A frase que mais ouvimos o ano inteiro no futebol cá do burgo é, sem dúvida alguma, “temos de prestigiar o nosso futebol”. Há umas 14 ou 15 variações desta mensagem, mas no essencial dizem o mesmo: os agentes do futebol devem proteger a indústria e o espetáculo, adoptando condutas e procedimentos que reduzam o imenso ruído provocado pelas polémicas e suspeição, privilegiando uma imagem positiva que atraia espectadores, investidores e assim fazer crescer o sector. É tudo muito bonito, mas os mesmos que dizem estas frases são precisamente os mesmos e os primeiros que não a cumprem, desconfio que nem têm qualquer vontade de o fazer.

Ultimamente parece que todos os problemas do desporto-rei nacional se resumem às trocas de palavras entre sportinguistas e benfiquistas. E a solução apontada é sempre a mesma: devem calar-se. Qualquer pessoa de bom senso saberá que quando existe um contencioso, a solução nunca advirá das partes cessarem a sua argumentação, mas sim a existência de mediação e uma atribuição de razão ou falta dela. Aqui reside o verdadeiro e grande problema do nosso futebol – a completa inexistência de liderança e independência das instâncias reguladoras. Quando o árbitro, a parte neutra, o elemento que defende o equilíbrio entre partes não se impõe…o sistema entra em convulsão, com cada uma das facções a lutar por não perder o seu território e influência, muitas vezes até tentando conquistar mais do que lhe seria suposto.

É esta luta incessante, sem qualquer tipo de tréguas que impede o crescimento desportivo e económico do nosso futebol. É este o problema que está na origem da maioria dos males que nos destroem os sonhos de verdade e de honestidade, que nos retira a crença de que o melhor vence e que o melhor é o que compete com mais qualidade e regularidade. Não é o que gasta mais dinheiro, nem o que agrada mais aos empresários e muito menos o que garante aos árbitros mais vantagens paralelas. Sejamos honestos, casos como o Apito Dourado, as “malas carregadas”, os vouchers, os golpes de asa de PPC, as viagens da Cosmos, as batalhas dos túneis, tudo isto só aconteceu porque a FPF, a Liga e o Governo de Portugal lavam as mãos de forma contínua na hora de castigar severamente os clubes. “To big to punish” é a frase que mais me ocorre e a mesma se aplica ao longo da história do nosso país noutros ramos, noutros sectores, noutros contextos económicos e sociais.

Muitas vezes olho para os programas de tv e para as notícias que surgem nos desportivos online e vem-me sempre à memória uma imagem de três bebés chorões a fazerem uma birra ao mesmo tempo e a tentarem roubar as chuchas uns aos outros, sempre a tentarem descobrir novas formas de dissimulação, controlo e agressão. Onde está a mãe? Onde está o pai? A avó…o tio? Algum adulto que seja? Nada. Estas crianças estão sozinhas e crescem sem aprender regras, sem noção de que se pararem de roubar as chuchas uns aos outros, vão descobrir que já nem sequer precisam delas. Infelizmente vejo longe esta mudança de paradigma. Infelizmente acho que o poder dos três grandes é cada vez maior, e quanto mais poderosos ficam, mais definha a autoridade de quem se devia achar (de plena justiça) superior (em responsabilidade) a estes.

O que vejo é um Direção da Liga, uma Presidência da FPF, uma tutela do Governo sistematicamente fantoches da criança que no momento coleciona mais chuchas. O sistema de eleição das instâncias desportivas é uma completa farsa, uma repartição de cargos e interesses pelos vários lobbies dos clubes…parindo à partida uma liderança já inexistente e totalmente comprometida com as facções em causa, já “amarrada” para mais um mandato sem poder, sem vontade de mudar o que deve ser mudado, sem capacidade para acabar com o que funciona mal e instituir o que é mais justo para todos. Apenas nos assuntos onde existe unanimidade é possível por a mão, o que digamos é 2% do total. No que verdadeiramente interessa alterar, os clubes não se entendem, ou porque um acha que é mau para o seu caso particular ou porque será mais vantajoso numa primeira fase a outro, a verdade é que assuntos como a centralização dos direitos de TV, regras que limitem a contratação de jogadores estrangeiros, a remodelação dos quadros competitivos e de formação, as regras que definem os jogadores emprestados dentro da mesma liga e partilha de passes, a limitação e definição do papel dos empresários no nosso futebol, o controle do endividamento dos clubes, o controle dos processos de transferências, a transparência da classificação e formação na arbitragem, a celeridade da Disciplina e Justiça…tudo isto – e é quase tudo o que importa – está parado, avança 1 cm, para recuar 1m, estagna no poder inexistente de quem deve sugerir, debater, decidir e implementar.

O egoísmo, a vista curta, a saloíce primária, a imaturidade dos dirigentes do nosso futebol é gritante. O nível é tão baixo e tão podre, que qualquer um se pode achar competente para ascender a presidente de um clube importante no nosso mapa desportivo. O que deveria ser um apogeu na experiência de uma vida profissional, a meca de uma visão filantrópica da sociedade não passa de uma aventura nos futebóis, um passo para outros voos, um pezinho na dualidade política-futebol, o melhor spot possível para conquistar peso mediático e imunidade empresarial. Iranianos e chineses, italianos e…Mendes, muitos já se aperceberam da fragilidade tremenda que muitos clubes atravessam, da facilidade com que se “vendem” a qualquer um que apresente promessas de dinheiro e jogadores. As apostas, o entra e sai de atletas, a vulnerabilidade dos dirigentes em fazer o que querem sem contestação, a pressão de um negócio de milhões nas mãos de quem vê apenas centenas…o quadro é assustador e ninguém se alarma com a origem dos problemas, preferindo colocar-se nas mãos da PJ para resolver os casos depois de já terem sido feitos os estragos na competição.

Por tudo isto e muito mais, que me faltam provas para poder julgar, acredito profundamente que o futebol português só mudará quando os hipócritas dirigentes dos clubes e das entidades como a FPF e Governo de Portugal decidirem que chegou essa hora. Quando optarem pela honestidade e dureza de castigar severamente comportamentos anti-desportivos, de punir exemplarmente todos (e não só os que dá mais jeito) qualquer um que conteste a autoridade de quem deve ter autoridade, só então existirá um modelo de respeito e equidade. Esqueçam os apelos, os conselhos, as reuniões e as assembleias, é tudo um teatro, a mudança do nosso futebol terá de ser feita com paus e pedras, a ferro e fogo, custe o que custar, doa a quem doer. Não advogo uma ditadura federativa ou estatal, os regulamentos são para cumprir e a democracia é para respeitar, mas a não subserviência muitas vezes é conquistada de forma bruta. Cara-feia e assertividade são muitas vezes a melhor forma de fazer ver a uma criança birrenta e mal educada que não pode, não deve e não repetirá maus comportamentos. Se mesmo assim persistir no braço-de-ferro, que lhe tirem a chucha…o castigo justo e no tempo certo educa e nunca fez mal a ninguém. E espantosamente…funciona.

Que sobrem os que forem capazes de sobreviver num modelo de competência e responsabilidade, numa meritocracia real de talento. Que caiam os que apenas subsistem pois são mestres na arte de contornar regras e só ascendem controlando a concorrência, calando as críticas e criando um mar de insegurança à volta da sua suposta solidez, tantas vezes alicerçada na vontade de muitos “senhores” em andar ao beija-mão e ao sabor dos consensos que lhes permitem sobreviver sem contribuir para qualquer tipo de melhoria ou inovação.

*às quartas, o Leão de Plástico passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca