A minha vida entre Setembro de 2019 e Julho de 2020 foi particularmente miserável, tal como a época do Sporting.

O período entre Setembro e Dezembro foi um buraco negro de tal maneira grande que nem me lembro bem do que se passou, com excepção dos jogos que fui ver a Alvalade. Em fim de Fevereiro fui à faca e quando ainda nem estava bem refeito acabei fechado em casa, longe da minha namorada, dos meus amigos e da maior parte da minha família por causa da quarentena. Para piorar, fiquei sem um dos meus passatempos favoritos, que é acompanhar o futebol e modalidades do Sporting.

Há quem diga que o futebol é o ópio do povo. Eu prefiro pensar no futebol como um condimento “extra” para a nossa vida. O Sporting é uma parte importante da minha vida e olho para o clube como um património familiar. Não sou nenhum visconde, o meu sobrenome não tem duas consoantes seguidas e não ando a fazer campanha a favor da venda da SAD a uma holding detida por três primos meus.

Herdei o Sporting do meu avô e cresci a ouvir as suas histórias sobre os cinco violinos, sobre as grandes tardes de futebol, do Joaquim Agostinho, do António Livramento e do Carlos Lopes. O meu avô era pobre e só muito tarde na vida é que conseguiu ter alguma folga. Ainda assim arranjava maneira de, sem prejudicar a família, ir ver alguns jogos do Sporting ao Estádio do Lumiar e, depois, ao Estádio José Alvalade. Arranjava boleias, conseguia que o patrão lhe oferecesse bilhetes ou então juntava ele dinheiro.

Tenho bem presente a imagem do meu avô, sentado no sofá, com a telefonia encostada ao ouvido a ouvir o relato do Sporting. Quando a coisa começava a correr mal, desligava um bocado e ia tomar o comprimido para o coração. Durante as férias, ia ter com ele logo de manhã para saber que reforços tinham sido anunciados na Bola Branca. Quando os reforços eram portugueses ou brasileiros ele sabia dizer-me o nome e clube dos jogadores. Quando eram estrangeiros era mais complicado. Ainda me lembro do ar desconfiado com que me disse que o Sporting queria “um guarda-redes chamado Smichel” e do tempo que eu demorei a discorrer que era o Peter Schmeichel.

O meu avô e eu acabámos por nunca ir juntos ao estádio por isso não tenho memórias dele em Alvalade. No entanto, de cada vez que lá vou, vejo-o em várias pessoas. Vejo-o no velho que aos cinco minutos já está agoirar. Vejo-o no velho que mal se consegue mexer, mas que salta como uma mola quando o Sporting marca. Vejo-o no velho solitário com duas alianças no dedo e uma boina na cabeça que mete sempre conversa com quem calha sentar-se ao seu lado.

Há várias noites atrás sonhei que nos tínhamos encontrado e que tive a oportunidade de lhe explicar o que tinha feito desde que ele morreu. Falámos da minha vida, do meu trabalho, da minha namorada e, no fim, falámos do Sporting. Não me lembro o que lhe disse ao certo, mas desde então tenho pensado como lhe explicaria tudo que se passou, particularmente os últimos 2 anos.

Como é que passámos de Bas Dost, Raphinha e Bruno Fernandes para Jesé, Bolasie e Sporar. Como é que tivemos um rol de treinadores que todos juntos não tinham 5 anos de experiência. Penso que reagiria tão mal como eu reagi a esta última semana e meia, em que ajudámos o fcp a festejar o título, empatámos com o setúbal e perdemos o jogo com as putas de lisboa e o terceiro lugar para as putas do norte. Ainda assim, penso que ele encontraria algum conforto em ter visto o Eduardo Quaresma, o Matheus Nunes, o Nuno Mendes e o Tiago Tomás a jogarem de verde e branca ao peito. Os velhos, na minha experiência, cedem menos facilmente ao fatalismo e ao desespero do que nós, gente nova.

Este período vai passar, com outros já passaram. O Sporting é eterno, é de todos nós e temos de saber cuidar dele para o podermos entregar com honra e dignidade aos nossos filhos e netos. É evidente que esta direcção não serve e que é preciso lutar com todas as forças para a substituir. Contudo, até isso acontecer, é importante não nos esquecermos daquilo que nos une. É preciso não esquecer que no fim do dia queremos todos estar nas roulottes, em casa ou no café a rever os golos do Sporting e a festejar vitórias. Escalar esta montanha não vai fácil, mas é um percurso que temos de fazer em conjunto. Por mim, por vocês, pela memória daqueles que vieram antes de nós e por aqueles que aí vêm.

ESTE POST É DA AUTORIA DE… Shark
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