Tento encarar isto como mais um capítulo da história que nos une há doze anos e quatro meses. E, digo-te já, está a ser um capítulo digno de colocar à prova essa cena a que chamam choque de gerações, mas que, sinceramente, podia unicamente chamar-se “amor”. Dou por mim a pensar, se tenho culpa neste demasiado rápido encolher do espaço da divisão que ocupava no teu mundo. Se te dou demasiadas vontades, logo a ti que nunca te mostraste lá muito simpática para com o espartilho das regras que te batem à porta mesmo quando a fechas, tal como fazes com a porta do quarto onde parece ter sido colocado um aviso onde se lê que existe bar aberto para os amigos e consumo máximo obrigatório para os pais.
De-sa-pe-go.
A palavra é simples de dizer, mas dura de experimentar. Não estamos bem preparados para isto e seria tudo mais simples se se resolvesse com a velocidade com que passas de um tik para um tok. É precisamente o contrário: estamos a embarcar num capítulo que ameaça durar as infindáveis horas que passas de cabeça inclinada, iluminada por um ecrã onde correm conversas disparatadas e recordes de chamadas, tendo como fundo uma banda sonora de canções de rimas e batidas abadalhocadas para crianças constantemente enjoadas.
Passaste a viver entre o quarto e a cozinha, com passagem pelo wc porque tem que ser, e lá nos cruzamos no corredor, espécie de estação de metro onde há espaço suficiente para monólogos meus e revirares de olhos teus. Nesses momentos, tento sentar-me ao volante do DeLorean, viajando no tempo para tentar perceber se era como tu és neste labirinto de espinhos que é o crescimento. Acho que é no porta luvas que encontro paciência.
E quando penso que me amas em duodécimos e me colocaste numa prateleira para não vacinados, vem um daqueles momentos em que percebo que continuamos aqui.
Voltas a contar os minutos para sairmos de casa juntos. Partilhas o entusiasmo por aquilo que vestimos, lembras-te tu do cachecol e dos cartões e o caminho deixa de ser iluminado à luz do ecrã que é um vírus bem maior do que qualquer omicron. Conversamos sobre tudo e sobre nada, sem lugar a silêncios e bufadelas de enfado. Ensaiamos os cânticos e cantamos, cada vez mais alto, como se nos tivessem chipado como fizeram ao carro para aumentar o volume ao ritmo da velocidade.
Voltas a resmungar se o carro está longe, como se as tuas pernas não tivessem esticado centímetros e ganho massa muscular suficiente para me safar a dar-te colo até me doerem as costas.
Voltas a dar-me a mão, quando entramos no turbilhão verde e branco e te bate aquele receio de me perderes de vista.
Arranjamos estratégias para ser sacanas, quando a fila para entrar está demasiado longa.
Ultrapassas a ansiedade trocando-a por cansaço, escada acima, antes de me encheres os bolsos com o teu cartão o teu telefone e o que mais for preciso, que tens que estar à vontade.
Olhas para mim sorrindo com os olhos, enquanto cantas ao mundo que ele tem que saber que depois do “viva ao Sporting” vem uma declaração de amor.
Mostras-me que, afinal, até estás atenta quando te tento explicar o lado táctico do jogo, dando ordens como uma pequena miss de bancada. Gritas até ficares rouca (“mas tu ficaste primeiro, pai!”) e festejas como louca quando é golo, partilhando comigo essa insensatez de celebrar sem aval do VAR.
Já a caminho de casa, depois de um pão e um sumo que são mais caros do que qualquer pão e sumo, mas que sabem melhor do que qualquer pão e sumo por serem a dois, perguntas-me quais são os próximos jogos e vais fazendo contas de quando voltas ao Estádio e ao Pavilhão. Enquanto isso, eu aproveito que não gostas de velocidades e deixo-nos rolar lentamente neste momento refúgio, na certeza de que jamais haverá desapego que resista ao amor. Mais ainda, quando nesse amor há um lugar Sporting.
17 Dezembro, 2021 at 15:06
Que texto……
Só podia ser teu. Cherba Vintage….
17 Dezembro, 2021 at 15:29
lembro-me perfeitamente do texto que escreveste quando nasceu a Madalena. Recordo perfeitamente a ternura e a preocupação desse texto original.
Guardei-o religiosamente e voltei a ler 6 anos mais tarde quando fui pai e voltei a emocionar-me tal como na primeira vez.
17 Dezembro, 2021 at 15:31
estou a ler o que me espera num futuro próximo…. fuuuuck!
17 Dezembro, 2021 at 17:46
Ao ler o post e os subsequentes comentários, como sportinguista um pouco mais gasto pelo tempo, não posso deixar de notar com enorme satisfação a enorme percentagem de respostas de pais com teenagers (a maioria com filhos até aos 15 anos). Isso demonstra com evidência o quanto o Sporting é diferente dos demais: dezoito anos sem ganhar significa que a TOTALIDADE desses(as) teenagers (começando pela Madalena) nunca tinha visto o seu Cube de coração, essa sua indefectível PAIXÃO ganhar um campeonato até ao ano passado. E isso não apagou, nem sequer diminuiu essa paixão.Ao alcance de poucos em Portugal!
SL
17 Dezembro, 2021 at 17:48
* Clube
* até à época passada (ainda este ano)
17 Dezembro, 2021 at 22:05
Este campeonato ajudou-me bastante na evangelização!
Já tinha uma ferrenha e agora um ultra de 8 anos!
17 Dezembro, 2021 at 18:32
Foda-se! Como estupido que sou, decidi ler este texto no local de trabalho… agora só me apetece ir para casa abraçar a minha filha…
17 Dezembro, 2021 at 19:02
Sem dúvida “Cherba vintage”!
Foi sem dúvida esta a forma como me foi passado o Sportinguismo, pelo meu pai e pelo meu avô.
Será desta forma que o passarei também, se um dia tiver a oportunidade de ser pai.
17 Dezembro, 2021 at 19:09
Grande texto Cherba.
Já passei por isso com os meus seus filhos.
Agora e, apesar da idade já pesar, tento passar o amor ao Sporting aos meus 9 netos, que na sua maioria ainda são muito pequenos.
Não é tarefa fácil, pois tenho genros benfiquistas. Mas um Sportinguista, nunca desiste.
17 Dezembro, 2021 at 19:10
seus=seis
17 Dezembro, 2021 at 22:37
tás velho cherba… é a vida.
não fiques é marreta.
17 Dezembro, 2021 at 22:40
já agora…
o tiktok também envelhece… daqui a 5 anos pode já não existir.
17 Dezembro, 2021 at 22:42
Grande Cherba! Incrível mais uma vez! Viva o Sporting.
O meu está quase a fazer 2 anos….e sonho…..um dia
18 Dezembro, 2021 at 7:45
Brutal ! Grande texto