Não vou fazer de conta que a minha quarentena foi produtiva ou inspiradora. Nem (tele-)trabalhei como deve ser, nem fiz todas as coisas que andavam adiadas por falta de tempo. Ainda assim, no meio do marasmo que foram estas semanas, salvaram-se algumas leituras e reflexões que agora quero partilhar convosco.

livroComeço pela leitura. Li algumas partes do livro “How Soccer Explains the World”, que foi escrito por um jornalista americano do New York Times. Um dos capítulos descreve como as claques do Estrela Vermelha funcionaram como berço das milícias sérvias que cometerem genocídio contra os muçulmanos Bósnios durante a guerra dos Balcãs (1993-1995). Como a propaganda nacionalista sérvia, racista e anti-muçulmana transformou arruaceiros de bancada em genocidas.

Depois de ler isto não é difícil encontrar paralelismos com o futebol e a política em Portugal. Basta pensar como o modelo de propaganda lampiã foi utilizada pelo André Ventura para levar o Chega até à Assembleia da República. Nos últimos 10 anos, o Gabinete de Comunicação do benfica dedicou-se a encher os jornais e programas desportivos com notícias falsas e cartilheiros para passar a sua mensagem. Durante anos especializaram-se em criar e difundir mentiras através da impresa e da internet, apoiados num exército de contas e perfis falsos que todos os dias repetem nas redes sociais e caixas de comentários a mensagem que o benfica quer passar.

Esta mensagem adapta-se ao momento desportivo do benfica, mas geralmente assenta em 2 pilares. O primeiro é a mistificação alicerçada na propaganda dos 14 milhões de adeptos e no encher da tribuna VIP do estádio da luz com resmas de juízes, polícias, políticos, ministros e empresários para projectar uma imagem de poder e protecção institucional. O segundo pilar é a vitimização e a constante tentativa de tentar passar a ideia de que o benfica é a eterna vítima e o eterno prejudicado do desporto nacional, mesmo quando semanalmente vemos o contrário nos estádios, pavilhões e tribunais onde se arrastam processos e investigações gravíssimas.

Obviamente que esta proganda não colhe junto de adeptos de outros clubes, mas funciona com adeptos do benfica que já estão predispostos para acreditar no que o clube diz e com adeptos de desporto casuais que apenas “lêm as gordas”. Ora, o André Ventura fez parte da máquina de propaganda lampiã na qualidade de “comentador” pelo que facilmente soube copiar esta estratégia e adaptá-la aos seus objectivos. Trocou o “lampionismo” pela xenofobia e trocou os lampiões pelas pessoas ressentidas e com sentimentos xenófobos. O resultado está à vista.

Agora passo às minhas reflexões. Já passaram quase 2 anos desde a destituição de Bruno de Carvalho, pelo que tenho andado a tentar fazer um balanço mental deste período. Penso que o principal ponto forte de BdC era o facto de ele ter na cabeça um Sporting grande e dominador, que contrastava com o sportingzinho que a dinastia anterior de dirigentes idealizava e que também estava na cabeça de muitos sócios e adeptos.

Esta visão exigente, galvanizadora e mobilizadora começou por mobilizar os sócios, com isso gerou retorno financeiro e depois sucesso desportivo. Durante muitos anos eu e muitos sportinguistas pensaram que o problema do clube era falta de dinheiro. No entanto, a realidade deste mandato de BdC mostrou que o problema não é nem nunca foi a falta de recursos, mas sim a falta de competência das sucessivas direcções. No entanto, isto levanta a questão de como é que um clube com 3.5 milhões de adeptos pôde ser tão mal gerido durante tanto tempo. Porque é que foram eleitos tantos presidentes incompetentes nos últimos anos? Sousa Cintra, Roquette, Dias da Cunha, Soares Franco, Bettencourt, Godinho Lopes e Varandas. Não pode ser uma coincidência. Não arrisco dizer que encontrei a explicação para este fenómeno, mas tenho três grandes suspeitas

Primeira suspeita
o sistema eleitoral que temos atribui aos sócios mais antigos um número gigante de votos, gerando assimetrias podem chegar a ser de 1 voto vs 20 votos. Este sistema atribui a um conjunto relativamente pequeno de pessoas um peso eleitoral grande que as torna fundamentais para qualquer putativo candidato. Para mal dos nossos pecados, estas pessoas parecem ter uma inclinação grande para votar em candidatos com apelidos com duas consoantes seguidas, que não percebem nada de futebol, que projectam uma imagem de classe média/alta e que têm ligações pessoais e profissionais aos meios da “alta finança”.

Segunda suspeita
é preciso ter uma carrada de anos de sócio para se ser elegível para o Conselho Directivo/MAG/CFD. Isto diminui brutalmente o leque de escolhas e coloca qualquer candidato nas mãos de um conjunto de múmias paralíticas com 40 ou mais anos de sócio para conseguir preencher os lugares todos. Esta situação promove a criação de listas do tipo “sacos de gatos”, cheias de pessoas que não se gramam, que podem ou não ser competentes, que se unem apenas para chegar ao poder e que uma vez eleitas não são capazes de trabalhar em conjunto. Nem sequer as listas de Bruno de Carvalho foram imunues a estes problemas.

Terceira suspeita
para se ser candidato é preciso ter-se capacidade financeira para não trabalhar durante pelo menos três meses, que é o tempo que dura o período eleitoral. A isto somam-se os custos inerentes à campanha eleitoral (cartazes, deslocações, almoços etc). Quase ninguém de classe média, com emprego e família se pode dar ao luxo de largar tudo e de correr o risco de no fim acabar falido, derrotado e desempregado. Eu, por exemplo, já pensei várias vezes que o chefe aqui da Tasca era capaz de dar um excelente Presidente ou um excelente elemento do Conselho Directivo. Mas estou bem ciente do esforço e risco que isso representaria para ele ou para qualquer outro excelente Sportinguista que não seja podre de rico. Não tenho uma solução imediata para este problema, mas não era má ideia fazer um crowdfunding para financiar licenças sem vencimento para sportinguistas com ideias e capacidade para integrarem o Conselho Directivo. Era um projecto que eu apoiaria sem reservas. E vocês?

O covid-19 parece estar a entrar em pausa de Verão, o futebol vai voltar, mas não se antecipam muitas coisas positivas para o Sporting. Já todos percebemos que é urgente mudar de Presidente, mas graças ao covid-19 vamos ter uma janela relativamente pequena para o fazer. Por isso era conveniente que eventuais Movimentos de mudança dessem corda aos sapatos…

leao

ESTE POST É DA AUTORIA DE… Shark
a cozinha da Tasca está sempre aberta a todos os que a frequentam. Para te candidatares a servir estes Leões, basta estares preparado para as palmas ou para as cuspidelas. E enviares um e-mail com o teu texto para [email protected]