O regresso do Sporting Campeão foi vivido à volta do mundo das mais diversas maneiras. Hoje, deixo-vos ficar um belíssimo artigo sobre como alguns Sportinguistas viviam ansiosamente o aproximar do grande momento

Seleção de esperanças
Os Rodrigues gostam de se deitar cedo, mas há noites em que acordam à meia noite com alguém a gritar dentro da sua casa em Cessange. “Os jogos de futebol em Portugal acontecem normalmente mais tarde, e ainda por cima há uma diferença horária de uma hora. Quando o Sporting marca nos últimos minutos, e isso tem acontecido muitas vezes nesta época, eu não consigo aguentar-me sem celebrar o golo”, conta Lucas Rodrigues Antunes, 18 anos. “Então lá vêm os meus pais ralhar comigo por fazer aquele chinfrim todo. Mas é uma alegria tão grande que eu não me consigo conter.”

Este ano o sossego da família está particularmente ameaçado, porque à medida que as jornadas avançam o entusiasmo do rapaz vai crescendo. Lucas é sportinguista ferrenho, mas nunca viu o seu clube ser campeão. E é a primeira vez que vê os leões chegarem a dez jornadas do fim com uma dezena de pontos de avanço sobre o segundo classificado. “Está bem que as coisas ainda podem correr mal e não se deve celebrar antes de tempo. Mas vai ser muito difícil perdermos a embalagem. Estamos a jogar bem e com estrelinha de campeões. Eu acredito que este ano é que é.”

Após 19 anos de espera, as hostes leoninas estão animadas e preparam-se para sair da toca. Lucas, por exemplo, tem a certeza que não vai conseguir conter as lágrimas quando vir pela primeira vez o seu Sporting campeão. Até porque a maioria dos seus amigos são de outros clubes – quando o assunto é lusófono, são quase todos do Porto ou do Benfica.

“Hei de sair para a rua para fazer a festa, nem que seja sozinho. O meu pai é do Tondela, a minha mãe é do Benfica, assim como os meus tios todos. Desde miúdo que quis ser do Sporting pela minha cabeça, para contrariar a pressão que todos me faziam. E agora é uma explosão de alegria.”

É guarda-redes do Dudelange, o ano passado esteve emprestado ao Hospert – e agora vai rumar ao Beggen. Tem o quarto decorado com as taças e medalhas que venceu: foi campeão nacional em todo o período de formação e jogador da seleção luxemburguesa nas camadas jovens. “Entretanto decidi abdicar da seleção. Por um lado para preservar os meus estudos, mas também não nego que tenho o sonho de um dia jogar por Portugal. E sobretudo pelo Sporting”, diz. Quando se põe a pensar no que seria seguir os passos do seu ídolo maior – o guarda-redes Rui Patrício – emociona-se. “A única coisa que não faria como ele era por sequer a hipótese de sair do clube. Não há dinheiro que valha mais do que o amor pelo Sporting.”

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Onde vai um vão todos
Nas paredes do Núcleo do Sporting em Differdange estão penduradas umas luvas de Rui Patrício, oferecidas aos sportinguistas do Luxemburgo por Mustafá, líder da claque Juve Leo. É uma das muitas relíquias da casa. Há camisolas assinadas pela equipa sénior, outra pelos júniores, stickes da equipa de hóquei em patins, umas luvas do pugilista Fernando Fernandes, cachecóis de várias casas dos leões espalhados pelo mundo.

Rui Teixeira, 47, faz as vezes de anfitrião. Com o presidente do Núcleo em Portugal, veio ele, o número dois, abrir as portas da estabelecimento. É lisboeta de Alfama, sportinguista de nascimento. “O meu avô levava-me ao domingo a Alvalade e passávamos ali os dias inteiros. Víamos os jogos todos – iniciados, juvenis, hóquei, o que houvesse. Comíamos sandes de courato, eu bebia um sumol, o meu avô uma imperial. Quando eu era miúdo não havia cá hamburguers nem modernices nas roulotes.”

Guarda com carinho o cartão de sócio do pai, tirado nos anos 1940. “Ele ainda viu jogar os famosos Cinco Violinos. Mas eu estava no famoso 7-1 que o Sporting deu ao Benfica em Alvalade. Era um miúdo e foi o jogo mais espetacular a que assisti.” A sua conversa começa por ser de prudência, mas com o correr da tarde a esperança vai crescendo. “Ainda não ganhámos nada”, avisa no início. “Mas começa a ser difícil não pensar que vamos ganhar isto. E, seja como for, vamos fazer a festa”, assegura.

O ano que todos prevêm ser de título tem esta circunstância estranha: cumpre-se com estádios interditos ao público e com as aglomerações de adeptos proibidas. “Estamos a viver isto de uma forma diferente do habitual”, concede Teixeira. Sempre que o Sporting joga no centro da Europa, o núcleo de Differdange organiza viagens de autocarro ou avião, também não é raro irem ver o clube jogar a Lisboa. Agora é festa contida.

O vice-presidente tem sorte: a sua casa está cheia de leões. A mulher, Marta Roque, já era sportinguista em Lisboa, mas foi quando veio para o Luxemburgo, há 22 anos, que a paixão se alimentou. “Desde então passei a acompanhar o clube quando posso, e é espetacular ir num autocarro sob escolta, ou fazer uma viagem em excursão com tanta a gente junta pelo mesmo amor.” Os três filhos do casal são também adeptos apaixonados. “Ai deles que não fossem”, brinca o pai. O mais novo, Mário, tem 14, e sabe de cor os resultados de todos jogos desta época – a primeira em que provavelmente verá o seu Sporting sagrar-se campeão.

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Pelo meu amor eu sou doente
Para Paulo Vieira, 43, a alegria do Sporting se poder sagrar campeão esta época não se prende apenas com o facto de já lá irem 19 anos de jejum. “A verdade é que em 2001/02 as estrelas da equipa eram o João Vieira Pinto, que vinha do Benfica, e o Jardel, que vinha do Porto. Gosto muito deles, mas para mim conta muito que este ano estejamos a fazer um campeonato de grande qualidade com os jogadores da formação.”

O facto do treinador, Ruben Amorim, ser benfiquista já não o chateia tanto: “É um excelente treinador e é muito profissional. Soube misturar a experiência dos mais velhos com o talento dos mais novos. E o Sporting sempre foi, e sempre será, um clube de formação”, diz. Na sua visão das coisas, a venda a preços de saldo dos melhores talentos das escolas leoninas explicam, em grande medida, o calvário porque o clube tem passado nos últimos anos.

Paulo é luxemburguês de Itzig, mas também é sportinguista de nascimento. Traz com ele dezenas de bilhetes com os jogos a que assistiu, uns em Alvalade, outros na Alemanha, em Inglaterra ou França – dos jogos que acompanhou do clube nas competições europeias. “O meu pai morreu poucas semanas depois dos nos sagrarmos campeões pela última vez. E lembro-me da alegria dele no último jogo de 2002, com os filhos todos à volta, todos aos saltos. Foi um momento muito feliz que demorou 19 anos a repetir-se.” No dia em que acontecer, tem esta certeza. Pegará no filho Arnaldo, de 14 anos (que mal fala português mas sonha em ser treinador em Alvalade), leva-lo-á para a rua, farão a festa, mas também hão de tirar um momento para olhar para o céu: o avô haverá de juntar-se à festa, estão certos, esteja ele onde estiver.

Juliana Lima tem 27 anos e um hábito de miúda. Vê sempre os jogos do Sporting agarrada a um pequeno boneco, um leão que a acompanha de infância. “Tinha 7 anos da última vez em que vi o meu clube campeão. Eu sou fanática, mas o meu pai e o meu namorado também. O meu sonho era pegar neles e levá-los a Portugal para o jogo de campões”, diz. E depois suspira: “Raio da pandemia.”

Começa a enumerar as maluqueiras que fez pelo Sporting. Como se meteu num carro para Amesterdão à última da hora, como andou à procura de comprar bilhete numa final da Taça de Portugal e conseguiu à última da hora, como fugiu ainda garota de Santo Tirso, onde passava férias com a família, e se meteu a caminho de Lisboa para ir ao estádio sozinha. “Entrei, vi a bandeira, comecei a chorar de emoção. É o clube mais bonito do mundo, por mais que soframos por ele.”

Rui Teixeira, do Núcleo de Differdange, tem uma expressão que define o amo9r ao Sporting. “Sabemos que os resultados não são sempre os que esperamos. Mas é como se amássemos uma mulher que toda a gente nos diz que é feia, e pedirmos-lhe a mão em casamento à mesma, porque queremos passar com ela o resta da vida. Se eu pudesse nascer outra vez, queria nascer do Sporting.” E agora há a antecipação da alegria, uma ansiedade feliz pelo anúncio de que a tempestade está a chegar ao fim. Há de haver festa, sim. Nem que seja de máscara.

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