A frase é de Bruna Gianlorenço, mais conhecida por Bruninha, uma das figuras da nossa equipa feminina de voleibol e convidada especial nesta entrevista ao Bonito Serviço. Para escutar e ler com toda a atenção.


Desenho: Pedro Serranho (@PSerranho)
Música: Shimbalaiê
Voz e entrevista: Adrien S. (@AdrienS_1906)

Bruna, vou começar por um teste. Se falhares, não posso continuar a entrevista. Espero que compreendas. Vou dizer 3 palavras de um conjunto de 4. Tens de completar, dizendo a que falta: ESFORÇO, DEDICAÇÃO, DEVOÇÃO e __________?
E GLÓRIA, é o lema do Sporting, é tudo aquilo que um Sportinguista deve seguir.

Estás em Portugal há quase 4 anos, quando vieste para representar o Clube K dos Açores. O Sting canta “I’m a legal alien/I’m an Englishman in New York” e tu ainda és uma brasileira em Portugal ou uma luso brasileira em Portugal?
Fiz minha estreia no campeonato português representando o Clube KAIROS, dia 8 de janeiro de 2017. Este dia é especial pois foi o meu retorno ao Voleibol após uma cirurgia de reconstrução do Ligamento Cruzado Anterior. Essa é uma boa pergunta, mas não tenho dúvida na resposta, me sinto uma LUSO BRASILEIRA em Portugal e por acaso estou começando a tratar dos papéis que me possibilitam ser oficialmente uma cidadã portuguesa.

O teu grande adversário ainda é a distância da família ou há outros maiores que a saudades?
Realmente, é um bom e GRANDE adversário, mas também tenho a real noção do que escolhi para minha vida. Com 15 anos tomei a decisão de sair de casa para ir em busca dos meus sonhos, sabendo que esse sentimento estaria sempre presente. Com o passar dos anos não me acostumei com essa falta, talvez tenha aprendido a lidar melhor com ela, pois o prazer de vê-los felizes e enchê-los de orgulho, me faz querer ir sempre além.

Sais do Brasil para a Alemanha onde gostaste muito da experiência. Vens para Portugal jogando numa ilha lindíssima, depois segues para Matosinhos, a terra da boa comida, e agora chegas à gigante Lisboa. Nota-se que tem sido um caminho evolutivo, era isto que sonhavas quando saíste do Brasil?
Você descreveu muito bem a caminhada, mas ao voltar de férias da temporada na Alemanha, a intenção era mesmo retornar a Bundesliga. Como disse antes, tive uma lesão pelo caminho que me impossibilitou de iniciar a temporada e foi quando, um “anjo” chamado Paulo Barreto, que estava cá em Portugal há anos e já havia sido inúmeras vezes campeão, foi à minha procura e me convidou para vir integrar a equipa dos Açores. Ele foi acreditando na minha rápida reabilitação, confiando no meu trabalho e na ajuda que eu poderia trazer à equipa nessa época.
A passagem pelo Clube Kairos foi incrível. No primeiro ano nos sagramos campeãs da Taça Federação e no segundo fizemos frente ao atual campeão Leixões. A final mais brutal e competitiva dos últimos anos, onde perdemos o título no quinto jogo. A passagem pelo Leixões foi de imenso aprendizado, mesmo com 30 anos, o Prof. Mário Martins ainda teve muito a me ensinar sobre voleibol e ficou marcado com título. Me sinto privilegiada de ainda ser a última campeã Nacional, já que campeonato passado infelizmente não sagrou um Campeão.
E SIM, era mesmo isso que eu sonhava quando sai do Brasil, ser feliz fazendo o que amo, conquistando títulos por onde passei e fazendo amigos por onde andei.

A par de algumas colegas tuas do Sporting, a mim parece-me que estás na tua melhor forma de sempre. Qualidade no seu estado mais puro. Isso é resultado do trabalho? Da experiência dos 32 anos? Da sorte? Da fé?
Isso é, sem dúvida nenhuma, resultado de muito trabalho diário, mesmo muito exigência, pois eu não aceito nada de mim que não seja o meu 100%. (Sabe aquela historia de ficar longe da família? TEM DE VALER A PENA). Da experiência, pois com o passar dos anos se aprende a trabalhar mais e melhor, no mesmo espaço de tempo. Da sorte porque eu aceito que me digam que foi sorte, mas conto um segredo, a sorte da muuuito trabalho. (risos) E da FÉ, pois sempre fui uma pessoa que acredita muito na força da Palavra de Deus.

Quando te via a trabalhar no confinamento de Março percebi que tu tens uma mentalidade diferente. Ser profissional de voleibol, no segmento feminino, é uma dura tarefa e creio que tu percebes isso. Nada é dado, tudo é conquistado. Esta capacidade de trabalho vem da responsabilidade dos tempos de pandemia ou percebeste isso há mais tempo?
Eu sempre tive essa mentalidade. Primeiro porque não tenho 1metro e 90 e desde sempre eu soube que para alcançar os meus sonhos, seria preciso ter mentalidade diferente da maioria. Sempre fui muito competitiva e nunca quis ser mais uma, quis sempre ser “A UMA”. Para isso, me importar com a forma física era essencial e continua a ser. Eu tenho o privilégio de ser profissional no que amo fazer, no feminino é sim mais difícil, tanto no desporto como em tantas outras áreas, mas não vou vitimizar o fato de sempre ter a ordem dos fatores invertida. Uma mulher tem de provar e mostrar o valor para merecer, ao invés do que muitas vezes é a realidade dos homens (“Você merece, depois me prova”).

A aventura Sporting precisou de uns meses de adaptação. Em janeiro de 2020 surpreendeste com a tua performance contra a AJM/FC Porto. Esse foi o jogo mais marcante? Consegues nomear outro que te tenha marcado?
Toda mudança exige sempre uma adaptação, algumas vezes mais rápidas outras nem tanto. Sim, acho também pela história que essa partida envolvia. Fomos a primeira equipa a tirar a invencibilidade do AJM/FCP, um clássico dos grandes do futebol e o fato de termos tido MUITOS adeptos a puxar por nós na bancada. Esses foram os fatores que tornaram, sim, esse jogo especial para mim e não pela minha exibição em particular.

Estás numa forma estratosférica e evoluis a cada jogo. Saltas de todo e lado! Atacas de todo o lado! Pretendes aprender a voar em breve?
(muitos risos) Se for essa a opção para levar o Sporting a ser Campeão, sim pretendo aprender a voar. A minha forma física estratosférica, segundo você, é fruto de trabalho, já havia dito que eu adoro trabalhar? (sorriso simático). Vem desde a pré-época que fiz, começando em JUNHO, com treinos bi-diários 5 dias por semana, na mesma Clínica em minha cidade no Brasil onde me reabilitei da cirurgia em 2016. Um cuidado extremo que tenho com minha alimentação, com meu sono/descanso, aliados a um trabalho fora de série, que eu não poderia deixar de enfatizar, que a nossa preparadora física Mafalda Botelho vem fazendo connosco. Eu, realmente, nunca me senti tão bem fisicamente. Voar e saltar depende de mim, atacar de todo lado depende da Ana Couto (sorriso enorme), a bola vem teleguiada sem ninguém à frente, fica fácil assim!

O Sporting nunca foi campeão nacional de voleibol feminino e já não vence a taça de Portugal desde 1986, ainda tu não eras nascida. Que me tens a dizer sobre isso?
Já tinha essas informações e obrigada por refrescar minha memória, mas adoro pensar que esses tabus são criados exatamente para serem quebrados e depois ficarem na história. E eu ainda não tenho uma Taça de Portugal no currículo…

Gostava que deixasses uma mensagem para todos os adeptos do Sporting, em especial a estes da Tasca do Cherba, que semanalmente vão ouvindo falar em ti e na tua equipa.
Agradeço primeiramente pelo convite. Foi um prazer passar esse tempinho aqui respondendo a todas essas perguntas e sabendo que existem mesmo pessoas que gostam, admiram e valorizam nosso trabalho. Um imenso obrigada pelo apoio, pelo constante carinho, pela visibilidade que a Tasca dá à nossa equipa…
Aos Sportinguitas só posso dizer: Continuem a acreditar e a nos apoiar, estamos trabalhando muito em busca do lugar mais alto do pódio, E ONDE VAI UM VÃO TODOS!

Captura de ecrã 2021-02-18, às 08.30.32