O Sporting mereceu ganhar e festejar, o Marítimo não poderia ter mais merecido castigo para a postura de anti-jogo adoptada desde o primeiro segundo. Este é o ponto de partida para a crónica de um jogo de sentido único, de oportunidades perdidas e de desespero, que terminou com adeptos e equipa unidos como há muito não se via em Alvalade

sporting marítimo a foto

Há momentos que nos vão ficando na memória ao longo deste lado da vida pintado a verde e branco e o que aconteceu ontem, quando o árbitro auxiliar levantou a placa indicando 8 minutos de compensação, é um desses momentos. Naquele segundo de festejo colectivo, foi como se a certeza de que ainda alcançaríamos a vitória se agarrasse à relva que teima em saltar, fazendo pairar em Alvalade o espírito que nos guiou à conquista do campeonato e onde foram várias as vitórias arrancadas com o coração.

A culpa dessa crença, dessa fé, é, obviamente, daqueles rapazes de verde e branco vestidos que, embora de forma por vezes atabalhoada e tacticamente anarca, já nos disseram em diversas ocasiões que “It ain’t over till the fat lady sings”. E, entre eles, na noite passada, destacou-se um Leão espanhol, Pedro Porro de seu nome, completamente frenético na vontade de conquistar os três pontos. Quando ele foi por ali fora novamente, aos 74 minutos, entrou na área e descarregou a fúria num remate cruzado ao poste, foi como se os Survivor ocupassem a curva vazia atrás da Vítor Damas e nos transportassem para o mundo Rocky cantando In the warrior’s code, There’s no surrender, Though his body says stop, His spirit cries, never. E foi assim até final.

Porro voltou a disparar, desta vez contra uma muralha de pernas, e Tiago Tomás fez a recarga que esbarrou no redes. Depois veio mais uma bola metida na área, à procura da cabeça de Coates, homem que deu a Paulinho o apoio que nunca teve. O capitão saltou mais alto que todos e Paulinho seguiu-lhe o exemplo, deixando a bola a desafiar Jovane e o redes para ver quem a ela chegava primeiro. Jovane levou uma dupla punhada na tola, o penalti foi clarinho e o Paulo Víctor, que já tinha visto um amarelo por andar a demorar a reposição da bola desde que os 15 minutos, foi para a rua. Já sem substituições, os insulares tiveram em Edgar Costa o redes improvisado, a quem foi dada a honra de assistir como protagonista ao remate de Porro para o fundo das redes.

Digo-vos que todas as equipas que fazem o que fez o Marítimo, deviam perder sempre assim. Não que eu ache piada a estar 100 minutos a sofrer e a colocar à prova o ritmo cardíaco, mas esta sensação de recompensa para uns e de castigo para outros como que torna a conquista mais saborosa.

Para trás desse momento, fica um jogo de sentido único, no qual o Sporting teve oportunidades de sobra para fazer funcionar o marcador muito mais cedo. Nuno Santos tentou aos 21, num remate meio enrolado, voltou a tentar aos 25, num chapéu que daria um golaço depois de açúcar de Sarabia e que bateu na trave, e teve a última tentativa a abrir a segunda parte, para defesa do redes. Sarabia também tentou, num remate de ressaca de fora da área que proporcionou a defesa da noite, Coates falhou a mira por 30 centímetros na sequência de um canto e Palhinha, dono de uma primeira parte impressionante onde engoliu todo o meio campo, entrou à força pela área e tentou à bomba junto do primeiro poste.

Mesmo não fazendo uma exibição de encher o olho, o Sporting fazia o suficiente para se colocar em vantagem, frente a um Marítimo que visou a baliza por uma única vez, pouco depois do quarto de hora, num remate de Xadas, de fora da área. No restante, defender, defender, defender e não deixar jogar. Horrível! Mas, tal como se viu no Estoril, podemos preparar-nos para contar com isto mais vezes. O chamado “bloco baixo”, tão baixo que qualquer dia defrontamos alguém a jogar em 9-1. E entre a ausência de Pote, melhor marcador da época anterior e já desta época (4 golos em 5 jogos), e pedir o impossível a Paulinho (seja o apoio, o que pressiona, o que serve de pivot e que depois de permitir à equipa girar tenha pernas para ir para a área marcar), Amorim terá que encontrar fórmulas para, primeiro, afinar a pontaria, e, segundo, para dar à equipa opções de circulação de bola e jogo nas entrelinhas que vai tendo dificuldade em encontrar (Bragança entrou bem e ofereceu soluções diferentes).

Enquanto tudo isso não acontece, a noite de ontem voltou a deixar uma certeza: esta equipa continua a ter o coração que permitiu ao Sporting voltar a ser campeão.

In the burning heart
Just about to burst
There’s a quest for answers
An unquenchable thirst
In the darkest night
Rising like a spire
In the burning heart
The unmistakable fire