Durante 45 minutos, o Sporting meteu o anunciado campeão no bolso dos trocos, alcançando dois justíssimos golos de vantagem. Depois, num desfilar de erros técnicos e tácticos, permitiu ao adversário crescer e ir sacar um empate que deixa os Leões sem margem para sonhar com a pré da Champions 

Não foi fácil chegar a Alvalade, e perceber que, quase do outro lado do campo, alguém tinha dado ordem para quem um sector extra fosse oferecido aos adeptos adversários. Dei por mim a pensar, que tudo aquilo ia muito além da triste ideia que foi emprestar o cartão de sócio a um amigo lampião ou vender o lugar a outro, algo que se viria a confirmar quando, passadas quase duas horas, foram abertas tochas vermelhas à descrição na central e na lateral, com a complacência da polícia, noutras alturas sempre tão pronta a arrear, e com o rápido lavar de mãos do Sporting através de um comunicado.

Imagens como estas, diminuem ainda mais a jaula em que o meu coração Sportinguista anda enfiado, pedindo sempre um esforço extra para seguir em frente. Veio a homenagem ao velho Manel, e o coração volta aos tempos de menino, em que as camisolas eram listadas nas costas, numa viagem ao ritmo de palmas que recebem capitães de várias gerações e que conduz a um sentido e libertador cantar da Marcha, que é a de todos nós e como que embala a equipa para uma enorme primeira parte.

Ugarte e Morita são verdadeiros monstros, fazendo, à vez, 70 metros para a frente e para trás, pressionando, roubando, construindo, jogando. Que 45 minutos impressionantes fizeram, esmagando Chiquinho e Neves, empurrando o benfica cada vez lá mais para trás, incapaz de sair da pressão e incapaz pressionar as saídas em futebol apoiado do Sporting.

Nas bancadas, a mancha verde era um todo há muito tempo desaparecido de Alvalade, capaz de ir buscar os cânticos em que se exulta o Sporting. E como isso faz bem ao coração… No relvado, Esgaio parecia transfigurado, com Porro a vê-lo na bancada, o miúdo Israel com uma frieza impressionante, os centrais sem medo de ter a bola até à última, Nuno Santos a ganhar cada vez mais espaço nas costas da defesa, Pote a descer várias vezes e bem, para dar ainda mais superioridade no meio (coisa que, do outro lado, o sonoramente assobiado João Mário nunca conseguiu fazer), Edwards a ser garantia de que a bola nos seus pés é levada para a frente, Trincão a fazer do esforço uma arma para compensar não saber se referência ofensiva.

Desse esforço, já depois de Esgaio, à bomba, ter queimado as luvas a Vlachodimos, e de Pote ter feito rir à gargalhada o fantasma do Bryan Ruiz, resultaria o primeiro golos dos Leões.

 

Os riffs de guitarra dos The Strokes a saltarem-te do peito, aquele abraço em que cabem quatro, cinco e os que se quiserem juntar, repetido cinco minutos depois, quando Diomande enviou Grimaldo para a Alemanha e a bola para dentro da baliza.

 

 

O resultado encaixava perfeitamente no que se via no relvado, e mandava as equipas para o intervalo com a certeza de que alguma coisa o sonso mister lampião tinha que fazer. João Mário ficou a chorar no chuveiro, Frederik Aursnes deixou de ser defesa direito e o benfica ganhou um gajo capaz de pressionar algo e de recuperar bolas.

Na resposta, Amorim chamou Paulinho e, quando se pensava que ia sair Trincão, saiu Marcus Edwards. O Sporting assumia jogar mais atrás, procurando um futebol mais directo e o aproveitamento do subida dos encarnados. O problema é que, sem Edwards, o Sporting deixou de ter quem transportasse a bola. O facto de, em toda a segunda parte, ter sido Ugarte o único a conseguir levar a bola colocada ao pé por ali fora, faltando-lhe o oxigénio no último passe, é exemplo disso mesmo.

Trincão, sem pulmão, nem atacava nem defendia na nossa ala direita. Pote também estava a passar ao lado do jogo, o que fazia com que a equipa leonina ficasse completamente partida, com a agravante dos defesas, na maioria das vezes, não perceberem que já não dava para jogar curto e sair em futebol apoiado (alguém diz a esta gente que, tantas vezes, uma charutada na bola é a coisa mais bonita do mundo?!?). Nas bancadas, os cânticos pelo Sporting davam lugar ao desconforto dos cânticos à desgarra, sempre visando o nome do adversário. E também isso faz diferença.

O primeiro golo do benfica acaba por ser algo que se sentia poder acontecer, com a defesa a ficar muito mal na fotografia, já depois de Israel ter feito duas boas defesa. Depois veio o remate de Morita, por cima, vieram substituições que ninguém percebeu (sai Morita, sai Nuno Santos…), e veio aquele falhanço de Paulinho quando só tinha o redes pela frente e podia decidir o jogo. Tudo isto com Fatawu novamente sem sair do banco, tudo isto enquanto o meu coração se ia acomodando novamente na jaula e ainda me invadia o cérebro com lembranças de um 2-2 na luz, arrancado no final com golo de Jardel.

Vieram os oito minutos de compensação (vá lá saber-se porquê), veio a confirmação de que estavam menos de 40 mil espectadores em Alvalade (nem um jogo acima dos 40 mil para o campeonato, mas continuamos a bater no peito com os recordes de bichética), e veio o golo do empate, num lance que devia ter sido anulado por fora de jogo, que acaba com as esperanças de chegar ao terceiro lugar e que, no fundo, acaba por ser um castigo para a forma como foi preparada e gerida esta época. Enquanto isso, o meu coração despedia-se de Ugarte e voltava para a jaula, à espera de novas esperanças que o façam voltar a sentir-se livre.