Tudo o que Gyökeres trouxe de novo, esteve quase a ser traído por pecados e traumas antigos, da lentidão de processos à gestão confusa da equipa a partir do banco. Valeu um clássico golo redentor, em cima do apito final, com Paulinho a fazer de Coates quando o gigante uruguaio também já estava lá na frente

Há sempre uma magia qualquer no dia em que o campeonato recomeça, e em que voltas a vestir a camisola para ir apoiar o Sporting. Isso sentia-se no ar, mais cá fora do que lá dentro, que o ambiente em Alvalade está para durar naquele modo “banho maria” que apoquenta quem aprendeu a ir à bola em tempos que lá vão, mas que não impede um pai de interromper as férias e de chegar quatro horas mais cedo para que a filha possa vestir a nova camisola com o nome de Gyokeres gravado nas costas.

Tenho a certeza, aliás, que o sueco, nome mais estampado numa loja verde à pinha, foi um dos motivos que levou a que a lotação de Alvalade tivesse esgotado em véspera do Sporting vs Vizela. Não sei o que significa esgotar, que o número não foi divulgado, mas partindo do princípio que estamos a deixar de fora os lugares dos visitantes e os convites, apontamos para os 47 mil. Segundo os números oficiais, estiveram 37 mil nas bancadas, o que significa que cerca de 10 mil gameboxes (um terço das vendidas) não ocupou o seu lugar (eu tinha pelo menos uns 20 por ocupar, em meu redor, na sul).

Gyo não só não se intimidou com o facto de ser a estrela da companhia, como fez questão de ser a atração principal, marcando dois golos em dois minutos. O primeiro, aos 14, num tratado do que é ser um ponta de lança, usando o calcanhar direito para tirar dois centrais do caminho, antes de disparar cruzado com o pé esquerdo; o segundo, numa pressão alta exercida por si mesmo, ignorando o manual de ser associativo quando muito boa gente dizia para ele meter a bola no Pote, e partindo para cima dos defesas, puxando para o direito e rematando em arco, junto ao poste. Loucura instalada nas bancadas, só faltando um cântico para o sueco (não sei que raio disseram ao Botas para fazer, mas a música que foi lançada nestes dois golos podia funcionar, bastava trocar “Sporting” por “Viktor”).

Esses dois golos eram o corolário para uma belíssima entrada em campo, com ameaças a surgirem tanto através de bolas paradas (e tantas que foram, para nem uma acabar lá dentro), como de lances em que o futebol apoiado vindo dos pés de Morita e de Bragança não davam espaço ao Vizela para sair do seu meio campo. No centro de tudo isto, o avançado sueco, dando mostras de ser capaz de destruir os centrais nos duelos directos, de ganhar a profundidade na passada larga, de criar espaços para toda a equipa com as diagonais sempre feitas com critério, de estar pronto a assistir com mestria, como faria para o remate de primeira de Bragança, já perto do intervalo e já quando o Sporting tinha tirado o pé do acelerador e deixado o Vizela começar a jogar e a aproximar-se da área.

Pode dizer-se que houve um novo Sporting, sempre às cavalitas de Gyo, durante 25 minutos. Depois, aos poucos, foi voltando aquele Sporting que parece ter medo de jogar para golear, que não sabe gerir vantagens, que comete erros infantis e oferece golos aos adversários quando o jogo deveria estar controlado.

Foi precisamente isso que aconteceu ao longo da segunda parte, uma penosa segunda parte, quase tão penosa quanto a exibição de Trincão, a entrada em frete de Edwards, o estou aqui mas nem sei bem a fazer o quê de Pote, os disparates consecutivos de Amorim a partir do banco.

A saída de Bragança, ao intervalo (parece que a pancada que levou na cabeça não o deixou propriamente bem), fez recuar Pote para o lado de Morita, surgindo Edwards como companhia para Gyo e para Trincão na linha mais ofensiva. Acontece que o inglês foi uma nulidade, Trincão uma nulidade foi, e Pote juntou à inoperância ofensiva a ausência de divisão de trabalho que Morita vinha encontrando em Daniel Bragança.

Amorim parecia estar a ver um jogo diferente, e quando chamou Esgaio para ocupar o lugar de lateral direito em vez de tirar Trincão e colocar Geny como extremo, tirou mesmo o puto. Passaram mais dez minutos, Adán defendeu uma bomba adversária, e Amorim resolveu inventar: saem Trincão e Matheus Reis, entram Paulinho e Afonso Moreira (depois de Fatawu e de Geny, mais um extremo que corre o risco de arder no azar de apanhar um treinador estruturado, sempre pronto a colocá-lo fora de posição).

O desenho táctico do Sporting mudou completamente: Esgaio estava mais fixo, Diomande e Coates ao meio, Inácio era uma espécie de defesa esquerdo para permitir que Moreira fosse um ala mais virado para o ataque. Da bancada, via-se perfeitamente o desenho, um 4-4-2 que muitas vezes eram 4-2-4, com Paulinho a posicionar-se junto a Gyokeres, pressionando a saída de bola do Vizela.

Deu merda a 15 minutos do final, quando Morita não conseguiu ser 8 e ser 6, quando a bola foi metida entre Coates e Diomande, quando Adán travou a meio a saída da baliza e depois teve azar no ressalto da bola. 2-1. Logo a seguir, o inacreditável: passe à queima de Coates, Afonso perde a bola, o Vizela sobre pela direita e a bola é metida ao segundo poste, onde Diomande não consegue evitar o empate (Esgaio ainda vinha a correr em modo Esgaio, para fechar como devia fechar).

Estava ali tanto de mau que se havia visto na época passada e que, segundo o presidente, estava a ser corrigido desde Março, altura em que, supostamente, se começou a preparar esta nova época. Entrámos em modo desespero, com o extra do rapaz do apito ter a escola toda na arte de irritar (como é possível o Vizela sair de Alvalade sem cartões?!?), e isso quer dizer que a Gyo e Paulinho veio a juntar-se Coates, iniciando o Sporting um bombear de bola para a área, à espera de um milagre, que viria a acontecer no último minuto dos oito de desconto: charuto lá para cima, Gyo vai à luta e ganhar, Coates vai à luta e atrapalha, o defesa corta para o meio da área e a bola encontra o pé de Paulinho pronto a despachá-la rumo ao pé do redes, apanhado em contramão e incapaz de impedir o grito de alívio vindo das bancadas.

Terminava assim a partida, que, na minha cabeça, chegou a ter como banda sonora uma animada canção dos suecos Ace of Base, passou a ter como banda sonora um “hate to sai i told you so” de outros suecos, os The Hives, e terminou a som de um Skinny Love, que de sueco nada tem, mas que nos lembra algo que ficou visível novamente: quando um amor só é alimentado por um dos lados, torna-se magro, desnutrido. Se deixas que essa memória se sobreponha às esperanças de uma nova relação apaixonada, então o mais certo é lixares tudo aquilo que de bom pode estar à tua espera. E é isso que o Sporting me ofereceu no primeiro jogo da época.

 

Come on, skinny love, what happened here?
Suckle on the hope in light brassieres