Caros Tasqueiros, acreditem que escrever a crónica desta semana me traz uma satisfação especial, porque vivi o golo da Joana Marchão (e a sensação de alívio por acreditar ter ficado consolidada a mais apetecida vitória) como vivi aquela inesquecível conversão do penalty (no histórico jogo de 25 de Fevereiro de 2016 contra o Braga no José de Alvalade) que nos viria a “garantir” o título nacional em ano de regresso do nosso FF.

Quase como naquela altura, as probabilidades “jogavam” contra nós: estávamos 2 pontos atrasados em relação ao Braga (a quem bastava o empate para “garantir” o título) e a equipa da “cidade dos arcebispos” tinha investido mais que nós na sua entrada no FF. Sábado, no início do 6º ano e no 133º jogo oficial após o regresso, o encontro em que partíamos com menos favoritismo de vitória. Por variadíssimas razões:

#porque, sendo o 1º jogo da época, o histórico recente dos percursos das 2 equipas era claramente favorável ao Benfica que, nos últimos 3 anos havia conquistado 6 títulos oficiais de 1ª categoria (2 Taças de Portugal, 2 Taças da Liga, 1 Liga BPI e 1 Supertaça), enquanto o Sporting não obtivera uma única conquista;
#porque esse desequilíbrio tenderia a acentuar-se com as saídas de 11 das 20 jogadoras mais utilizadas do plantel leonino, enquanto a base do plantel das águias se mantinha inalterado e, logo, a sua equipa, em início de época, estaria muito mais rotinada;
#porque o plantel leonino que no final época anterior demonstrara ser curto, neste início de época ainda estava mais curto, uma vez que às 11 saídas “corresponderam” 8 entradas (uma delas vinda da equipa B);
#porque o investimento das 2 SADs nos respectivos planteis A do FF ainda fez acentuar mais o desnível já “favorável” (mais investimento) às encarnadas (houve um decréscimo de cerca de 30.000€ a 40.000€ na nossa massa salarial, enquanto a das encarnadas terá aumentado cerca de 25.000€ a 30.000€, sobretudo em actualizações salariais decorrentes das renovações de contractos);
porque os níveis físicos das encarnadas deveriam, supostamente, ser superiores aos dos das leoas, visto que entraram em competição oficial a 18 de Agosto (10 dias mais cedo que nós), tendo já disputado 2 pré-eliminatórias da WCL;
#porque os níveis anímicos das jogadoras do Benfica também deveriam estar mais altos que os das nossas atletas, dado que passaram essas 2 pré-eliminatórias categoricamente com resultados de 4-0 e 7-0 (faltando-lhes “apenas” passar o Twente da Holanda numa eliminatória a 2 mãos para terem acesso à fase de Grupos que dará acesso posterior aos quartos de final).

A nosso “favor” jogavam apenas: a incógnita sobre a equipa, o seu modelo de jogo e os seu processos, já que tudo era novo (e envolto em grande secretismo); a vontade de demonstrar qualidade de um grupo quase totalmente renovado, que ia começar o seu trajecto oficial exactamente com o mais apetecível dos jogos: o “derby dos derbies”, contra as principais rivais e para atribuição de um título. E o 1º factor a nosso favor foi ainda exacerbado pela equipa e pelo esquema táctico que Mariana Cabral colocou em campo. Desde logo por via das escolhas para o 11 (onde foram surpresa a Carolina Beckert e a Joana Martins) e mesmo para o banco (onde se notavam as ausências de Chandra Davidson e de Shen Menglu); mas também por via do recurso a um esquema táctico com 3 centrais, mas numa linha que se mostrava quase sempre de 5 defesas (onde as laterais tiveram pouca capacidade de subir e ser usadas como alas). Julgo que, com esta opção táctica, a técnica leonina reconhecia o maior “potencial bélico” ofensivo das adversárias e procurava contrariá-lo com uma maior retracção das nossas linhas.

Os primeiros 15 a 20 minutos foram, assim, de quase sufoco ofensivo das águias, mas a que o sistema defensivo do Sporting (onde se destacavam o enorme acerto de duas das centrais – Mélisa ao centro e Alicia à esquerda) se ia opondo com sucesso; sempre que as encarnadas conseguiam romper esse sistema defensivo, havia uma Doris Bacic a demonstrar quão certeira foi a sua contratação e a tornar-se rapidamente na melhor jogadora do encontro (em minha opinião … não coincidente com a dos jornalistas “experts” que votaram em outra das recentes aquisições leoninas).

Com o decorrer do tempo, esse sufoco inicial ia-se esbatendo e o Sporting começava a poder estender-se mais no terreno e com maior frequência. Mesmo sem criar situações de perigo, o Sporting começava a equilibrar o “teatro de guerra”, transportando as “operações” mais para o miolo do terreno. Essa situação jogava progressivamente a favor das nossas hostes, cujo ânimo ia crescendo por oposição a uma progressiva ansiedade das adversárias.

Lendo muito bem esta alteração anímica, a Mariana Cabral operou, para a 2ª parte, a uma nuance no sistema que apresentara, passando a usar a linha de 3 centrais mais aberta, dispondo a Ana Borges um pouco mais à frente e fazendo toda a ala e avançando a Joana Martins para uma posição que oscilava entre a 2ª trinco e uma média esquerda (que raramente passava o meio-campo mas com um campo de acção mais lato e mais avançado que na 1ª parte). Com isto, conseguiu libertar um pouco mais a Fátima Pinto para operar entre a posição 6 e 8 e deixando, com mais frequência as Andreias (a Jacinto e a Perez como 2 pivots ofensivos do meio campo, facilitando a exímia capacidade das duas jogadoras de jogarem em progressão em espaços curtos e de criarem situações de rutura nas linhas defensivas das encarnadas).

Isso teve ainda outra vantagem. Rotinadas com um jogo mais ofensivo, em que a GR se coloca como libero e as centrais avançam deixando espaço nos corredores para as subidas das laterais, o Benfica via-se obrigado a recuar linhas com mais frequência e nunca conseguiram um posicionamento defensivo linear ou consistente. A sensação que deu (em toda a 2ª parte) foi a de que a posse ofensiva leonina causava sempre um enorme desnorte nas defensivas encarnadas. A primeira vítima foi Pauleta (que foi escalada como trinco, mas nem tivera que executar essa função na 1ª parte); mas, de imediato, isso teve reflexo nas 2 centrais: porque a Pauleta (e, mais tarde, ela e a Cameirão) se mostrava incapaz de conter o jogo ofensivo das Andreias, quem lhe acorria em auxílio eram as centrais; só que esse auxílio parecia sempre ser efectuado em desespero de causa; os processo defensivos, claramente, não estavam rotinados na equipa do Benfica. A acrescentar a isso, o notável espírito de sacrifício da Marta Ferreira (ora deambulando em constantes desmarcações, ora pressionando constantemente a saída de bola defensiva) e as incursões em velocidade pela ala esquerda da Diana Silva, que ainda desgastavam e deconcertavam mais as defensoras encarnadas.

Podemos dizer que foi sobretudo na capacidade de organização defensiva das 2 equipas que esteve a chave do jogo (e do resultado). Porque houve uma equipa que com muito menos ímpeto ofensivo teve capacidade de causar mais estragos no último reduto adversário. Usando uma imagem de campo de batalha medieval diria que um dos contendores, não possuindo cavalaria soube fortificar e defender as suas linhas recuadas e quando encontrou o momento para se reagrupar e iniciar incursões ofensivas “apenas” com a sua infantaria, causava mossa no adversário, não habituado a ter de defender o seu castelo, carente de fortificação defensiva.

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Em jeito de balanço ou de primeira impressão global, houve sorte (que é sempre necessária) mas também houve muita competência, garra, determinação e concentração. Temos algumas jogadoras que demonstram qualidade superior às do ano passado que saíram. Analisando, sector a sector, posição a posição.

DEFESA
– Guarda-Redes principal: ficámos bem melhor do que (já) estávamos (talvez a Doris Bacic seja a melhor keeper a jogar em Portugal)
– Guarda-Redes suplente: ficámos bem pior do que estávamos
– Defesa-direita principal: é uma incógnita quem vai ser usada ou mesmo se vai ser usada, num esquema de defesa de 3 centrais a ala fica toda entregue à Ana Borges, o que acho que possa ser uma boa opção para a maioria dos jogos (contra 10 das 16 equipas), mas decerto não será uma boa via para a 2ª Fase onde a maioria dos jogos são equilibrados. Como acho que a Mariana estará a trabalhar o sistema a 3 centrais, espero que em Janeiro contratem mais uma de qualidade idêntica à Mélisa (mas tendo o pé direito como preferencial), porque com a Bruna e a Beckert fica muito curto para essa fase. A jogar com um defesa de 4, ficamos com a Rita Fontemanha (de qualidade idêntica à da Wibke Meister com a vantagem de não contar como NFL) e a Mariana Rosa como opções; e eu usaria a Rita como principal, mas com a Rosa (suplente) podendo dar muita rotação, pois conseguirá cumprir a preceito em boa parte dos jogos (também poderá ser usada para colocar a Rita na posição 6, de trinco ou média-defensiva ou mesmo na de 8 para oferecer maior rotação às jogadoras que, provavelmente irão ser as mais usadas do plantel: Andrea Perez, Andreia jacinto e Fátima Pinto)
Defesas centrais: ficámos só com três “de raiz”. A Mélisa Hasanbegovic parece-me mais competente a defender que a Nevena mas menos capaz de integrar com frequência acções ofensivas. As outras 2 (Bruna e Carolina) já vinham da época anterior (em que contávamos com 4 centrais).
Lateral esquerda: transitam da época anterior, pelo que fica igual. Apesar do jogo de ontem, a principal deverá ser a Marchão mas a a Alícia mostrou que oferece boas garantias de rotação. Possuímos talvez as 2 melhores defesas esquerdas portuguesas.
Trinco principal: não temos ninguém “de raiz”. Teremos de “adaptar” alguém. Parece que a opção recaiu na Fátima Pinto. No jogo de ontem ainda me pareceu “peixe fora de água”. Haverá tempo para melhorar, mas esta é uma posição muito exigente que não se “constrói” aos 25 anos. Poderá chegar para uma boa parte dos jogos nacionais, mas em outros poderá manifestar-se insuficiente.
Trinco suplente: se já não está bom a principal … (a Joana Martins pode preencher o lugar de “trinco de apoio”, jogando com 2 médias-defensivas, mas é mais uma adaptação). A Rita também poderia ser opção mas continuava a ser uma adaptação, embora esta com Formação na posição (mas há mais de 7anos) e com boas rotinas defensivas.
Portanto, no conjunto da defesa, ficámos com uma qualidade inferior à da época anterior, por ausência de uma trinco e uma central de qualidade superior, e ficamos com ainda menos opções de rotatividade. Com a Central e a Trinco de qualidade superior, passamos a ter a melhor composição defensiva do país.

MEIO CAMPO OFENSIVO
Posição 8/10 principal (4+3+3) : temos a Andreia Jacinto (faz-me lembrar, e muito, o Adrien: não se dá muito por ela porque não é de correrias ou de fintinhas, mas aparece em todo o lado e tem uns pézinhos mágicos e muita inteligência a ler o jogo e a dar-lhe o que precisa), lugar bem ocupado mas que também pode ser preenchido pela Andrea Perez. Daí achar que as 2 jogadoras ocuparão com frequência ambas as posições, alternando os lugares durante o jogo ou passando a duplo pivot ofensivo num triângulo de meio campo em que o vértice mais recuado estará na trinco e em que as dinâmicas de jogo determinarão a enorme elasticidade das suas arestas por força da movimentação dos outros 2 vértices. A Brenda Perez veio oferecer ao sector atacante uma qualidade superior na distribuição e condução de jogo. Uma muito agradável surpresa (para mim que conhecia pouco a jogadora).
Posição 8/10 suplentes: Ana Teles e Inês Gonçalves. A aquisição vinda do Braga terá com certeza, oportunidade, espaço e tempo para crescer e se afirmar. tem boa qualidade e é muito intensa; é também uma opção para a 10 oferecer mais verticalidade ao jogo atacante, por ser mais “explosiva”. A Inês Gonçalves, se reforçar a sua intensidade, também tem argumentos técnicos para ocupar estas posições como parceira ora da Jacinto ora da Perez uma vez que também sabe jogar bem progredindo em espaços curtos. Há ainda a Neuza Besugo e, provavelmente com uma utilização residual a Margarida Sousa
O meio campo ofensivo foi claramente reforçado embora com poucas soluções de rotatividade que mantenham uma qualidade próxima das titulares

ATAQUE
Extrema-Direita principal: Ana Borges. Fiquei na dúvida se será usada a lateral, a ala ou a extrema. Acho que o melhor aproveitamento da sua superior qualidade é a extrema, mas tudo vai depender do esquema táctico adoptado.
Extrema-Direita suplente: Ana Teles, deverá ser a jogadora mais chamada a “dar descanso” a Ana Borges, embora também possa actuar na outra ala ou no municiamento à ponta de lança
Ponta-de-Lança principal: Chandra Davidson, é um claro upgrade relativamente ao que possuíamos. jogadora muito diferente do que até aqui tivemos para a posição (a única comparável seria a Hannah Wilkinsom, neo-zelandesa que a Covid afastou dos nossos relvados e agora representa o Duisburg, na Alemanha).
Ponta-de-Lança suplente: Marta Ferreira, voluntariosa, inteligente e prática nas suas movimentações, com uma boa margem de progressão por ainda ser muito nova (19 anos feitos a 8 de Agosto)
Extrema- Esquerda principal: Diana Silva. Oferece mais rapidez e intensidade que a Raquel Fernandes embora com menos golo. Mais de acordo com o modelo de jogo que a Mariana Cabral parece querer implementar.
Extrema- Esquerda suplente: Shen Menglu. A jovem chinesa vem rotulada como jogadora veloz, intensa e boa no um para um. A observar.
Resumindo, o nosso ataque padece da mesma carência da equipa A masculina. Falta uma alternativa de golo e de potência que alterne com (ou acompanhe) a Chandra Davidson. Ter como alternativa a uma PL apenas uma jogadora (com qualidades mas ainda jovem, como a Marta Ferreira – tal como o TT nos masculinos) parece-me bastante curto, até porque se a Chandra tiver uma lesão grave, mesmo a nossa melhor goleadora da B (a Beatriz Conduto) se transferiu esta época para o Lank Vilaverdense e ficamos só com uma PL (lá teremos de adaptar uma Diana Silva).

Em jeito de balanço global, para primeira observação houve indicadores muito positivos (particularmente nas aquisições que foram titulares) mas também nas confirmações das jovens Alícia Correia e Andreia Jacinto. Temos condições para possuir uma equipa muito superior à do ano passado SE NOS VIERMOS A REFORÇAR EM JANEIRO com uma central, uma trinco e uma 2ª PL ou avançada móvel possante.

Mas o indicador que me pareceu mais relevante (e que carece de confirmação nos próximos jogos) é o do modelo de jogo que a Mariana Cabral parece querer implementar, sustentado nas constantes movimentações que permitem uma muito grande elasticidade táctica e que obrigam a um enorme compromisso das atletas. Se isso se confirmar, a tendência é para haver melhorias sensíveis à medida que as jogadoras forem interiorizando e mecanizando esses processos, tornado-os rotinas. E tudo se torna mais fácil se tivermos a sorte e a competência de gerar dinâmica de vitórias e as jogadoras reforçarem esse seu compromisso com a naturalidade, a confiança e a alegria que as vitórias necessariamente aportam ao grupo e a cada uma das suas jogadoras.

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* dos Açores com amor, o Álvaro Antunes prepara-nos um petisco temperado ao ritmo do nosso futebol feminino. Às terças!