Com a temporada terminada, resolvi fazer uma reflexão sobre as modalidades femininas, as cinco de pavilhão e futebol, incidindo mais e analisando brevemente os “três grandes” com destaque maior para o Sporting Clube de Portugal.

Comecemos por ver os vencedores de cada competição realizada este ano e as competições da época passada que foram finalizadas este ano (Taças de Portugal de basquete masculino, futebol feminino, futsal masculino e feminino, e a Taça da Liga de futebol feminino).

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Olhando para os quadros salta à vista a excelente época das equipas masculinas do Sporting – 12 títulos (4 Campeonatos, 2 taças de Portugal, 2 Taças da Liga e 2 “Ligas dos Campeões”). Ao contrário do que aconteceu nas equipas femininas, onde não se conquistou nenhum “grande” título.

A aposta nas modalidades e particularmente no Feminino
Para se entender melhor a diferença de troféus, há que saber quais destas modalidades, e suas vertentes, cada um dos “grandes” tem (a nível sénior na 1ª divisão) e um pouco da sua política. O Sporting tem quase todas, 10 para ser mais preciso, ficando a faltar o andebol e basquete no feminino; o Benfica tem todas (12) enquanto o Porto tem somente 5 (no masculino, o futebol, andebol, basquete e hóquei e no feminino, o voleibol).

Porto
O Porto tem uma política diferente dos outros dois rivais, optando por ter menos modalidades, mas apostando forte nas que tem, tendo escalões de formação para garantir a sustentabilidade das mesmas, mas canaliza mais recursos para número reduzido de equipas que tem. A quando da criação da equipa de voleibol feminino foram diretamente para a 1ª divisão através da junção com a já existente equipa da Associação José Moreira (AJM).

Benfica
O Benfica faz-se representar em ambos os géneros nos seis desportos aqui mencionados, sendo que no feminino em grande parte dos casos foi o primeiro ou mesmo único dos “grandes” a ter equipas seniores (andebol, hóquei, futsal) ou a mantê-las. Por isso, ao ter dado primazia à criação destas equipas em relação aos seus rivais, acaba por lhes dar alguma vantagem porque forma uma base sólida que lhe permite, na teoria, a continuidade na modalidade no futuro, aliado a um conhecimento prévio e à aposta recorrente nestas equipas para manter, em algumas delas, o domínio absoluto nesta vertente, dificultando muito a tarefa dos rivais quando integram (ou reintegram) a modalidade.

Sporting
O caso do Sporting assemelha-se ao do Benfica, apesar de não ter no feminino, andebol e basquete (no caso desta última, já teve equipa sénior, mas acabou em 2016). Em ambos os clubes, a estratégia predominante começa por formar uma equipa sénior (que muitas das vezes começam em divisões inferiores) e criando também escalões de formação, concebendo assim uma base para que a secção tenha um crescimento sustentável e, no futuro, não esteja dependente exclusivamente da vinda de jogadoras de fora do clube. Para além disso, a ligação criada entre os vários escalões faz com que haja uma relação quase de familiaridade o que pode promover um melhor conhecimento e integração à chegada ao plantel principal.

Sporting 2020/21 no feminino e perspetivas para o futuro

Futsal (5º lugar da 1ª Fase-Zona Sul/1º lugar da 2ª Fase-Fase de Manutenção)
É das equipas mais menosprezadas e maltratadas no Sporting. Antes da época começar já se adivinhava, um ano ainda mais penoso que os anteriores. A saída de jogadoras importantes como a Débora Queiroz, Débora Lavrador, Kika e Cátia Morgado espelha o que estou a dizer. Já se sabia que era praticamente impossível ombrear com o nosso rival, mas o mínimo que se exigia era fazer uma boa campanha na Taça de Portugal, competição que não se realizou, e estar na fase de apuramento de campeão, o que não aconteceu. Falhado o objetivo restava a fase de manutenção, na qual as leoas tiveram um rendimento satisfatório, 1º lugar assegurado com 12 vitórias, 2 empates e nenhuma derrota.

Foi um ano complicado a todos os níveis, mas fica difícil de aceitar quando vemos a equipa masculina vincar o seu poderio nacional e internacional provando ser, inequivocamente, a melhor equipa da europa enquanto a feminina é desprezada de tal forma que foram raras as transmissões televisivas que tiveram, o acompanhamento “ao minuto” e informação nas redes sociais foram muito diminutos e ainda foram recambiadas quase sempre para o multidesportivo. Para além dos resultados, este “blackout” à equipa feminina vai afastando os adeptos da equipa, o que é meio caminho andado para a sua extinção… Como diz o ditado “longe da vista, longe do coração”. Esta equipa merece mais atenção dos dirigentes, para que esta(s) última(s) temporada(s) não voltem a acontecer.

As únicas informações oficiais que se conhecem são relativas à mudança de equipas técnicas com a saída do treinador Rui Ferreira e entrada do treinador Márcio Marcelino, vindo do Arneiros. Teremos de aguardar por mais novidades e que estas apontem para um rumo diferente.

Voleibol (2º lugar da Fase Regular do Campeonato/Meias-Finais da Divisão de Elite (3º lugar na Classificação geral)/Finalista da Taça de Portugal/Vencedor da Taça Federação)
No caso do voleibol pode-se afirmar que foi um ano muito positivo, dado a algumas circunstâncias como, entre outras coisas, os casos de Covid um pouco por todas as equipas, incluindo a nossa. Tivemos bons reforços para um “seis inicial” forte, embora talvez a rotação não fosse suficiente para fazer frente a alguns dos nossos oponentes, principalmente nos momentos decisivos, momentos nos quais eles tiveram reforços e nós não. Ainda assim, meias-finais do “play-off”, só perdendo na “negra”; final da Taça de Portugal deixando pelo caminho melhor equipa do campeonato e campeã nacional AJM/FC Porto e, por fim, vencedoras da Taça Federação. Com todo o respeito, é um troféu de consolação e, por isso, optei por não mencionar na tabela do início. Contudo é um troféu, seja a Taça Federação, a Taça da amizade ou o Mundial de Clubes, no Sporting é sempre para ganhar e (ao contrário do masculino, que também teve hipótese de a conquistar e não conseguiu) elas fizeram-no com grande brio e mestria.

Para o ano, pouco se sabe quanto a entradas. Quanto a saídas, perdemos titulares importantes como a Bruna Gianlorenço, a Ana Couto (ambas para um rival) e a Gabriella, assim como a Beatriz Rodrigues e a Matilde Saraiva. Saídas difíceis de colmatar, mas que terão de ser substituídas com elementos tão boas ou melhores, se queremos, pelo menos manter o nível desta temporada, na qual só faltou um título “maior” para premiar o excelente trabalho desta equipa, deste treinador e restante equipa técnica.

Futebol (1º lugar da 1ª Fase – Zona Sul/2º lugar da 2ª Fase – Apuramento de Campeão/Finalista da Taça da Liga)
Muito já se disse e escreveu sobre o futebol feminino, o que é normal dado que esta equipa é bastante acarinhada desde a sua criação e por nestes últimos três anos ter estado arredado dos títulos, o que tem preocupado os sportinguistas.

Antes de começar a época tivemos várias saídas relevantes como a Carole Costa (diretamente para o rival), a Mariana Azevedo (que acabou por ir também para um opositor direto), Hannah Wilkinson (16 golos em 20 jogos) e Diana Silva (acho que não é complicado perceber a importância da Diana na equipa e o impacto que sua saída teria, mas os 94 golos em 105 jogos podem ser um bom ponto de partida para o explicitar). Como reforços tivemos apenas a Mónica Mendes e as atletas da formação (equipa B). Olhando para este cenário, ficava difícil pedir muito, principalmente quando o nosso rival e oponentes diretos se apetrechavam (até com jogadoras saídas de cá). Mas as nossas leoas mostraram as “garras”, foram à luta e acabaram a 1ª Fase da Zona Sul em 1º lugar, estando na frente do “pelotão” até bem perto do fim, não conseguindo derrotar o rival no momento das decisões, quer na fase de apuramento de campeão, quer na final da Taça da Liga. Com “armas” bem díspares, alguma inexperiência e uma quebra psicológica após o jogo com o Famalicão (com todas as vicissitudes que o jogo teve) e a final da Taça da Liga, a equipa não manteve o mesmo nível que apresentava até então e no fim isso pesou bastante. Ainda assim, destaque para a evolução e época de afirmação da Inês Pereira, Bruna Lourenço e Ana Capeta (esta última, foi apenas a confirmação e só foi pena a lesão que teve, se não talvez tivesse “explodido” ainda mais) e a jogadora revelação, Andreia Jacinto, que com apenas 18 anos pegou de estaca o meio-campo do Sporting e da Seleção Nacional. É craque! No computo geral, e apesar de não se fazer omeletes sem ovos, tivemos nos momentos decisivos que se disputaram e mesmo com menores condições, um troféu era mais que justo para coroar o trabalho desta equipa.

Quanto ao futuro, se por um lado temos a saída da treinadora, que muitos exigiam, por outro temos a saída, até agora, de dez atletas, muitas delas figuras importantes e peças fundamentais no início e nos anos de glória do projeto (Inês Pereira, Capeta, Tatiana, entre outras). Quanto a entradas temos, para já, para além de algumas jogadoras promovidas da equipa B, a chegada da Ana Teles (proveniente do SC Braga), o regresso da Diana Silva, uma grande notícia, a contratação da Chandra Davidson, proveniente do Torreense, uma jogadora de muita qualidade da nossa liga e, vinda do Ferencvaros, a central bósnia, Melisa Hasanbegović para tentar colmatar a saída da capitã Nevena e a chinesa internacional sub-20, Shen Menglu (ex-Jiangsu Suning Ladies), da qual se diz que tem um grande potencial. No que toca à treinadora será a Mariana Cabral, nome mais consensual é praticamente impossível, aliás em termos de consenso no que toca à treinadora, passámos do 8 para o 80. Apesar do grande apoio que tem na massa adepta precisa de “recursos” para poder voltar a dar alegrias aos Sportinguistas.

Hóquei (1º lugar da 1ª Fase-Zona Sul/2º lugar da 2ª Fase/Finalista do Playoff de Campeão/Meia-Final da Taça de Portugal)
No caso do Hóquei foi uma época de aprendizagem e de começarmos a marcar posição no panorama nacional do hóquei em patins feminino. As alterações no plantel, foram poucas, mas talvez a mais importante de todas foi a mudança de treinadores com a saída da Andreia Barata e a entrada do Nuno Pinto. Em relação à mudança de jogadoras, de salientar as saídas da Adriana Gutiérrez, da Pulga (Tânia Freire) e algumas jogadoras da formação que foram tendo minutos na equipa principal no ano passado e as entradas da Inês Arrais, da Margarida Florêncio e a integração definitiva no plantel da sua irmã, Inês Florêncio. O plantel assim ficou mais “fixo” e com todas as 10 jogadoras do plantel a terem muito tempo de jogo.

Depois de termos criado de raiz a equipa no ano passado e só termos disputado 20 jogos, não tivemos muitos momentos de emoção, para além dos dois derbies da fase regular, que acabaram com vitória do rival. Este ano, apesar de um campeonato mais competitivo devido, em parte, a algumas alterações nos seus moldes, acabou por ter a final mais previsível, Benfica e Sporting. Nesta “luta” a dois e dado o (curto) histórico de confrontos e domínio do rival nos últimos anos, a nível nacional, tornava a tarefa das nossas leoas, hercúlea, começando primeiro por ganhar um jogo ao rival que, internamente, estava invicta há 7 anos e sem conhecer outro resultado, que não vitória, há 121 jogos. Esse feito aconteceu na 1ª fase da Zona Sul, na 2ª volta onde o Sporting bateu na Luz o Benfica por 4-2, o que fez com que terminássemos essa fase no 1º lugar. Nas restantes fases (2ª Fase e Playoff) acabámos em 2º lugar, atrás delas. Na Taça de Portugal voltámos a encontrá-las nas meias-finais onde o desfecho foi o mesmo. Ao longo da temporada os jogos entre as duas equipas foram sempre bastante disputados, com resultados, geralmente, pouco avolumados, em que os elementos que mais pesaram nas vitórias do adversário foram a sua maior eficácia, a qualidade e experiência das suas atletas internacionais portuguesas e estrangeiras que tem ao seu dispor. No total, nos 8 jogos disputados entre as duas equipas este ano, apenas vencemos um e empatámos outro (e com o desempate nos penáltis a cair para o nosso lado), o que, por si só, demonstra como a tarefa é de uma dificuldade extrema. Demonstra também a evolução que as comandadas de Nuno Pinto (e o próprio) tem tido e que a diferença entre as duas está a encurtar cada vez mais, e podia ter dado outros frutos se tivéssemos todos os elementos à nossa disposição, já que no “mercado de inverno” veio uma jogadora (Inês Vieira) que podia ter ajudado a colmatar as diferenças ainda existentes entre as duas equipas. Estranhamente, está a ser impedida de jogar, o que prejudica a atleta, por não estar a competir, e o clube, por ela não conseguir dar o seu contributo na quadra. Esperemos que com 6 meses de entrosamento com a equipa lhe permita, para o próximo ano, estar totalmente adaptada.

Nesta equipa, apesar da Ana Catarina ser a estrela da companhia, o destaque tem que ser dado a toda a equipa, desde jogadoras à equipa técnica, têm feito um trabalho extraordinário. É verdade que não queremos cá vitórias morais, mas este ano foi muito importante para o crescimento da equipa, onde a primeira barreira psicológica já foi quebrada e ficou provado que não há equipas invencíveis. Apesar de não parecer devido aos títulos não vencidos, há que ver o contexto, e no futuro vamos perceber o quão importante foi este ano. O primeiro grande passo está dado, basta manter o ritmo e a aposta que, num curto espaço de tempo, vamos colher os frutos.

Um aparte
Antes das conclusões e não se tratando do Sporting, quero fazer uma menção honrosa para o Madeira SAD (Andebol Feminino) que juntou mais 2 títulos ao palmarés (Campeonato e Taça de Portugal). Em 22 anos, conquistaram 55 troféus, uma média de 5 troféus vencidos em cada 6 disputados, cimentando a sua hegemonia, a nível nacional, nesta vertente da modalidade.

A refletir
A diferença de tratamento entre o masculino e feminino no desporto, particularmente (e não só) é notória. Seja pela diferença salarial ou o mediatismo atribuído a cada um dos géneros pelos meios de comunicação social, transmissões televisivas ou pelos próprios clubes e adeptos e isso fica bem mais vincado quando olhamos para as modalidades amadoras.

No Sporting observamos isso, por exemplo, nos vídeos de despedida fizeram para vários atletas masculinos (andebol, futsal, hóquei), que tanto deram ao nosso clube, ao inverso do que fizeram com o futebol feminino que meteram no comunicado a lista de 9 jogadoras (posteriormente mais uma) que iriam sair, como se uma lista de supermercado se tratasse, num comunicado sem “alma” e sem “chama” que envergonhou todos os que seguem esta equipa. É preciso relembrar que algumas delas que estavam desde o início do projeto tendo ganho os todos títulos que a secção ganhou a nível sénior (e algumas até na formação) e que jogadores do masculino que pouco ou nada fizeram e tiveram direito a vídeo. Já para não falar que de outras modalidades só sabemos quando as atletas saem quando estas anunciam por iniciativa própria ou são apresentadas noutros clubes.

Além disso, os novos conteúdos do Sporting no Youtube (ADN de Leão, Inside Sporting, etc) tem pouca representação feminina, senão vejamos, em 27 programas (esquecendo os ‘best off’s) foram 4 atletas femininas o que é muito curto tendo em conta o vastíssimo leque de atletas femininas no clube (e mesmo dentro destas 4 modalidades aqui faladas) e no Inside Sporting, tivemos 6 das restantes modalidades onde o hóquei e o futsal feminino não tiveram essa oportunidade. Apesar disso, os vídeos das apresentações das novas atletas do futebol têm sido bons, é esperar que se mantenham assim e que aconteçam com outras modalidades também. Temos também os casos dos horários dos jogos e, por vezes, o local dos jogos serem alterados ou marcados para horas completamente surreais, normalmente muito tarde, para quem pretende ver os jogos ou acompanhar a equipa ou ao mesmo tempo que uma equipa masculina, fazendo com que o jogo se realize, por vezes, fora do João Rocha, seja no multidesportivo ou noutro pavilhão. No futebol as nossas leoas raramente jogam em Alvalade, coisa que devia ser precisamente o contrário, para que o fator casa seja um elemento ainda mais importante e de estímulo para as nossas jogadoras.

Não podemos esquecer a mítica frase do nosso fundador “Um grande clube, tão grande como os maiores da Europa”, porque neste caso parece que as nossas atletas não têm hipótese de o tentar demonstrar mesmo que tenham conquistado esse direito por mérito próprio. O voleibol não vai participar nas competições por o clube ter abdicado, o que já tinha acontecido no hóquei no ano anterior (através de convite). O hóquei também conquistou o seu lugar nas competições europeias. Vamos ver se abdica dele outra vez.

As atletas dessas modalidades jogam mais pelo amor ao desporto do que por outra coisa, já que o seu esforço não é devidamente reconhecido e muitas vezes não é respeitado. Cabe aos adeptos que se interessam por elas e ao(s) clube(s) ter um papel ativo na mudança de mentalidades promovendo cada vez mais as suas equipas e as competições em que elas participam para que estas tenham mais visibilidade para atrair apoios e patrocínios que lhes permitam desenvolver ainda mais para que se aproxime celeremente do profissionalismo que as modalidades e as atletas tanto merecem.
Se elas dão tudo em campo/na quadra pelo desporto que jogam e pelo emblema que trazem ao peito, nós também temos de lutar por elas para que elas nos continuem a representar e a orgulhar.

ESTE POST É DA AUTORIA DE… Renato Cunha
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