Numa partida de rotação máxima e onde os Leões de Faro nunca foram inferiores aos Leões de Portugal, o Sporting teve em Adán a qualidade e o sangue frio que ia faltando à equipa e ao treinador. Se este campeonato tiver um cabo das tormentas, é bem possível que o Sporting o tenha dobrado ontem

adan2

Há uma imagem que marca o electrizante Farense vs Sporting: no final, na bancada de onde viu o jogo, Rúben Amorim sentou-se e assim ficou durante mais de uma mão cheia de minutos, respirando de alívio. Diria que, naquele momento, e enquanto acredito que no balneário os jogadores respirassem fundo de forma bem mais animada, o técnico era o espelho de grande parte da nação Sportinguista, exausta depois de uma batalha que havia ganho, mas que teve tão perto de não conquistar. E para lá dos erros próprios, dos quais falaremos adiante, há enorme mérito do Farense.

Os algarvios, ao contrário do que todos pensavam, incluindo Rúben Amorim, surgiram bem subidos e a pressionar alto, não dando a iniciativa de jogo ao Sporting. E foi para ter essa iniciativa de jogo que o técnico leonino colocou Bragança ao lado de Peter Potter e de João Mário (que jogo tão grande fez o pantufas), esperando que a capacidade dos três em construir em espaços curtos permitisse aos Leões desmontar a muralha. Acontece que a muralha não existia, o Sporting via-se e desejava-se para sair a jogar e, quando procurava esticar, não tinha quem atacasse a profundidade.

Sobravam as bolas paradas, com Coates a ficar de mãos na cabeça depois de Beto lhe tirar um golo certo com uma defesa impressionante. Novo canto, bola em ping pong na área até ficar ali à mercê de Peter Potter para um remate furioso que o redes algarvio já não conseguiu travar. A dez minutos do intervalo, o Sporting sacudia o peso dos dois empates que carregava na mochila, mas estava longe de dar passo seguro para controlar um jogo onde nunca esteve confortável com os ataques à profundidade de um tal Pedro com um cabelo pior do que o do nosso Pedro Gonçalves e com as movimentações de Ryan Gauld, tanto a jogar em espaços curtos como a dar porrada em tudo o que mexia (cabrão do escocês parecia um Hobbit em fúria).

Antes deste momento que poderia ter sido de libertação, João Mário havia avisado duas vezes, primeiro num remate cruzado defendido por Beto, depois num encher de pé esquerdo à malha lateral, na sequência de momento futebol de praia que passou antes por Potter e por Paulinho. Também tinha havido uma defesa monstra de Adán, que não pode ser esquecida apesar do farense estar fora de jogo, tinha havido uma simulação patética de Abner as tentar cavar um penalti a Coates (e um amarelo que ficou por mostrar ao algarvio). E no espaço que foi do golo até ao intervalo, veio o lance que todos falarão depois de quase nenhuns terem falado de um penalti claro sobre Jovane, há uma semana: existe contacto de um pé de Nuno Mendes com Tomás Tavares, ficando ao critério de quem avalia se foi penalti ou se foi o lateral algarvio que se posicionou para provocar esse contacto. O árbitro e o VAR avaliaram a segunda hipótese, mas seria perfeitamente possível ter sido assinalado pontapé dos 11 metros.

Se alguém pensava que o intervalo ia baixar o ritmo, enganou-se. Adán segurou um cabeceamento de Mancha, na sequência de um canto, logo a seguir, Paulinho desperdiçou de forma incrível uma oportunidade de golo, preferindo assistir João Mário em vez de atirar à baliza. Depois, Adán, com aquela que pode ter sido a defesa mais importante do campeonato: Pedro Henriques ganha as costas à defesa, recebe bem no peito e remata, com o redes espanhol a ir ao chão sacar a bola que parecia encaminhar-se lá para dentro. Do outro lado, Beto respondia: bola de Brangança para João Mário, que entretanto havia metido o jogo no bolso e dominava todos os ritmos, e cruzamento para finalização de Paulinho, com o redes algarvio a aparecer sabe-se lá de onde para evitar o 0-2.

Foi o melhor período do Sporting, que durou até Amorim tirar João Mário de campo. Não sei o que é que o técnico estava a ver lá da bancada, mas sei que conseguiu tirar o homem que estava a ser fundamental para termos bola. Entou Matheus Nunes, com ar de quem quer entrar no mar pelo lado em que os surfistas mais experientes entram e leva logo com a máquina de lavar no máximo, e o Sporting desapareceu. Sem capacidade de ter a bola e sem homens capazes de atacar a profundidade, os verdes e brancos foram engolidos pela fúria do clube que me faz sempre lembrar Paco Fortes.

Luta, luta e mais luta. Nervos, nervos e mais nervos, Adán e Coates, os mais experientes, a serem claramente aqueles que encaravam a coisa sem ar de pânico no rosto. E o primeiro, que carrega no cv o facto de saber o que é ser campeão mais do que uma vez, acabaria mesmo por tornar-se na figura do jogo. Da saída temerária aos pés do avançado, bem fora da área, à defesa à bomba de Mansilla, nada parecia capaz de ultrapassar o redes espanhol. E quando isso aconteceu, aos 81 minutos, o golo de Bandarra foi anulado por fora de jogo de quem fez o cruzamento.

Lá vieram Tiago Tomás e Nuno Santos para tentar esticar o jogo e manter o Farense mais longe da nossa área, algo que aos poucos foi sendo conseguido, pese mais um susto num canto que acabou com a bola a rondar o segundo poste. E quando o árbitro apitou para o final da partida, ficou a certeza que depois de dois empates onde fez o suficiente para ganhar, o Sporting conquistou uma vitória onde nunca conseguiu ter o jogo na mão e onde concedeu mais oportunidades de golo do que em qualquer outra partida. Se este campeonato tiver um cabo das tormentas, é bem possível que o Sporting o tenha dobrado ontem. Respiremos, por isso, de alívio, pelo menos até quarta-feira, que o tom da música mudou claramente para “de 3 em 3 sempre a sofrer”.

I love the shape your faces make
“Oh my, thank you for keeping me safe”
Even though you know it don’t always go that way
(clica para ouvir tudo)