Felizmente o título não é sobre o Sporting, é sobre um sportinguista conhecido nesta tasca como Adolfo Sapinho. Tal como muitos outros companheiros, recorri a um nickname para me identificar, tendo usado uma alcunha que surgiu da brincadeira entre rivais na minha mocidade, quando o futebol, apesar das picardias, ainda se vivia com respeito pelo adversário.

Cresci a ver o Sporting ganhar, já não tanto como na geração anterior, mas ainda a tempo de ver a conquista da Taça das Taças, e uns campeonatos de vez em quando, para chatear o grande Benfica de Eusébio e companhia. O Benfica teve, de facto, grandes equipas entre os anos 60 e 70 e o seu domínio ainda hoje está alavancado nesse período. Em meados dos anos 70 surge então o grande mestre Pedroto, que no final dessa década, conjuntamente com Pinto da Costa, criaram os alicerces do actual FC Porto e mataram um borrego de 19 anos, tal como nós, este ano. Numa filosofia de guerra, usando todas as armas ao seu alcance e um bairrismo exacerbado como escudo, tornaram-se a grande potência do futebol nacional.

Com o grande João Rocha como presidente ainda reagimos, e numa aposta muito forte nas modalidades, o final dos anos 70, início dos anos 80, foi, na minha opinião, a época onde existiu maior equilíbrio entre os 3 grandes. O Benfica ainda vivia da sua grandeza atingida com Eusébio, o Sporting respirava um ecletismo ímpar com sucesso em todas as modalidades, incluindo no futebol, e o FC Porto quebrava um longo jejum e, sobretudo, devolvia o orgulho às suas gentes, que viam na dupla Pedroto/Pinto da Costa a força para combater a hegemonia dos clubes sediados na capital.

A partir daqui a história já é sobejamente conhecida. Com a saída de João Rocha e com a cada vez maior afirmação da estratégia do FC Porto, agora apenas com Pinto da Costa ao leme, mas com muitos aliados em todas as frentes, o Sporting foi perdendo força e o FC Porto foi-se afirmando com conquistas em todas as frentes, tornando-se até a maior referência portuguesa no panorama internacional, superando o próprio Benfica.

Claro que a força popular do Sporting não se tinha extinguido e quando o longo jejum de 18 anos foi quebrado, com outro título quase de seguida, os nossos corações voltaram a sonhar com um grande Sporting, capaz de estar novamente na linha da frente e alcançar os mesmos feitos dos rivais na Europa. Mas o que parecia um sonho tornou-se um pesadelo. Em poucos anos, seguindo uma estratégia corporativa errática, baseada mais no negócio do que no desporto, e, a meu ver, com o tremendo erro de análise de pensar que os rivais estavam ultrapassados e em declínio, em particular, Pinto da Costa, o Sporting foi-se afundando financeiramente, e, além de ver os rivais reerguerem-se rapidamente (e no caso do FC Porto até voltar a conquistar títulos europeus), as consequências desportivas foram desastrosas.

É certo que ainda tivemos uma final europeia na mão, que porventura poderia ter mudado o curso da história, mas o destino assim não quis, e desde então o pesadelo foi-se tornando real, com o Sporting a perder constantemente competitividade para os rivais, culminando com vergonhas imperdoáveis como a venda de Moutinho ao FC Porto, num claro sinal de subalternização, e, finalmente, um 7º lugar num campeonato, depois de um forte investimento. Contas fortemente negativas, resultados desportivos catastróficos… Haveria ainda saída para o Sporting?

E foi mais ou menos por aí, que resolvi começar a perder tempo nestas coisas dos blogs, pois de facto o meu coração estava angustiado, precisava de desabafar com os meus pares, esperando que também nesses fóruns pudesse surgir a luz para salvar o nosso grande amor. Primeiro no Cacifo, depois na Tasca, este sempre foi o meu espaço de eleição, não só pela liberdade que o grande Cherba sempre deu, mas também pelo seu espírito de resiliência ímpar, que muito nos ajudou a chegar a este momento de grande alegria. Tu, Cherba, por muito pouco que aches que possas ter feito, foste um dos grandes responsáveis por manter a chama bem viva e como tal este título é muito teu, mesmo muito! Obrigado por nunca teres desistido! Mesmo quando a tasca por vezes se tornou um palco de guerra entre sportinguistas, mantiveste-te firme. És grande!

Mas este momento também só foi possível por ter existido um Bruno de Carvalho na nossa história, convém frisar. A recuperação feita após o terrível mandato de Godinho Lopes é digna de registo e de muito respeito. Se na altura não tivesse sido feita essa recuperação financeira, se não tivesse sido devolvido o orgulho aos sportinguistas, com tantas coisas positivas como o pavilhão há tanto esperado, a reactivação em força e com sucesso desportivo de diversas modalidades e mesmo algumas equipas de futebol, como a do primeiro ano de JJ no Sporting, que claramente merecia ter sido campeão, dificilmente hoje estaríamos a festejar. Não sejamos hipócritas. Alcochete foi um duro golpe no clube, sobretudo na sua imagem, mas os problemas estruturais aquando do final do mandato de Godinho Lopes eram infinitamente superiores. Portanto, Bruno de Carvalho, este título também é teu! Parabéns e obrigado! Mereces regressar para junto de nós.

Mas também é muito de Varandas, não tenhamos dúvidas. Sobretudo pela coragem que teve na contratação de Rúben Amorim, um técnico fantástico, com uma capacidade de comunicação realmente invulgar, mas também pela capacidade de fazer frente a alguns poderes instalados, designadamente ao FC Porto. O homem claramente não tem jeito para falar, então à beira de Pinto da Costa é um menino, mas na verdade disse publicamente, no seu jeito peculiar, o que todos pensamos sobre este personagem que há mais de 40 anos manda nisto tudo, coadjuvado nos últimos 20 por LFV. E como a história tem mostrado, sempre que “rompemos“ com o FC Porto, sempre que pomos de lado algum anti-benfiquismo primário que às vezes, de forma totalmente injustificada, nos leva a preferir os azuis aos vermelhos, as coisas correm melhor. Sinceramente, não acho isto seja apenas uma coincidência na conquista deste grande feito, e, por isso mesmo, o meu obrigado a Frederico Varandas!

E agora, por fim, a minha despedida.

No início desta época atirei a toalha ao chão, confesso. E não tinha só a ver com esta época. Com o fim da vida a aproximar-se, com todo este contexto, pensei seriamente que já não voltaria a ver o Sporting campeão. Foi um momento angustiante, ter essa sensação que não mais veria o Sporting campeão, que nunca partilharia com os meus netos essa grande alegria. E por isso é que esta conquista foi tão sofrida e, como tal, tão saborosa. Nunca sofri tanto na minha vida, confesso. Quando aconteceu aquele empate em Moreira de Cónegos até chorei, pois já estava a ver o filme a repetir-se… No dia anterior o FC Porto tinha escapado de um empate no último minuto e agora nós, também no último minuto, sofremos injustamente o empate. Meu Deus, porquê? Porquê sempre nós? Pensei, chorei, e quando vieram os empates com Famalicão e Belenenses já a minha alma estava outra vez resignada com mais um falhanço…

Para um pessimista como eu esta época foi tudo menos fácil, e quando no jogo em Braga o árbitro nos expulsa um jogador logo no início da partida, tive a confirmação dos meus maiores pesadelos. Isto foi só um sonho… Deixaram-nos sonhar para que o estrondo da queda fosse épico, pensei, sem obviamente conseguir assimilar o porquê de tudo isto nos acontecer só a nós. Mas a vida é, de facto, um poço de surpresas, de realizações inesperadas. Aquele milagroso golo em Braga de repente tudo mudou e mostrou-nos que havia ali um grupo de homens cheios de raça, com uma vontade inabalável em inverter este fado sportinguista.

As vitórias seguintes confirmaram essa crença, e assim chegamos ao dia 11 de Maio de 2021. Que dia longo… Que sofrimento… Na minha cabeça só pensava que apesar de toda esta força demonstrada nos últimos jogos, ainda era possível uma catástrofe. Afinal é o Sporting e tudo pode acontecer… Que raio de fatalismo! E o jogo ia mesmo dando cabo do coração. Com tantas oportunidades desperdiçadas, já estava a pressentir o golo do Boavista nos descontos… Quando o apito final soou, ainda não conseguia acreditar. Afinal todos os meus receios eram infundados. Afinal estávamos mesmo de volta ao topo. O Sporting que eu julgava nunca mais voltar a ver campeão, afinal era mesmo campeão, e na época mais improvável de sempre! Que sensação de alívio inacreditável… Inacreditável mesmo. Que vontade de abraçar todos os sportinguistas do mundo ao mesmo tempo! Que gratidão! Que amor!

Ainda hoje me sinto inebriado pelo feito, e é com emoção que escrevo este texto, mas é também tempo de cumprir uma promessa. Com este título desaparece o Adolfo Sapinho. A pessoa real continua bem viva e muito feliz. Continuará sócia do Sporting até ao fim da sua vida e continuará a gritar bem alto o nome do nosso grande amor, mas agora é tempo para dedicar tudo à família que muito tem sofrido por me aturar. O Adolfo Sapinho foi sinónimo de muito sofrimento. Tal como o Sporting perdedor morreu a 11 de Maio de 2021, também o Adolfo Sapinho se junta a ele nesta despedida.

Este é um tempo que se quer novo. Mas atenção. A história é sempre uma boa conselheira. Espero que os nossos dirigentes saibam olhar para o passado e não cometer os mesmos erros. Não há tempo para soberba e bazófia. O novo Sporting tem de saber respeitar os adversários, ser humilde e trabalhador. Só assim conseguiremos transformar um saboroso título num período de ouro. A receita é sempre a mesma: Esforço, Dedicação, Devoção e Glória! Eis o Sporting!

A todos os sportinguistas, em particular aos tasqueiros, muita saúde e felicidade! Até sempre!
Viva o Sporting!

ESTE POST É DA AUTORIA DE… Adolfo Sapinho
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