Vou desta vez fazer uma posta clássica. Tempero q.b., e nada dessas nouvelle cuisine, e cozido à lá Portuguaise, avec le prix au même niveau. Nem natas nem nada … Adiante.
Uma das coisas que mais me irrita, são as referências que nós temos na cabeça, e o facto que o mais simples processo de associação de ideias e imagens das tv’s que por cá se veem trazem, e depois o que desta colagem surge … até a mim surpreende. Vou dar dois desses exemplos.
Referência nº 1.
Aqui há anos havia uma publicidade de um detergente de roupa que dizia algo como “é bom sujar-se”… E foi nesse mesmo tempo que vi publicidade a essa mesma marca de detergentes nas camisolas da formação de um clube de rugby… pensei que não haveria publicidade mais acertada que aquela, a não ser uma companhia de seguros de acidentes pessoais.
Referência nº 2.
Uma outra dessas referências cruzadas que me acodem às vezes, é o facto do nosso Nobel da literatura ter dito em A História do Cerco de Lisboa: “… e para a caça, se não havia à mão arco ou besta, tinha o caçador de acercar-se aos braços do urso ou aos galhos do cervo ou aos dentes do javardo, hoje o que ainda conserva parecenças com tão arriscadas aventuras é a corrida de touros, os toureiros são os últimos homens antigos.”.
Ora às vezes vejo os nossos pequenos todos sujos de lama, e alguns com umas mazelas e cortes, no fim de jogos ou treinos mais puxados… e só me lembro dessas referências… Olho-os e vejo a coragem do jogador de rugby, essa Coragem nada fica a dever na comparação nesta citação, ele tem mesmo que se acercar ao adversário, e com as mãos nuas derrubá-lo, e ganhar a bola e passá-la, sem truques… só com a sua Coragem, e a sua Honra … em cada um deles, e em todos por conjunto, eu vejo isto.
Por estes dias, ao ver os nossos meninos, e meninas também, relembrei os cavadores, os trabalhadores rurais, os camponeses, que trabalhavam de sol a sol, pelo sustento, e pelo orgulho do trabalho bem feito. Nos nossos meninos e meninas, as mãos sujas de lama, a roupa igualmente, o suor e os cortes são uma homenagem a esses Homens e Mulheres, ao trabalhador castigado pela chuva e pelo Sol, pelos anos que passam, mas que não lhe verga a Vontade, nem o Orgulho no fazer bem. Tanto nuns como nos outros, nos nossos meninos e meninas, sentir a sua Alma cheia de gratidão e de Alegria, por mais um dia, por mais um jogo, por mais uma vitória. E aquele abraço no fim do jogo … aquela palmada de agradecimento … como quem diz: “Obrigado por teres estado comigo”.
Neste desporto, os nossos pequenos rugbymen são verdadeiramente dos últimos Homens Antigos!
*às quintas, o Escondidinho do Leão aparece com uma bola diferente debaixo do braço, pronto a contar histórias que terminam num ensaio
15 Dezembro, 2016 at 12:06
No desporto de equipas devem ser com toda a certeza!…. porque depois há o Sumo e coisas assim 🙂
Grande texto!
15 Dezembro, 2016 at 13:06
Ganda chapa, Cherba 🙂
Thanks.
15 Dezembro, 2016 at 15:27
Está aqui um belo texto! Parabéns!
Esta posta merecia mais comentários. Deve ser frustrante escrever para uma audiência tão pequena. Digo eu.
Keep Going.
15 Dezembro, 2016 at 17:54
O facto de ter poucos comentários não quer dizer que a audiência é pequena… Eu costumo ler e aplaudir de pé e nem sempre comento por exemplo…
16 Dezembro, 2016 at 9:48
Isto. Também não costumo comentar mas leio.
O Cherba deve ter os dados relativamente ao número de leitores.
16 Dezembro, 2016 at 10:28
Não é frustrante de modo algum, é um prazer.
Escrever sobre rugby, sobre a evolução dos nossos pequenos Leões, e sobre o nosso Sporting nunca, mas nunca seria frustrante.
O meu objectivo, foi de dar a conhecer uma realidade que passa um pouco ao lado da maioria dos nossos adeptos. E despertar nesses adeptos a curiosidade de ir ver, experimentar, levar crianças e mais público para o jogo oval.
Mas sei que o nosso Universo verde e branco é imenso, e nós (eu) somos apenas e só um pequeno planeta oval, e bem estranho à primeira vista 🙂
Enquanto o Tasqueiro me aturar, cá estou, é uma missão e um prazer.
O meu obrigado.
15 Dezembro, 2016 at 16:13
Mannnn tu continuas a escrever de uma forma brutal…
Nota-se a paixão pelo que escreves
Keep it going,
SL
15 Dezembro, 2016 at 16:19
enorme texto. Muito obrigado
15 Dezembro, 2016 at 16:40
O contraste entre os bravos do râguebi, que resistem e lutam até ao limite, que não se mandam para o chão a gritar porque alguém lhe tocou com a ponta das unhas e que mesmo lesionados por vezes fingem não o estarem para não saírem e as florezinhas mal habituadas que se sentem alguma espécie de dor, mesmo fora do rectângulo se arrastam lá para dentro para que pare o jogo e com isso conseguirem que o estádio inteiro fique parado à sua espera, é de uma diferença gritante.
Então quando os árbitros são coniventes como é o caso de quase todos em Portugal é deprimente aquilo que se vê. Ainda por cima a deslealdade e a mentira são apelidadas de “esperteza”. Muito tem o futebol, principalmente os seus responsáveis a aprender com o râguebi.
15 Dezembro, 2016 at 16:47
Muito…
E acabar com a interrupção para as assistências médicas, era uma delas…
15 Dezembro, 2016 at 17:22
“…Vou desta vez fazer uma posta clássica. Tempero q.b., e nada dessas nouvelle cuisine, e cozido à lá Portuguaise, avec le prix au même niveau. Nem natas nem nada…”
O que me pareceu, foi que o amigo Escondinho quis dizer que não ia falar de “mariquices”…
Fez depois uma referencia que achei também interessante que relembrasse “… os cavadores, os trabalhadores rurais, os camponeses, que trabalhavam de sol a sol, pelo sustento, e pelo orgulho do trabalho bem feito…”
E num repente, veio-me a memória o meu saudoso pai (com ele aprendi a ser sportinguista…), que era trabalhador rural (e daqueles que não faziam “batota”…), dando tudo aquilo que tinha e não tinha…em troca de um mísero salário…
para que o pão nunca faltasse à nossa mesa…
Lembrei-me de respigar um texto nas “Minhas Memórias”, em que precisamente falo do trabalho no campo, mais precisamente, da preparação da terra para plantar as vinhas…:
“…”Trabalhar a terra dura”
Um dos trabalhos mais difíceis a que eram sujeitos os homens no meu tempo de miúdo, era o de trabalhar na cava dos alqueves.
Os alqueves eram mantas muito profundas, feitas normalmente em terrenos difíceis, muitas vezes constituídos por arenitos, as chamadas surraipas, ou terrenos argilosos.
Os homens, às vezes em grupos de cinco ou seis ao mesmo tempo, “abancavam” a cavar ao som do mandador.
O meu pai como tinha jeito para esse serviço, pelo qual recebia mais uns tostões, era normalmente mandador nos alqueves para onde ia trabalhar.
Ele ia mandando os colegas que ao som da sua voz, iam fazendo cair com força as “enxadas calheiras” sobre o terreno difícil (a enxada calheira era diferente das normais enxadas ou sacholas, enquanto estas eram feitas de uma peça direita, as calheiras eram constituídas por uma enxada cortada formando uma espécie de dois dentes tipo cunha, um de cada lado do corpo da enxada que acabava no olho, onde era metido o cabo.
Esta forma da enxada, mais grossa que as enxadas normais, permitia que a mesma se enterrasse mais funda num terreno geralmente de difícil execução, por se tratar de arenitos ou terrenos argilosos, como já atrás referi).
“Vai abaixo” …dizia o mandador, e todos à uma depois de levantarem ao alto as enxadas, as faziam de seguida cair ao mesmo tempo, cortando o chão e enterrando-se melhor ou pior com um som surdo mas certo, ao embaterem no terreno.
“Puxa atrás”… e todos certinhos puxavam as enxadas com o chão, para a parte de trás junto aos respectivos pés.
“Outra vez” …e todos ao mesmo tempo voltavam a fazer ouvir o som cavo das enxadas a enterrarem-se no chão duro.
“Puxa atrás”… e lá se iam puxando as enxadas com o que cada uma trazia de chão.
“E vai à frente”… e mais uma vez certinhos, todos enterravam as enxadas e depois voltava à mesma voz de puxa atrás… até que a manta fosse afundando e o terreno ficasse preparado para que mais tarde nele se pudessem plantar os bacelos, que depois de enxertados nos garfos de
Fernão Pires – popularmente chamado de “farrampil”, ou do “trincadeiro”, de que mais tarde se faria o bom vinho branco ou tinto, que era por esse tempo uma boa e quase única fonte de rendimento, para os possuidores das vinhas.
Quando finalmente a manta se encontrava limpa, era o tempo de avançar no terreno e o mandador voltava a ordenar: “Siga ao lado e vai à frente”… e todos ao mesmo tempo davam um passo ao lado e …”vai abaixo”… e todos descarregavam de seguida certeiramente, as enxadas no terreno seco à sua frente.
Trabalhar nos alqueves, era um serviço extremamente duro muito em especial para os mandadores, pois se já era difícil cavar um dia inteiro desde manhã ao sol-pôr, mais difícil se tornava a quem para além de ter de cavar tanto quanto os outros, ainda se via obrigado a falar um dia inteiro a marcar a cadencia dos cavadores, quando possivelmente nem lhe apeteceria abrir a boca.
De vez em quando o patrão lá dava ordem para uma ligeira paragem, para que o barril da água ou da água-pé, rapidamente fosse passando por eles, para que molhassem as secas gargantas, antes de recomeçarem no duro trabalho do alqueve.
Havia mandadores como por exemplo o meu pai, que ordenavam a cava fazendo-o em verso, recordo quando ia com a mãe levar o jantar ao pai e enquanto esperávamos que o patrão desse a ordem de “desapegar”, como eu ficava fascinado com aquela lengalenga, que sobressaia do som abafado das enxadas a enterrarem-se no chão, quase sem que se desse pelas pequenas diferenças do tempo de reacção de cada cavador, obedecendo à voz do mandador.
Algumas vezes existiam duas mantas, uma que vinha atrás e outra que seguia à frente. Os cavadores que vinham na manta atrás davam tudo o que podiam para apanhar os da frente e estes por sua vez, suavam as estopinhas para não se deixarem apanhar, tentando por sua vez distanciar-se o mais que fosse possível.
Deste cavar ao desafio apenas havia um ganhador, era o patrão que acabava por se aproveitar deste esforço disparatado, feito quase para além das possibilidades físicas de cada homem, adoçando-lhes a boca de vez em quando com mais uma pinga.
Quando chegava a noite e já com o escuro caindo sobre as casas da aldeia, lá passavam os homens pela adega do patrão para um último copo de vinho às vezes já meio azedo, antes de rumarem a casa para a ceia, seguida de algum descanso nos duros colchões de capelos (os capelos eram as folhas que cobriam as maçarocas de milho e que depois das descamisas – que era o acto de soltar as espigas de milho da sua cobertura, eram usadas para encher os colchões), para na manhã seguinte, ainda antes do sol nascer se levantarem, comerem uma bucha, passar pela adega do patrão para matar o bicho e recomeçarem mais um dia inteiro de trabalho, a que outro se seguia numa interminável cadencia, que se repetia semana a semana …”
Desculpem abusar da vossa paciência…mas diga-me lá o amigo “Escondidinho” se cavar…não daria tamém um bom treino para o Ragby…e quicá…
Para uma equipa de futebol de onze…!!
Abraço e SL
15 Dezembro, 2016 at 21:37
Caro Max.
Do que escreveu, tanto me lembra a minha infância… mas tem razão, o orgulho e esforço de uns está nos outros. E o não fazer batota.
Um abraço
15 Dezembro, 2016 at 22:09
Que excelente descrição do trabalho duro que os homens que trabalhavam a terra de sol a sol para poderem trazer o pão para casa.
O meu pai contava-me o que passou também nessa vida, nestas terras férteis mas duras do Oeste onde à força de braços de homens de pele curtida pelo sol e pelo vento se surribavam terras para vinha.
15 Dezembro, 2016 at 22:31
Pois é amigo… no pós 25 de Abril de 74…
Deu-se muito enfase à exploração dos rurais alentejanos e ninguém valorizou o também quase ” trabalho de escravo” a que foram sujeitos os trabalhadores rurais no Oeste, ” obrigados” a sujeitarem-se
a trabalhar para ” os senhores da terra” que os havia em cada terreola oestina…
É claro que não eram latifundiários, mas em cada terra, existiam meia duzia de proprietários que combinando entre si o magro salário…
” Tinham na mão” os trabalhadores
que na ausencia de fábricas tinham como unica opção o duro trabalho no campo, sem o qual minguavam as possibilidades de alimentar e vestir a familia…
Devo muito aos sacrificios de meus pais…para nunca ne tivesse faltado o minimo indispensável…
Recordo por exemplo que numa terra onde os filhos dos mais abastados nem se preocupavam em que os filhos fizessem a quarta classe, essencial para poder continuar a estudar…
O meu pai retirava do seu magro salário dois escudos ( num tempo em ganhava 20 escudos diários) para pagar à professora para me ensinar o necessário para poder fazer a quarta classe e o exame de admissão ( morávamos numa aldeia, onde por não haver escola, não era obrigatório faze- la…ou então teria de pagar a quem nos ensinasse…)…
Era assim a dura vida no Oeste…
Abr e SL
15 Dezembro, 2016 at 17:24
Belo texto. Que pena que tenho de o meu pequeno grande Leão não querer experimentar a oval, apesar da minha insistência. Já vimos em anos anteriores jogos da equipa sénior, mas acho que ele tem medo. Tenho esperança que ainda lá chegue, também ainda só tem 8 anos.
SL
15 Dezembro, 2016 at 21:20
Leve-o a experimentar uns treinos…
15 Dezembro, 2016 at 22:01
Já lhe fiz essa proposta mais que uma vez, mas ele apesar de gostar de ver nunca acedeu. Por isso é que acho que tem receio.
SL
15 Dezembro, 2016 at 22:11
Nada disso. Ele calça e vai lá para dentto. E vai adorar… é quasr como jogar a apanhada…
15 Dezembro, 2016 at 18:54
Belo texto, sem dúvida. Sobre um desporto que acompanho pouco, mas em que reconheço existirem valores que andam arredios noutros…
Igualmente excelente a descrição do amigo Max.
Parabéns a ambos e SL