Alvalade
1.ª Mão Sporting Lourenço Marques/Sporting 1-3
Equipa do Sporting: Carvalho, Pedro Gomes, José Carlos, Lúcio, Hilário, José Perides, Osvaldo Silva (77) Figueiredo, Mascarenhas (64,80) Géo e Morais
2.ª Mão Sporting/Sporting Lourenço Marques 4-2
Equipa do Sporting: Carvalho, Morais, Pedro Gomes, José Carlos, Hilário, Lúcio (86) Osvaldo Silva, José Perides, Figueiredo, Mascarenhas (3, 27 e 49) e Géo Carvalho
E o Sporting jogou com a sua equipa principal, não com as reservas!
E assinalo ainda que depois de eliminar o SCLM, o Sporting eliminou o Benfica que tinha acabado de se sagrar campeão europeu (derrota em Alvalade por 1-0 com golo de Águas, e vitória por 2-0 na Luz com ‘bis’ de Figueiredo), tendo na final batido o V. Guimarães (4-0), um passo para algo maior e que ficaria para sempre: a campanha e consequente vitória na Taça das Taças do ano seguinte!
Mas essa equipa do SCLM era tremenda, recordnado com saudade os seus nomes: E. Gomes, Mário Martins, Armando, Simões, Satar, Perico, M.Alves, Aleixo, Maurício, Ramalhito e Frederico.
5 Abril, 2020 at 19:55
Não sabia da “estória” por detrás deste resultado que marca um recorde daqueles, mas só mostra que o futebol português quase sempre teve um problema de lidar com equidade competitiva e em tudo o significa a verdade desportiva!