Existem alguns preconceitos sobre o Desporto no Feminino e o Futebol em particular. Em boa parte, diga-se, esses preconceitos em Portugal vingam porque temos dirigentes (na Federação, na Liga, nas instituições do Estado e na maioria dos Clubes e das Associações de Futebol) que não só nada ou muito pouco fazem para os contrariar, como até agem frequentemente de forma que só os amplia e perpetua.

Temos dado vários exemplos disso, desde a ausência de políticas estatais para fomento visível e efectivo da prática do Futebol Feminino nas gerações mais novas, passando pela quase total ausência de quadros competitivos regulares abaixo do escalão sub17, continuando no estapafúrdio quadro competitivo criado em 2020/2021 na 1ª Divisão senior e no autismo da Liga Portuguesa de Futebol Profissional que continua a recusa impor aos seus associados “obrigações” de possuir FF idênticas às que impôs para possuirem escalões de Formação e acabando no desinteresse da esmagadora maioria dos Clubes, incluindo alguns que até têm a vertente feminina do Futebol, mas apostam nela envergonhadamente. Mas hoje quero-vos falar de alguns exemplo (inversamente) positivos.

Desde logo o da Associação de Futebol de Braga que, há já quase uma década, proporciona aos Clubes seus associados quadros competitivos de Formação que vão das sub13 às sub19. O resultado disso é hoje evidente. No próximo Campeonato Nacional da 1ª Divisão estarão 4 equipas do Distrito de Braga (Sporting de Braga, Gil Vicente, F.C. Famalicão e Lank Vilaverdense). É verdade que do Distrito de Lisboa estarão 5 equipas (SL Benfica, Sporting CP, Estoril-Praia, Atlético e Torreense) mas, convenhamos que todas estas equipas são projectos recentes: Sporting e Estoril têm 5 anos; Benfica e Atlético têm 4 anos e Torreense tem 3 anos e nenhum deles tinha sequer escalões de formação antes disso e algumas viram-se forçadas a recorrer a contratação externa e muito poucas das contratadas inicialmente jogavam antes no distrito de Lisboa (menos de 6%). Aliás os únicos Clube lisboetas com tradição no FF deixaram a 1ª divisão (primeiro o CACO da Pontinha e o Fófó nesta época).

Já o que se passa com os 4 Clubes de Braga é bem diverso. O SC Braga, que aderiu ao Ff no mesmo ano do Sporting (2016) organizou o seu primeiro plantel com 9 estrangeiras e 18 portuguesas mas, destas, 8 foram formadas (e 5 vieram directamente) em clubes da AF de Braga (com enorme tradição de formação mas quase desconhecidos do público nacional, como o Vilaverdense, o Pico de Regalados ou a Casa do Povo de Martim, por sinal todos da pequena freguesia de Vila Verde). O Gil Vicente, que começou no FF em 2018 construiu o seu primeiro plantel de 28 jogadoras EXCLUSIVAMENTE recrutadas no distrito de Braga e, no ano seguinte, mesmo retocando o plantel tinha 1 brasileira e 27 jogadoras formadas em Clubes AF de Braga. O FC Famalicão começou há 2 anos com um plantel de 7 estrangeiras e 25 portuguesas das quais 12 foram recrutadas no distrito de Braga. O Lank Vilaverdense, embora agora detido maioritariamente pelo Lank Footbal Group de Toronto, tem origem no Vilaverdense Futebol Clube, talvez o Clube do Distrito com mais história e tradição no Futebol Feminino e durante décadas um autêntico viveiro de formação que proporcionou o aparecimento de outros projectos de FF e nutriu outros clubes do concelho de Vilaverde e mesmo em todo o distrito de Braga.

O outro exemplo vem da margem Sul de Lisboa e construiu-se há um ano em função das juniores do Paio Pires não terem seguimento senior no Clube. Alguns aficionados começaram a questionar sobre o futuro de algumas jogadoras e decidiram criar um Clube novo de raiz. No impulso deste projecto juntou-se o investimento catalisado pelo Engenheiro Ismael Duarte, a capacidade organizativa de Nuno Painço (que preside à direcção do Clube) e o “know how” da ex-jogadora do Paio Pires, Mariana Duarte Silvério que esteve na origem de toda a “história” (e é agora a Relações Públicas do novel Racing Power Football Club).Com sede em Amora, mas sem campo próprio, o Racing Power divide os jogos em casa entre a Trafaria e o Seixal. Mas fez um investimento forte e certeiro, construindo um plantel de 30 jogadoras 14 das quais estrangeiras. E, no seu primeiro ano de existência, sagrou-se Campeão da Zona Sul e Campeão Nacional da 3ª divisão, contando vitórias em todos os jogos disputados. Isso mesmo, na 3ª divisão, com uma equipa semi-profissional e com todos os compromissos em dia e garantidos até ao fim de Agosto. A ambição para o seu 2º ano de existência é a subida à primeira divisão. Mas o mais relevante é que já adoptaram princípios de gestão prospectivos, colocando cláusulas de rescisão nos contractos com as jogadoras profissionais, por forma a procurar garantir retorno do investimento feito. A querer provar que a audácia pode vir a recompensar .. e sem necessitar de muita sorte para a proteger.

Finalmente, a nota de actualização semanal da recomposição do nosso plantel principal. Primeiro houve notícia de um compromisso da central internacional Melisa Hasanbegovic pela boca do … treinador do Ferencváros. Depois foi a notícia da contratação da média internacional canadiana Sarah Stratigakis veiculada .. pela própria nas suas redes sociais. Curiosamente, as 2 aparecem no plantel do SCP para 2021-2022 no site zerozero. Mas o Sporting ainda não noticiou quer uma quer a outra, pelo que, conforme alguns por aqui dizem, o melhor é aguardar. O certo é que, se vierem, serão 2 ótimas contratações, tal como é a contratação da avançada canadiana Chandra Davidson ex-Torreense, essa sim já confirmada pelo Clube. Confirmada também a renovação de Neuza Besugo. Ficámos ainda a saber que Nevena Damjanovic foi para o CSKA de Moscovo e Tatiana Pinto assinou pelo Levante (para quem desdenhava da moça, o Levante foi “só” o 3º classificado da Liga Espanhola, 4 pontos atrás do Real Mdrid e 7 à frente do Atlético de Madrid). Continua a ser muito preocupante a ausência de confirmações para a baliza, para o eixo da defesa e para a posição de trinco. Esperam-se também novas sobre quem passou a assumir a Direcção Desportiva do Futebol Feminino no Clube. Comunicação mais transparente … era para antes de anteontem.

* dos Açores com amor, o Álvaro Antunes prepara-nos um petisco temperado ao ritmo do nosso futebol feminino. Às terças!