No dia em que se assinalavam 30 anos sobre a morte de Freddie Mercury, o Sporting fez aquilo que o Sporting de Ruben Amorim melhor sabe fazer: foi uma equipa do redes ao ponta, escondendo pontos fracos e potenciando ao máximo os seus pontos fortes. Resultado? Vitória sobre uma das três melhores equipas da Alemanha e apuramento para os oitavos de final da Champions, numa noite memorável dentro e fora do relvado

Se alguém ousar escrever que o Sporting foi a equipa que mais cresceu ao longo dos cinco primeiros jogos da fase de grupos da Champions, vai ser complicado encontrar argumentos para rebater tal afirmação. Depois da dolorosa derrota frente ao Ajax, no jogo de abertura (1-5), os Leões souberam usar esse banho de realidade como uma enorme aprendizagem. Voltaram a perder na Alemanha, frente ao Dortmund, mas mostraram ter trabalhado para corrigir os problemas defensivos. Na Turquia, frente ao Besiktas, na partida do tudo ou nada, o acerto defensivo foi trocado pela vontade de espreguiçar-se até à área contrária, num jogo meio de loucos onde não faltaram oportunidades de um lado e do outro e que terminou num inesperado 1-4 para os verde e brancos. Duas semanas volvidas, na recepção aos mesmos turcos, uma equipa a mostrar-se no seu todo, embalando para um 4-0 inquestionável e futebol de nível elevado que colocava o Sporting a depender de si mesmo para atingir os oitavos de final da Champions.

I was born to love you
With every single beat of my heart
Yes, I was born to take care of you
Every single day of my life

Em mais uma declaração de amor que até os mais versados sociólogos serão incapazes de explicar, Alvalade encheu até onde podia encher para assistir a esse momento. Do outro lado o Dortmund, uma das três melhores equipas alemãs que, mesmo com lesões rotativas há algumas semanas, continua colado a um tal de Bayern de Munique no topo da liga germânica. E apesar daquele primeiro minuto frenético onde o Sporting se atirou lá para a frente e ganhou um canto, toda a partida foi um exemplo do poderio do Dortmund. Foi, aliás, por perceber e aceitar esse poderio, que o Sporting conseguiu ganhar o jogo.

Na nossa tola romântica, o Coates viria por ali fora em dribles, o Palhinha engoliria o meio campo, o Paulinho faria um poker e o Potter ria disto tudo enquanto o Adán só se mexia para marcar pontapés de baliza. Na realidade, o Dortmund pegou no jogo e deixou-nos sem bola ao longo de 20 minutos. É verdade que, em parte, essa posse foi-lhes oferecida, na certeza de que resistindo à meia dúzia de gajos que constantemente tentavam entrar na nossa área, nós poderíamos causar estragos em transição. Matheus Nunes, por exemplo, apenas uma vez conseguiu libertar-se para embalar por ali fora, nessa primeira meia hora que nos apertava o coração no receio de não conseguir o golo (eram preciso dois de vantagem para arrumar as contas), Matheus Reis e Porro raramente conseguiam criar superioridade ofensiva, os três da frente lutavam sem bola e Potter ainda conseguia perdê-la de forma exasperante.

You are the one for me
I am the man for you
You we’re made for me
You’re my ecstasy
If I was given every opportunity
I’d kill for your love

Acontece que Peter Potter, Potinho para a sua avó, é mesmo assim: aquele puto que, nas equipas que fazíamos na rua, às vezes parecia ter pouca vontade e quase que convidava os outros a correr por ele, mas que, depois, apanhava a bola meio perdida e metia-a por baixo das pernas do gajo que achava que ocupava o espaço entre os postes feitos com pedras da calçada. Foi exactamente o que ele fez ontem, lendo na perfeição onde a bola ia cair depois do passe longo de Coates e da hesitação do defesa alemão e sorrindo antes de desviá-la do grandalhão que defendia a baliza germânica.

Que festa, camaradas! Que-fes-ta! O Sporting apoiar, no Estádio a cantar, e o Sporting quase marcava outra vez, agora por Sarabia, sem aquele toque de magia que desvia sempre a bola do redes. Os tanques germânicos abanavam, os Leões ganhavam confiança, até porque lá atrás Coates era imperial e o aprendiz Gonçalo Inácio dava novos sinais de estar a caminho de igualar o mestre. Matheus Reis conseguia finalmente sair a jogar e ter bola para lá do meio campo, dando início a uma troca de bola interrompida pela defesa alemã. Acontece que a redonda veio a rebolar ali para a entrada da área, por onde andava Peter Potter que ouviu o que se ouviu num raio de uma dezena de kms: chuuuuuuu-ta-ca-ra-lhó! E ele chutou, outra vez com aquele ar despreocupado, com tanto jeito que foi em força e sempre a fugir do redes. Gooooooooooooooooooooooolo!

I’m caught in a dream
And my dream’s come true
So hard to believe
This is happening to me
An amazing feeling
Comin’ through

Meio toldados pelo festejo colectivo, voltamos à realidade com o tal de Malen ameaçou fazer o que havia feito na Alemanha. Valeu Gonçalo Inácio a cortar em cima da linha e a mandar toda a gente para o descanso com o sentimento de que faltavam 45 minutos para conquistar algo que pareceu quase impossível.

No recomeço, Potter e Sarabia combinaram por entre os gigantes de amarelo e o espanhol ficou na cara de Kobel, valendo a enorme mancha do redes a evitar o 3-0. Depois, Matheus Nunes cai na área num lance que deixa muitas dúvidas e ficava a ideia que o jogo ia partir, o que só podia beneficiar as nossas transições. Veio o golo bem anulado ao Dortmund, veio um remate falhado de Potter à entrada da área e veio uma confusão de todo o tamanho que terminou com três amarelos para nós e com um vermelho para Emre Can, por agressão a Porro. Os deuses do futebol estavam loucos e bafejavam o Sporting, até porque, poucos minutos volvidos, Paulinho era empurrado e pisado na área, com o VAR a tirar dúvidas: penalti!

Peter Potter foi Pedro Gonçalves e falhou, mas Pedro Porro acelerou mais rápido que todos e apareceu para fazer a recarga de cabeça. 3-a-zero-ao-Dortmund-caray, a dez minutos do final que passaram a 17, pois o árbitro deu (e bem) sete minutos de desconto. Amorim já tinha refrescado as duas alas por completo, com o descaramento extra de lançar o menino Nazinho para uma estreia que jamais esquecerá, o Sporting recuava em demasia na ânsia do apito final, dando aos germânicos a possibilidade de, mesmo reduzidos, tentarem uma última vaga.

Foi tempo que não passava, até porque veio o golo amarelo aos 94 e se acontecesse outro ficaríamos em desvantagem em caso de empate. Sofria-se na bancada. Os gajos que tinham esgotado as cervejas em mais cafés do que nós berravam do outro lado coisas que só a sra das mensagens no sistema de som percebia, nós assobiávamos o minuto além dos sete (e Potter fazia o mesmo, no banco), Adán vinha ao limite da área dizer que a bola era dele e a vitória era nossa, conquistada por esta equipa que continua a superar-se e a surpreender-nos e que, tal como uma grande banda, teve um solista a brilhar num palco repleto de bravíssimos músicos!

I wanna love you, love you, love you
I wanna love you
Yeah yeah
Ha ha ha ha ha it’s magic
What ha ha ha