Vamos então falar dos contos de fadas que não têm finais felizes. Apesar de correr o risco de começar a ficar “fora de tempo” esta opinião, aqui vai o voleibol feminino do Sporting Clube de Portugal.

Os contos de fadas têm finais felizes. Por isso, não havendo uma alegria final então dificilmente podemos chamar de conto de fadas?
Mas parecia. Parecia mesmo.

No início da época disse que o ciclo começado na 3a divisão, por esta equipa de voleibol feminino, tinha terminado. Havia um “quê” de romantismo/amadorismo que não ia voltar esta época. Tínhamos uma equipa mais profissional, mais homogénea na responsabilidade profissional que ia obrigar a uma mudança de paradigma. Inclusive o sonho e a ilusão de proximidade com a equipa iria ser beliscada com naturalidade. A expetativa foi errada. A nova época trouxe mais do mesmo, o que é bom, mantendo um espírito de união reforçado na equipa e uma comunhão desejada com os adeptos. Tudo estava a correr como nos contos de fadas.

Isto foi de tal maneira em crescendo que se conseguiu cheirar a história. Um pavilhão quase cheio contra o rival, o 1o lugar na fase regular e a qualificação para as meias-finais da taça faziam acreditar que tudo seria possível. Até o departamento de comunicação do Sporting CP ajudou, dando o mediatismo tantas vezes reivindicado às meninas. Até ao mês de Março foi tudo perfeito ou perto disso, apesar de se notar que estaríamos numa situação complicada quanto à zona 4. A Bochkareva, a titular, dava sinais de algumas fragilidades que foi sendo possível colmatar com a presença da Daniana na equipa e, mais tarde, a Bárbara Gomes.

Em Viana do Castelo tudo mudou. Por estranho que pareça nem estou a falar das derrotas. No desporto há um vencedor e uma série de derrotados, por isso a derrota é probabilisticamente bem mais real. A forma como lidámos com a pressão da derrota destruiu alguns alicerces que, até aquele momento, não pareciam ser frágeis. Isto toca já nos meus grandes fatores de desilusão e desapontamento: Identidade e Proximidade.

Identidade:
Eu tenho muitas horas de voleibol do Sporting CP. Muitas. Tal como o João Castro fala do sistema tático do Amorim, eu também leio o sistema tático do mister Rui Costa. Com as ressalvas de alguma estratégia para um jogo, nós temos características transversais a qualquer adversário. O serviço forte, o posicionamento defensivo, a proteção ao ataque, as decisões de bolas pelo centro de rede, as substituições para serviço, quando a oposta ataca em 6, marcação de bloco da Bochka e de qualquer outra zona 4, opções de serviço, colocação das blocadoras quando a distribuidora adversária vai passar fora de posição… bem, é uma lista enorme. Todas estas idiossincrasias voleibolisticas são com base em horas infinitas de treino para parecerem simples e automáticas em jogo.

Com algumas excepções em alguns sets, isto foi apagado e substituído por ações descaracterizadas de coragem. Diria que esta pressão autoimposta e subconsciente foi irracional e até pode ter apanhado de surpresa as próprias. Vou mais longe! Por vezes, também dava por mim a pensar quem é que pedia a bola para virar o jogo. Quem é que se virava para a Ju Carrijo e dizia: “mete-me a p*ta da bola que eu vou virar isto”. Não havia essa pessoa com a coragem suficiente para assumir. A cabeça sobrepôs-se ao corpo, treinos, rigor tático. Isto também é uma conclusão a tirar. Não nascemos todos para ganhar ou com a mentalidade para tal. Infelizmente, o “quase” já não chega e por isso todos os anos em todas as equipas há reajustes nos planteis. Correndo o risco até de ser pouco entendido, eu olhava para a equipa e só via duas pessoas capazes de virar jogos na raça: Daniela Loureiro e Ju Carrijo. Nenhuma delas ataca. Pena.

Proximidade:
Depois do jogo com o Vitória SC, a equipa desapareceu do mapa das redes sociais. Quem pense que ninguém tem nada a ver com o espaço digital de cada uma, está enganado. Um atleta do Sporting CP tem uma notoriedade e um alcance mediático intrínseco. Há uma exposição muito grande face a qualquer outro clube. Quando se assina pelo clube, isto vem em letras transparentes. Quando um jogador não tem de fazer este trabalho de “engagement” é porque alguém o faz por ele. Se ninguém o fizer, isso chama-se voleibol masculino do Sporting CP e o resultado da proximidade dos adeptos está à vista. Posso acreditar que foi um acto consciente de concentração e foco para atacar o campeonato. O que eu não entendo é como isto pode ser a primeira opção. A equipa que consistentemente coloca mais adeptos no PJR, que teve como momento alto um pavilhão cheio a gritar, uma equipa que tem o seu sucesso colado a esta relação bonita com os adeptos do Sporting CP, agiu ao contrário. Não sei se tenho razão, sei o que me apercebi. O ponto é a percepcional e não a métrica quantitativa dos KPI do Instagram. Depois, com o tempo, foram voltando aos hábitos normais.

 

A equipa
A verdade é que tínhamos qualidade e contexto para fazer mais e melhor. No entanto, meus caros, acabou neste Bonito Serviço de hoje qualquer crítica vinda de mim. Como se costuma dizer, importa mais como te levantas do que como te deitam abaixo. Tanto mais que há pontos positivos a retirar e são a pedra angular de 2022-2023.

– Ju Carrijo
Sentimos o que é ter a melhor. O prazer de ter uma jogadora deste nível a jogar na nossa liga potencia imenso o campeonato. Foi, de longe, a melhor distribuidora. Apesar de não ter concorrência para a posição, as suas performances foram sempre de alto nível. Será, certamente, quase impossível contratar alguém da mesma qualidade. Como já escrevi, foi um prazer.

– Dani Loureiro
Parece-me ter sido a melhor época de sempre da Daniela. Liderando a equipa na movimentação defensivas ou dando voz de comando de motivação, a nossa jogadora mostrou ser da “raça que nunca se vergará”. Espero, mesmo, que o Sporting CP e a Daniela Loureiro possam levantar uma taça a sério, idealmente a do campeonato.

– Bárbara Gomes, Aline Timm, Bruzza, Vanessa Paquete, Amanda Cavalcanti, Garcez, Daniana, Jady. Ora, ninguém faz primeiro lugar do campeonato, vence o SL Benfica, AJM/FC Porto, Leixões SC e tudo mais só com sorte. Na na na, quem andou a treinar, a esfalfar-se, a dar tudo o que tem e a entregar a alma tem nome. Não é porque correu mal o final que temos de ignorar o processo. Podemos assumir que devemos melhorar, mas ignorar? Seria indigno não perceber que a Bruzza, por exemplo, é das melhores zonas 4 do campeonato e a melhor a defender 6 na liga. A Paquete é uma leoa, não é um gatinho. A Paquete tem mais garra competitiva dentro dela que muitas inteiras da liga. A Amanda e a Jady foram de uma evolução técnica este ano quase impossível de imitar. A Bárbara Gomes ainda tem toda a minha esperança, aguardem.

– Rui Costa
Nós temos a sorte de ter o melhor treinador, melhor comunicador, o melhor defensor do Sporting CP e o melhor defensor do voleibol feminino. Há malta que diz que lhe falta qualquer coisa. A verdade é que têm razão, falta-lhe cabelo. De resto, saibamos nós continuar com o projeto e veremos os resultados. Se eu fosse treinador de voleibol de formação, eu colocava-as a ver um jogo nosso para aprender tática voleibolística.

– União interna
Eu critiquei a quebra de proximidade, mas é verdade que internamente a equipa manteve-se que nem uma rocha. Quem já esteve em equipas sabe que as derrotas abalam a confiança e a comunhão da equipa. Discussões públicas são sempre vistas. Aqui foi o inverso e isso é, sem dúvida, um motivo de orgulho.

Futuro
A equipa precisa de 3 contratações. Uma Oposto, uma atacante z4 e uma ou duas distribuidoras. Em relação às duas primeiras, uma delas tem de ser um animal pontuador. Alguém que, quando estamos a demorar a virar o jogo, peça bola e faça ponto. Duas distribuidoras é crítico para uma equipa candidata ao título porque, em algumas alturas importantes, uma mudança de pessoa, muda também jogos.

Fechou a época 2021-2022 e este foi o Bonito Serviço mais difícil de escrever, por isso demorei tanto tempo.
Força Sporting CP!
Força voleibol!

 

 

 

*quando vê uma aberta no meio campo adversário, o Adrien S. puxa a bola bem alto e prega-lhe uma sapatada para ponto directo.