Francisco Geraldes é um jogador diferente e tem feito a diferença no Moreirense. Emprestado pelo Sporting à equipa de Moreira de Cónegos, o médio soma 17 jogos em 21 possíveis e já marcou dois golos. Um frente ao Feirense, num jogo em que fez uma assistência e construiu a jogada de outro dos golos, e um ao FC Porto, que colocou o Moreirense na final-four da Taça da Liga.

No primeiro ano no campeonato principal, o internacional sub-21 tem agarrado a oportunidade de crescer e está focado no objetivo que tem desde sempre: chegar à equipa principal do Sporting. Essa realidade já esteve mais longe, mas ainda está a uma distância considerável. Francisco Geraldes sabe que em Alvalade estão atentos ao que tem feito em Moreira de Cónegos e tem mostrado qualidades para merecer a chamada de Jorge Jesus, mas a concorrência a meio-campo é elevada. O que joga então a seu favor? À conversa com o Maisfutebol, o próprio jogador tentou responder a essa pergunta e, mais uma vez, mostrou que trata tão bem as palavras como trata a bola. Fala do Sporting, do Moreirense e da seleção e pelo meio revela que João Mário «perdeu tempo» para o ajudar a ser melhor.

É um dos nomes que se falam para regressar ao Sporting já em janeiro, já sabe alguma coisa sobre isso?
Não.

João Palhinha já regressou, isso motiva-o? Como vê a chamada dele por Jorge Jesus?
Claro, como disse anteriormente, no Sporting estão atentos aos emprestados e isso demonstra-o. Vejo a chamada dele à equipa principal com satisfação, felicidade e justiça. Além de ser uma excelente pessoa, como profissional ninguém tem nada a apontar-lhe. Só ele sabe o que trabalhou para conseguir ser chamado e é com todo o mérito que já lá está.

Perante este exemplo e pelo que tem feito sempre e, sobretudo, nestes últimos meses, acredita que também pode voltar?
Acredito, claro que sim. Foi com essa finalidade que vim para o Moreirense: com a perspetiva de voltar ao Sporting e conseguir chegar à equipa principal. O meu maior sonho – e só de imaginar me arrepio – é jogar no Sporting e em Alvalade. Cresci a ir ao estádio e a ver o Sporting jogar, a ver o André Cruz a marcar livres diretos ou o Paíto a dar uma ‘cueca’ ao Luisão no Estádio da Luz (risos). Cresci e fiz-me ainda mais sportinguista com alguns desses momentos.

E acha que já está preparado para esse passo?
Acho que sim e acho que o que tenho feito tem demonstrado que posso vestir a camisola do Sporting. Além disso, porque tenho a ‘mentalidade Sporting’, que também considero importante dentro de campo. Sei que sinto o clube da forma que só a formação consegue sentir e que é difícil de explicar. Ninguém sua a camisola como quem a veste desde sempre. Muitas vezes os jogos ganham-se pelo que sentimos pelo clube e pela vontade de vencer por ele. Eu sinto o Sporting.

O que acha que pode acrescentar ao plantel do Sporting?
Esse sportinguismo que já falei e as minhas qualidades técnicas, claro. Sei o meu valor e aquilo que sou capaz. As minhas valências passam pela visão de jogo, qualidade de passe e também pela entrega que dou ao jogo. Dou tudo e não me limito a fazer o mais fácil.

Sente-me mais um 8 ou um 10?
Gosto de jogar em ambas as posições.

É também um jogador mais inteligente do que físico…
Sim e para mim isso no futebol é o mais importante. Claro que o físico conta, mas acho que quanto mais jogadores inteligentes uma equipa tiver mais perto está de atingir resultados e títulos. Quanto menos inteligente o jogador for mais aleatórias serão as decisões. É sempre preciso pensar mais à frente, ter noção dos espaços, das posições da equipa e dos adversários.

E o que é mesmo um jogador inteligente?
É aquele que melhor decide, tendo em conta o sucesso coletivo. A decisão até pode passar por uma ação individual, mas não é aquele que se cinge a seguir à risca aquilo que mandam as regras do ‘bom futebol’, como, por exemplo, procurar sempre superioridade numérica com bola. Há situações em que inteligência, aliada à criatividade, resolve os problemas que são encontrados no jogo. Mesmo sendo uma situação de dois atacantes para quatro defesas. Tem muito a ver com a capacidade de decisão, daí que quanto mais inteligentes forem, individualmente, os 11 jogadores, mais próxima está a equipa de ganhar o jogo

É um jogador menos individualista?
Não necessariamente, mas é por aí e pela reação e decisão. Tem a ver com a forma como vê o jogo e consegue ser rápido a tomar a decisão. Além disso, saber, como disse, onde está cada um e para onde será melhor jogar e não parar para ver e pensar o que fazer porque aí perde-se a vantagem de milésimos de segundo perante o adversário. Quem manda é quem tem a bola e o defesa vai sempre reagir àquela que for a decisão de quem ‘manda’.

Como é que se ganha essa inteligência?
Parte dela é já intrínseca, mas pode e deve ser sempre estimulada através de pensar o que fazer com a bola mesmo antes de a recebermos. A mim quem me ajudou muito nesse aspeto foi o João Mário. Fomos companheiros de equipa na B e ele achava que eu muitas vezes decidia só quando tinha a bola. Uma vez, num treino, chamou-me e perdeu tempo comigo. Falou-me de dois aspetos: de como controlar a bola e sobre a decisão.

É por isso que é um dos jogadores que o Francisco admira?
Também, pela importância que teve no meu crescimento, e pelo jogador fantástico que é. É dos jogadores mais inteligentes que há atualmente. Não precisa de ser rápido, é inteligente e isso para mim é o atributo mais importante nos desportos coletivos.

Há muita gente a comparar o Francisco ao Adrien Silva, sobretudo nas redes sociais e quando não estão satisfeitos com o meio-campo do Sporting…
Sim, sei que muitas vezes se compara ‘o Francisco Geraldes’ ao Adrien Silva, mas também sei que somos jogadores diferentes, até porque não há jogadores iguais. Ele numas coisas é melhor, eu serei noutras. Faz parte. Mas o Adrien é o Adrien.

É difícil de o substituir?
Nenhum jogador é insubstituível, mas, claro, fazer a vez do Adrien não é fácil. Para mim, ele é um dos melhores box-to-box do mundo. É um pulmão incansável, que dá à equipa a estabilidade que é muito difícil de encontrar num jogador. Encontra-se num Ramires (ex-Benfica e ex-Chelsea) ou num Enzo Perez (ex-Benfica e Valencia), mas não é fácil.

Curiosamente esses jogadores que já passaram pelas mãos de Jorge Jesus… já se imaginou a trabalhar com ele?
Quero vir a trabalhar, mas ainda não me imaginei. É um grande treinador, os resultados e os títulos falam por ele. O que ele já conseguiu não é fácil de conseguir: duas finais europeias, três campeonatos quase seguidos, entre outros títulos. Não é fácil.

Com que treinadores é que gostou de trabalhar no Sporting?
Vários, o Sporting costuma ter grandes treinadores. Destaco o Hugo Cruz, Tiago Capaz, José Lima e João de Deus. Cada um com a sua importância. O último foi o mister João de Deus, que é um excelente treinador. Pedagogicamente é muito forte e, pelo menos, a mim mostrou-me que este não é um caminho fácil. Com a forma de ser mais rígida mostrou-me que se não fizermos por isso nenhum sucesso bate à nossa porta.

Internacional sub-18, 20 e 21. Falhou o último mundial de sub-20, mas ultimamente tem sido chamado para os sub-21. Sente-se certo já no próximo Europeu?
Trabalho para isso todos os dias. Tenho sido chamado e ganhado alguns minutos, espero conseguir lá estar. Serão chamados os melhores e acredito que posso estar nesse lote. Vamos ver!

Rui Jorge tem muitas e boas opções, não é?
Sim, acho que Portugal tem tido, também por força das equipas B, excelentes jogadores. Até mesmo na seleção A já há muitos jogadores sub-21 e que cresceram ali. Atualmente o grupo é muito forte e acho que por isso poderemos ser sempre considerados candidatos.

E o Francisco já pensa na seleção principal?
Não, não penso. Ainda nem me consegui impor nos sub-21, quanto mais pensar já nos AA. É preciso ir com calma.

Como é que tem visto o trabalho de Rui Jorge?
Como disse sobre o Jorge Jesus, os resultados falam por si. O que o Rui Jorge está a fazer na seleção é fantástico. A equipa joga bom futebol e tem apresentado resultados muito positivos, é praticamente imbatível.

Todos os jogadores falam bem dele…
E só há razões, é uma excelente pessoa e é um prazer trabalhar com ele. Além do que se vê como treinador é muito direto e frontal, gosto disso.

franciscogeraldes

ENTRETANTO, RECORDANDO UMA ENTREVISTA DE 2015

[…] Além disso, até há bem pouco tempo Geraldes era estudante – algo raro no futebol profissional – e gosta de falar sobre política, de ouvir música clássica e ler livros autobiográficos ou policiais. Ler até no balneário, sim. Mesmo que isso seja… estranho. «Gosto de andar sempre com um livro atrás. Todos gozam comigo por ler nos tempos livres, durante os estágios e até no balneário, mas adoro ler», admite.

Geraldes não se importa de ser a exceção e tem noção disso, mas não quer ser visto como superior aos companheiros: «Acho que cada um é diferente à sua maneira. Cada um tem os seus gostos e os seus interesses. Gosto muito de jogar futebol, mas também gosto muito de me manter a par de tudo e de ser rico culturalmente. Gosto de ler sobre tudo, estar a par de todas as notícias de economia ou política e acompanho tudo porque acho que não podemos estar alheios ao que se passa à nossa volta.»

Por isso, o médio do Sporting B vai também frequentemente ao cinema, a exposições e a concertos, esquecendo-se do sofá e dos videojogos tão típicos entre os colegas de balneário: «Para mim, é um total desperdício de tempo. Jogo de vez em quando com eles, mas prefiro fazer outras coisas. O que ganho em estar no sofá a ver um boneco na TV?», pergunta Geraldes, que prefere bem mais passar o tempo a ver filmes, com destaque para o Gladiador, V de Vingança ou a trilogia do Senhor dos Anéis.

Algumas destas facetas, diga-se, rompem com o género. Ser de um bairro típico de Lisboa, o de Alvalade, não tendo sido obrigado a sair do seu habitat natural para jogar futebol, e ter andando num dos colégios mais reputados da capital – o Sagrado Coração de Maria – ajuda a que se diferencie. «Esta vontade de querer saber mais foi me ensinada lá e os meus pais também sempre me aconselharam a aproveitar o tempo da melhor maneira. Além disso, desde pequeno que o meu pai e a minha mãe me fizeram ver que estudar estava à frente do futebol.» Assim, com média 14 valores e ciente de que «o futebol tem data de validade», Geraldes chegou à Universidade Lusófona ao curso de Gestão. Um projeto que neste momento está em standby devido aos horários e ao que jogar profissionalmente, com dois jogos por semana, exige. «O problema é o horário. Chegar a casa à meia-noite, jantar e no dia seguinte acordar às sete para ir treinar. Estava a haver um conflito de interesses. Neste momento, sou profissional e não posso chegar ao treino a arrastar-me com sono.»

Focado nisso, o dia-a-dia de Geraldes é simples e rigoroso: «Treino, almoço e depois faço uma pequena sesta para repor energia. A seguir faço pilates ou trabalho complementar de ginásio, fora do Sporting mas com a autorização do clube.» Pelo meio ouve Led Zeppelin, Queen ou Ludovic Einaudi, sons que não ouve com os companheiros de equipa porque não tem quem partilhe os mesmos gostos musicais. Sempre que mostro alguma música a alguém sou crucificado. Mas também não sou de ouvir o que eles ouvem. Gosto de boa música, música verdadeira e que tenha qualidade. Quando eles põem kizomba no balneário, até me faz confusão. Eu sei que cada um tem o seu gosto, mas acho que o deles não é bom», comenta entre uma gargalhada, referindo que o grupo leonino é mais do que uma equipa de futebol. «Somos todos muito amigos. A união não é de agora, nem deste ano. Somos colegas há vários anos, há seis, sete e oito anos. Isso beneficia e facilita também dentro de campo. Já quase jogamos de olhos fechados.»

É com eles que Geraldes também cresce profissionalmente e que sonha em chegar à equipa principal, como os exemplos que admira: «O Sá Pinto pela garra que mostrava e que ainda hoje se vê e o João Mário pela forma de jogar. Se não tivesse esse objetivo não faria sentido estar no Sporting. Não sei quando será a minha vez. Cada jogador tem o seu timing. Não precisa de ser amanhã ou daqui a um mês, quando tiver de ser será. Os responsáveis do Sporting saberão ver quando estiver preparado ou não.»

Por agora, o balanço da temporada é positivo. «A época está a correr bastante bem a nível pessoal: tenho jogado bastante, ganho mais competitividade e ritmo e marcado alguns golos. Dificilmente poderia estar a correr melhor», admite satisfeito. Assim, tem também a seleção de sub-21 como objetivo, depois de ter falhado o Mundial de sub-20 no último verão: «Foi uma desilusão. Estava à espera de ser convocado. Fiz para o merecer, mas não fui. Já passou. Agora penso nos sub-21. Vou continuar a trabalhar como até aqui. A concorrência é elevada, mas acho que me consigo sobrepor aos que lá estão.»

É também por isto e por pensar assim que, aos 18 anos, Geraldes, que foi capitão nos escalões de formação do Sporting, ganhou o Prémio Stromp Academia 2013, um troféu entregue aos jovens jogadores exemplares «É um orgulho, mas não adianta de nada se não servir de exemplo. Há que ser responsável, companheiro e ter as ideias bem definidas», defende.