Se estiveres de férias, esta é uma entrevista perfeita para leres entre mergulhos. Se não estiveres, tens que ler na mesma. Porquê? Porque, por vezes, tropeçamos em entrevistas que nos passaram ao lado e que nos desarmam pela sinceridade e frontalidade, e que nos deixam a pensar. Foi o que me aconteceu com esta entrevista ao Fábio Paím, ao Bola na Rede.

 

Bola na Rede: Estás na Polónia?

Fábio Paím: Sim, estou na Polónia.

Bola na Rede: Quantos graus estão aí?

Fábio Paím: Não sei. Não ligo ao frio. Nunca tenho frio [risos]. Diria uns 15 ºC. Está tranquilo.

[…]

Desculpa a demora.

Bola na Rede: Não faz mal. Como estás?

Fábio Paím: Bem, vêm aí coisas boas. Ainda não falei sobre isto publicamente e não quero fazê-lo enquanto não tiver certezas, mas acabei de receber um pré-contrato.

Bola na Rede: Vou respeitar. Ando atrás de ti há meses.

Fábio Paím: Só aceitei dar-te esta entrevista porque, embora não te conheça, gostei da maneira como me abordaram. Eu tento “ajudar-vos”, mas vocês, comunicação social, nunca me tentaram ajudar. Escrevem e dizem o que querem, sem direito ao contraditório. A entrevista é com imagem?

Bola na Rede: Não, apenas texto.

Fábio Paím: Senão vestia a camisola do clube.

Bola na Rede: Como te sentires mais confortável. Se achas que as entrevistas que já deste foram boas, espera até veres esta.

Fábio Paím: [risos] O Cristiano, não é? São frases que marcam a vida de uma pessoa, ainda por cima dito por ele.

Bola na Rede: Mantêm contacto?

Fábio Paím: Há muito tempo que não falamos, há muitos anos. As nossas vidas seguiram rumos distintos e tenho de ser sincero: o homem está noutro nível. Desencontrámo-nos e é normal; acontece com os amigos, também. Mas o carinho e o respeito mantêm-se.

Bola na Rede: Antes de avançarmos tira-me uma dúvida. Cresci a ouvir falar num jogo contra o Belenenses, em que fintaste meia equipa adversária – guarda-redes incluído – e voltaste para trás. Aconteceu ou é mito?

Fábio Paím: Aconteceu em vários jogos, inclusive contra o Benfica, em Alcochete. Eu era mau, era “chateado” e cresci com esse talento fora do normal de que as pessoas falam e ainda não apareceu alguém igual. É o talento, um dom, que tanto pode ser bom como pode ser mau. É difícil de explicar.

Bola na Rede: Vamos às tuas raízes. Os teus pais são angolanos, mas já nasceste em Portugal. Como é a tua relação com eles?

Fábio Paím: Do meu pai sou um bocadinho afastado, apesar de agora estarmos a criar uma ligação. Ele desligou-se de mim muito cedo. A minha mãe e o meu tio são os pilares da minha vida. São pessoas humildes, que trabalharam e trabalham muito. O meu tio foi quem sempre me acompanhou e era quem me levava aos treinos. A minha mãe, uma mulher de trabalho, é uma pessoa muito parecida comigo. Vieram muito cedo de Angola, por força da guerra, e vieram para trabalhar, como muitos africanos que vieram para Portugal nessa altura.

Bola na Rede: De que forma a cultura angolana se fazia sentir em tua casa?

Fábio Paím: De todas as formas que possas imaginar. As nossas raízes são de festa. É algo que sempre esteve comigo e que eu e a minha mãe adoramos; é por isto que digo que ela é a pessoa mais parecida comigo.

Bola na Rede: Onde moravam?

Fábio Paím: Em Alcoitão. Até hoje a minha mãe ainda lá tem a casa.

Bola na Rede: Continua a ser onde ficas quando vens a Portugal?

Fábio Paím: Não, mas vou lá muitas vezes. Quando vou a Portugal fico em Alvide, com a minha mulher e com os meus filhos.

Bola na Rede: A Associação Familiar e Desportiva da Torre era o clube mais perto?

Fábio Paím: Atualmente sim, mas antigamente era o Alcabideche, que já não existe. Agora é a Torre, o Fontainhas e outro clube onde o Hélder, que jogou no Benfica, treinou…

Bola na Rede: Talaíde?

Fábio Paím: É isso mesmo.

Bola na Rede: Chegaste a jogar na Torre?

Fábio Paím: Não, só joguei no Alcoitão, onde comecei. Depois fui logo para o Sporting. Joguei foi no Torneio da Torre.

Bola na Rede: Como foste parar ao Sporting?

Fábio Paím: Foi nesse torneio, onde nem sequer podia jogar porque não tinha idade suficiente. Tinha sete anos e não podia ser inscrito. Joguei com outra identificação [risos]. Estavam lá Sporting, Benfica e outras equipas de bom nível e eu joguei pelo Alcoitão. Foi quando o Sr. Aurélio Pereira me viu e falou com o meu tio. Perguntou-lhe se me deixava ir fazer testes ao Sporting.

Bola na Rede: O que é que o Sr. Aurélio Pereira tinha de especial?

Fábio Paím: Ao longe via um talento. Ele acompanhava estes pequenos torneios e sabia que os grandes craques vêm dos sítios com menos possibilidades. Quando me viu foi amor à primeira vista. A maneira como ele fala com as pessoas é diferenciada.

Bola na Rede: Lembras-te de alguém com quem tenhas jogado no teu primeiro ano de Sporting?

Fábio Paím: Lembro-me de todos. O Daniel Carriço, por exemplo, é um irmão. Apesar de não convivermos todos os dias é uma pessoa que, sempre que precisei, estava lá. É uma pessoa diferente, é “O Capitão”.

Bola na Rede: Onde vivias nessa altura?

Fábio Paím: Comecei a viver no estádio antigo, depois fui para a Academia. O Daniel chegou depois e, muitas vezes, era o pai dele que me levava para os treinos e para os jogos. Cheguei a ir com eles de férias para Montargil. Mas depois a vida, e a nossa cabeça, leva-nos para um lado e as outras pessoas vão para outro.

Bola na Rede: Podes contar alguma história dessa altura que nunca tenhas revelado?

Fábio Paím: Lembro-me de uma, também com o Daniel, em que estávamos a ir para o treino e íamos apanhar o comboio, em Cascais. Como ainda faltava algum tempo para o comboio chegar, lembrámo-nos de ir andando pelas praias até ao Monte Estoril e apanhávamo-lo mais à frente. Fomos andando e passámos por umas piscinas junto à praia; nesse momento veio uma onda e mandou-nos para dentro da piscina. A sorte é que estava muito calor.

Bola na Rede: Ires viver sozinho com 16 anos foi um passo maior do que a perna?

Fábio Paím: Eu não tinha noção do que era e do que poderia vir a ser. As pessoas falavam comigo, mas eu não dava importância. Pensava que só me queriam chatear, mas não. Não tinha alguém para quem olhasse e pudesse ter como referência.

Bola na Rede: Estreias-te como profissional em 2007, por empréstimo do Sporting, no Olivais e Moscavide. O que te disseram antes de seres emprestado?

Fábio Paím: Disseram-me que já não podia fazer parte da equipa de juniores porque estava a estragar o grupo. Mas foram eles que me criaram; a pessoa que sou hoje devo-o ao Sporting, para o bem e para o mal. Tudo o que consegui foi graças ao Sporting, onde cheguei com sete anos. Sou sportinguista até hoje, amo o Sporting e estou eternamente grato, mas não conseguiram acompanhar-me, a nível humano, na transição de miúdo para homem. Eles “fizeram-me” para ser profissional e eu estava preparado para jogar na equipa principal. Não aconteceu, por vários motivos, inclusive erros meus. Mas quem me formou foram eles. Voltando à tua pergunta, disseram-me que tinha de ser emprestado porque já não estava a fazer nada nos juniores. Na minha opinião, mais ninguém vai conseguir igualar o que eu fiz nos escalões de formação. As pessoas têm esta mágoa e eu também. Mas eu sou Sporting.

Bola na Rede: Quais foram as principais dificuldades que sentiste no futebol profissional?

Fábio Paím: Foram os mais velhos, que não queriam reconhecer o talento a quem chega. Mas, pela minha maneira de ser, eu não queria saber. Não admitia faltas de respeito. Sabes como são os mais velhos no futebol…eu com 17 anos já tinha um bom ordenado, se calhar infelizmente. Apesar de tudo mantenho boa relação com toda a gente e, para ser sincero, não senti grandes dificuldades na transição. A minha maneira de ser é que me dificultou em muita coisa.

Bola na Rede: Por falares em mais velhos, no Trofense coincides com o já veterano Idalécio. Há pouco tempo, disse-nos sobre ti Ele tinha de facto muita qualidade (…) mas faltou-lhe apoio”. Eram os treinadores que não te percebiam ou o contrário?

Fábio Paím: É muito difícil conviveres com jogadores e treinadores conceituados. Eu era uma criança com muita qualidade, mas com falta de muita coisa. O Idalécio, quando cheguei ao Trofense, era um capitão com muito nome e muita moral, mas era alguém diferente. É alguém mais velho, mas com espírito jovem. Convivi com a sua família, na sua casa e é um amigo. Havia quem não gostasse disso. Como te disse, eu era um miúdo imaturo que estava a chegar ao mundo dos grandes e eu próprio compliquei a minha vida. Queria divertir-me… os mais velhos também o faziam, mas de maneira esperta. Assumo sem problema: fui eu quem rebentou com a minha carreira, mas quem estava por trás não soube ajudar-me.

Bola na Rede: O Trofense acaba por ser campeão, mas tu mudas-te para Paços de Ferreira.

Fábio Paím: Fiz quase todos os jogos, joguei quase todos os minutos, marquei golos… fui muito importante na subida do Trofense. Mas o que sai nos jornais? Que não era profissional, que não era jogador para fazer a pré-época no Sporting, que era tudo de mau. Não faço os dois últimos jogos – a subida já estava garantida –, não recebo o título de campeão da Segunda Liga e vou para Paços de Ferreira. A minha pergunta é porque é que não faço a pré-época no Sporting? Porquê?

Bola na Rede: Nunca te foi dada uma justificação para não teres feito uma pré-época no Sporting?

Fábio Paím: Não tinham de dar-me justificação. É a mesma coisa que trabalhares numa loja: o patrão faz o que quer. A maior mágoa da minha vida é nunca ter tido uma oportunidade no Sporting. E as pessoas que não me deram essa oportunidade sentem-se culpadas.

Bola na Rede: Referes-te a Paulo Bento?

Fábio Paím: Não vou dizer nomes. Fui importante para o Sporting e vou ser sempre importante para o Sporting.

Bola na Rede: És agenciado desde que idade?

Fábio Paím: Fui agenciado desde os 15 anos.

Bola na Rede: Jorge Mendes foi sempre o teu empresário?

Fábio Paím: Não. O Jorge Mendes chegou depois.

Bola na Rede: É ele quem te leva para o Chelsea?

Fábio Paím: Sim. Isso só foi possível por ser ele o meu empresário. Não posso aceitar que seja normal estar no Paços de Ferreira, regressar ao Sporting e estar a treinar à parte e, depois, ir para o Chelsea.

Bola na Rede: Estavas a treinar à parte?

Fábio Paím: Eu, o Saleiro, o Tiuí, aquele guarda-redes grande que teve uma confusão com o Paulo Bento no balneário…

Bola na Rede: O Stojković?

Fábio Paím: Exatamente.

Bola na Rede: Então como se deu a mudança para Londres?

Fábio Paím: Soube pela minha mãe. Acordei e ela disse-me que estava nos jornais. Antes do senhor Jorge falar comigo, soube pelos jornais. Foi tudo muito rápido, tanto para o bom como para o mau.

Bola na Rede: Jogaste sempre pelas reservas ou ainda te estreaste pela equipa principal?

Fábio Paím: Treinava sempre com a equipa principal e jogava na segunda equipa. Não sei se as pessoas sabem, mas a segunda equipa não competia em campeonatos. Faziam-se uns jogos com outras equipas, mas funcionava sobretudo para os jogadores da equipa principal que não estavam bem jogarem. Era muito difícil de singrar. Se tinha qualidade para poder jogar? Tinha. Não quer dizer que fosse melhor que o Drogba ou que o Terry, mas treinava com eles e sabia que podia jogar àquele nível.

Bola na Rede: Foste treinado pelo atual treinador do Leicester, Brendan Rogers. Como era ele?

Fábio Paím: Grande treinador. Ele via mais além.

Bola na Rede: Gostaste?

Fábio Paím: Amei. Ele falava em espanhol e dizia-me “Fábio, eu não quero estar aqui. O meu lugar não é na equipa B. o meu lugar é ali, na equipa principal” e eu pensava “Este gajo é maluco”. Passado um tempo, o homem estava no Liverpool. Fico feliz porque ele trabalhou para isso. É merecido.

Bola na Rede: E como era a convivência com os craques?

Fábio Paím: Davam-me conselhos. O Paulo Ferreira, o Deco, o Bosingwa, o Ricardo Carvalho… todos me deram conselhos. A cabeça de um jovem quando não está boa… deu errado.

Bola na Rede: E o Scolari não te dava na cabeça?

Fábio Paím: Tínhamos pouca ligação, porque os resultados também não eram os melhores. Foi quando quis pôr o Drogba de fora e foi uma altura muito atribulada. Tinha maior ligação com os portugueses.

Bola na Rede: Mas é nesta altura que és chamado aos sub-21 de Portugal.

Fábio Paím: Estás bem informado… cheguei ao estágio da seleção quatro dias antes do primeiro jogo. Acabei o jogo das reservas pelo Chelsea e viajei logo para Portugal.

Bola na Rede: Lembras-te quem substituíste quando entraste em campo?

Fábio Paím: Lembro-me que eu estava com o número 10. Não sei se foi o Ukra ou o Candeias.

Bola na Rede: Foi o Candeias. Qual foi a sensação de vestir a camisola de Portugal?

Fábio Paím: Eu estive no Euro 2004 com os craques no Jamor. Fui a todas as seleções. Com 16 anos treinava com o Luís Figo, com o Cristiano. É difícil olhar para trás. Se atualmente ainda continuam a acontecer casos como o meu, com toda a informação que existe, imagina no meu tempo. Sou culpado e vou carregar este fardo para o resto da vida.

Bola na Rede: Para onde vais quando sais de Inglaterra?

Fábio Paím: Quando saí do Chelsea fui para o Massamá. Fui para a Segunda B. Tinha vários convites, mas acabei por assinar pelo Real um dia antes do fecho do mercado. Antes disto estava novamente a treinar à parte em Alcochete. Fui para a equipa satélite do Sporting, onde estava o André Martins, o Diogo Salomão… eram vários. Eu vinha de uma realidade diferente, de outro mundo; isso mexe muito com o psicológico. Infelizmente, não soube gerir as coisas.

Bola na Rede: O ego atraiçoou-te.

Fábio Paím: Não foi o ego. Eu sou uma pessoa muito tranquila. Se perguntares aos meus colegas vão dizer-te isto. Não falto ao respeito a ninguém. O meu ego é igual ao teu. O que mudou foi a minha cabeça. Sabes o que disse quando cheguei ao Real? “Vou fazer o que me apetece”. Depois o que acontecia? Ou não treinava ou chegava atrasado e “maluco”. Rebentei comigo.

Bola na Rede: O que fizeste depois de saíres do Real?

Fábio Paím: Estive parado dois ou três anos. Deixei de jogar.

Bola na Rede: Como ocupavas o tempo?

Fábio Paím: Sair, beber… só porcaria.

Bola na Rede: Mas conseguiste retomar a tua carreira.

Fábio Paím: Não foi fácil. Estive parado muito tempo, na vida louca. Eu era o Paím, era o “Rei”. Quando dei por mim, já estava numa situação complicada. Tentei voltar a jogar, mas já estava com peso a mais. Até que o Paulo Torres me deu a mão.

Bola na Rede: Foi quem te levou para o Torreense.

Fábio Paím: Sim, é um homem espetacular. Fiquei lá uns cinco ou seis meses. Pagaram-me tudo: casa, alimentação, ordenado. Até que o Primeiro de Agosto me contactou: era um contrato muito bom e tanto eu como o clube aceitámos. A partir daí foi sempre a descer.

Bola na Rede: Como era o futebol angolano?

Fábio Paím: Não tem nada a ver.

Bola na Rede: Então?

Fábio Paím: Outra realidade. Mas tinham muito dinheiro. O Primeiro de Agosto é o melhor clube de Angola e sabes como é: pessoas grandes, com outros interesses, por trás de clubes, mas o culpado é sempre mesmo. As pessoas não tentaram perceber o que aconteceu.

Bola na Rede: Sentiste-te mais português em Angola ou angolano em Portugal?

Fábio Paím: Portugal é a minha casa. No entanto, em Angola, não estava à espera de ter sido recebido como fui; não tenho nada a apontar e sinto saudades do país. Aliás, todos os países me receberam de braços abertos pela pessoa que sou.

Bola na Rede: Esperavas ter sido convocado para a CAN 2012?

Fábio Paím: Não. Peço desculpa aos angolanos, mas a minha seleção é Portugal.

Bola na Rede: Porque é que não deixaste que te operassem à fissura que tinhas no pé?

Fábio Paím: O que aconteceu foi o seguinte: quem me quis lá foi o Drulovic; ele foi despedido e foram para lá uns portugueses – não vou dizer os nomes, as pessoas sabem quem são – que começaram a impor o seu ego. Só que eu já lá estava. Num país onde nunca tinham estado, chegaram e arranjaram confusão. Entretanto já encontrei a pessoa – pela qual tenho o maior respeito pelo que fez no futebol português -, mas o ego dele prejudicou-me e quis emprestar-me.

Bola na Rede: Estás a referir-te a Carlos Manuel.

Fábio Paím: Emprestou-me ao Benfica Luanda e desculpem-me, mas se o Primeiro de Agosto já era mau, fui para um clube ainda pior. Foi quando tive a fissura, a que me queriam operar. E eu disse que não. Tinha dinheiro e disse que ia para Portugal e pagava os tratamentos do meu bolso. Quiseram rescindir comigo por justa causa por que fui para Portugal tratar-me. Vim embora sem nada, sem me pagarem o resto do contrato.

Bola na Rede: Apesar de tudo jogaste com alguns consagrados do futebol angolano. Como foi ser liderado pelo Kali?

Fábio Paím: Até hoje é o meu capitão. O rei de Angola, o rei da “banda”. É um Homem.

Bola na Rede: Ary Papel tinha qualidade para vingar no Sporting?

Fábio Paím: A primeira vez que o vi foi na bancada, num jogo da equipa B. A ele e ao Dala. Não tenho uma ligação íntima com ele, apesar de trocarmos umas mensagens. É o jogador tipicamente angolano. Em Angola é o rei, mas o futebol em Portugal é outra coisa. Tenho-o como um bom jogador, mas são realidades diferentes.

Bola na Rede: O regresso a Portugal para jogares no Clube Futebol Benfica foi um ato de humildade ou de desespero?

Fábio Paím: As pessoas não podem dizer que eu não tentei. Se devia ter tentado mais cedo? Sim. A idade é o melhor amigo do homem. Às vezes pergunto-me “Estou longe da minha mulher e dos meus filhos; será que vale a pena?” e fico chateado. Mas estou a fazer por mim. Já estou com 32 anos; vou jogar mais dois anos? Três? Mas estou na batalha. Quem conhecia a equipa onde estou? Quem? As pessoas só criticam. Quantos jogadores que jogaram no Benfica ou no Sporting hoje têm outras profissões? Digo isto com todo o respeito, porque eu também já trabalhei na Uber. Como é o Paím ninguém dá valor.

Bola na Rede: Por falar em valor, acredito que fosse alto o que foste receber no Qatar.

Fábio Paím: Fui para o Qatar, mas não joguei. Em Portugal disseram “mais um clube onde não vingou”, mas não foi assim. Fui para o Qatar fazer testes como, aliás, também aconteceu em Malta. Com 80 ou 90 kg. Quiserem ficar comigo, mas não me deram o que estava combinado. Então se estou num país que não conheço e não me pagam vou voltar para casa.

Bola na Rede: Como é que alguém com a tua personalidade se deu num país do Médio Oriente?

Fábio Paím: Aquilo tem festa a sério! Privadas, claro. Eu tenho sorte.

Bola na Rede: Nessa fase, um bom salário era mais tentador que um bom projeto?

Fábio Paím: Eu não peço um bom contrato. Peço só que sejam certos comigo. É pedir muito? E o que sai nos jornais é outra coisa. Por exemplo, dizem que aqui, na Polónia, tenho zero jogos e zero golos; é mentira! Já marquei golos e fiz assistências.

Bola na Rede: Corrige-me se falhar algum: Malta, Lituânia, Luxemburgo, Portugal, Brasil e Polónia. Disse todos?

Fábio Paím: Agora há mais um. As pessoas deviam olhar para mim de maneira diferente. Nunca fui bandido. Saí da cadeia há um ano e estou a trabalhar. É algo que acaba com a vida de uma pessoa. E em menos de um ano vou conseguir chegar à Primeira Liga, sem empresário, e as pessoas não vão valorizar.

Bola na Rede: De que país?

Fábio Paím: Não posso dizer.

Bola na Rede: Acompanhas o futebol português?

Fábio Paím: Não vejo futebol. O único clube que acompanho é o meu Sporting.

Bola na Rede: Incomoda-te seres usado como um mau exemplo?

Fábio Paím: Não, muito pelo contrário. Sei que em clubes grandes, nas academias, usam o meu exemplo como motivação. Fui um mau exemplo para mim, mas um bom exemplo para os que vêm.

Bola na Rede: O talento dos outros sempre te pareceu curto para quem conhecia o seu?

Fábio Paím: Tu já viste os meus vídeos na formação?

Bola na Rede: Claro.

Fábio Paím: Então deixa-me fazer-te um desafio: sei que o entrevistador és tu, mas do que viste – e foi pouco, porque antigamente não era como hoje, em que se tem acesso a tudo – achas que houve alguém com mais qualidade do que eu?

Não vai aparecer alguém igual. Quando digo a verdade dizem que sou arrogante. E nem joguei pela equipa principal do Sporting.

Bola na Rede: Numa dimensão diferente, também se diz de Quaresma que, com outro compromisso, podia ter tido outra carreira.

Fábio Paím: O que é o que o Quaresma podia fazer mais? Só ser o melhor do mundo. Fez uma carreira de sonho: campeão da europa por Portugal, jogou no Barcelona, no Inter… o que é que podem pedir mais ao homem?

Bola na Rede: Qual foi o momento mais alto da tua carreira?

Fábio Paím: Não sei responder-te a isso. O meu sonho era ter jogado pela equipa principal do Sporting e acabei comigo por não ter conseguido. É algo que vou levar comigo para sempre. O capitão do Sporting era para ser eu. O número sete naquele estádio. Vou tentar conviver com isto.