Os acontecimentos de hoje na Luz motivaram comentários, humor e disparate com fartura.
É natural que, no geral, as pessoas não tenham tido a percepção do que se passou – nem todos são técnicos, nem todos têm conhecimento técnico.
Ouviram-se, no entanto, as coisas mais incríveis, que foram desde a profunda ignorância de que a lã de rocha é perigosa pelas suas propriedades inflamáveis (do brilhante… Miguel Guedes!) até um senso generalizado de que tudo se deveu ao “azar” de umas condições climatéricas que o “bom senso” diz extremas e inesperadas.
No geral, foi assustadora a falta de noção do real perigo e da verdadeira responsabilidade do que aconteceu no estádio.
Antes de mais, vejamos resumidamente, em termos técnicos, o que andou a voar: a estrutura da cobertura do Estádio da Luz é revestida por paineis chamados “painéis sandwich”. Cada painel é composto por uma manta de lã de rocha envolvida por chapas metálicas. (Um “à parte”: a lã de rocha só por si não põe ninguém em risco nem é nociva ao contacto).

1- Há umas “coisas” a voar!
Para que a lã de rocha apareça a voar sobre o relvado, é porque a chapa superior se soltou.
Para que a lã de rocha apareça naquela quantidade, é porque há uma área considerável de chapas abertas e na iminência de se soltar.
A queda de uma altura de 30m de uma só dessas chapas, pode causar a morte imediata a várias pessoas! Como disse o Presidente da Liga, foi evitada uma tragédia uma vez que cairam diversos paineis, entre os quais um com 40m2!!!
O que não disse, e talvez nem percebeu, é que isso se deveu a pura sorte, tão confrangedora foi a inépcia na identificação do problema e a eternidade que demorou a reacção de segurança.
Será que não estava nenhum técnico no staff do jogo com competência para perceber isto de imediato e alertar as autoridades e a protecção civil?
Por que motivo foram precisos 40 minutos para se perceber que era urgente evacuar as bancadas desde há 40 minutos atrás?
Por que motivo foram deixados espectadores no recinto até 1 hora depois desses 40 minutos? Os primeiros paineis metálicos caíram quando ainda estavam pessoas a sair. Não morreu ninguém por puro acaso. Têm caído 5/10 minutos antes, e a “sorte” seria outra!

2- As “outras” pessoas
Houve adeptos que ficaram retidos mais 1 hora após os “eternos” 40 min. O que leva a incompetência das autoridades e dos organizadores para um patamar acima:
Que garantia havia de que o problema não se estava a verificar noutras zonas da cobertura?
Que garantia havia de que os paineis que se iam soltando, e em certos casos chegaram a voar certa de 60/70m na horizontal, não chegariam também a essa zona?
Sabendo-se que 1 ano antes (em 19/01/2013) o problema tinha acontecido justamente nesse outro topo, e em extensão ainda superior, que garantia havia que não se iria passar o mesmo?
Não havia técnicos de manutenção, de segurança ou da protecção civil para explicar à polícia que naquele momento o mais urgente era remover esses 3 mil adeptos para segurança debaixo das bancadas (e isso não implicava que saíssem para a rua)?
Também aqui a incompetência escolheu, consciente ou inconscientemente, a via da sorte!
E deu-se prioridade de segurança ao eventual perigo de desacatos ao invés do perigo potencial de morte por chapas a voar descontroladas.

3- A culpa… também foi com o vento?
Da organização do jogo, ao presidente da liga, dos “doutos” comentadores ao adepto comum, ficou a sugestão implicita ou explicita de que tudo foi causado pelo vento.
Vejamos o que diz a lei:
No Regulamento das Condições Técnicas e de Segurança dos Recintos de Espectáculos e Divertimentos Públicos (DR 34/95 de 16/12), diz:

Artigo 15.º
Resistência estrutural
1 – Os recintos destinados a espectáculos e a divertimentos públicos devem ser dotados de elementos estruturais estáveis, com resistência mecânica adequada às acções e às solicitações a que possam ser sujeitos nas condições de utilização mais desfavoráveis.

2 – Na construção dos recintos improvisados ou itinerantes devem ser previstas as acções das intempériesnomeadamente dos ventos.

Por sua vez, do Regulamento de Segurança e Acções para Estruturas de Edifícios e Pontes (DL 235/83 de 31/5), e através de umas primeiras contas rápidas, retira-se que os valores considerados médios para a acção do vento sobre da cobertura do estádio andarão por volta dos 100km/h em períodos constantes de 10 minutos.
A este valor, acrescerão os coeficientes de segurança obrigatórios para situações extremas que elevam esse valor em aproximadamente 50%, ou seja:
A estrutura deve resistir a rajadas de cerca de 150 km/h.
Por volta das 18 horas, as rajadas verificadas andavam muito abaixo do valor “normal” dos 100km/h, quanto mais dos 150km/h.
(Os valores reais do vento aquela hora podem ser obtidos nos registos do IPMA.)

Ou seja:
O problema não foi o excesso de vento!
O problema foi que a estrutura não aguentou o que devia aguentar.
O sistema construtivo/execução do Estádio da Luz não cumpre com os regulamentos de segurança e coloca em perigo objectivo todos aqueles que o frequentarem!!! Basta para isso haver um vento um pouco mais forte!
E isto não tem a ver com clubite ou facciosismos: tem a ver com a segurança das pessoas!
Neste caso, quem correu maior e mais directo perigo de vida, até foram adeptos benfiquistas. A revolta e indignação é a mesma!!!

4- De olhos bem fechados?
O presidente da Câmara de Lisboa estava lá. Viu que o recinto apresentou condições de debilidade gritante e ao arrepio do que é regulamentar. Se um qualquer cidadão pode confundir o que aconteceu com uma “fatalidade” causada pela “natureza”, o presidente da Câmara não pode. Mesmo que só consiga intuir, consegue intuir que nenhum vento tão extremo aconteceu para justificar o sucedido e que o perigo foi real, pelo que é imperativo mandar averiguar!
A liga diz que vai haver uma averiguação da Martifer, uma empresa privada, por parte do Benfica. Sem querer duvidar dos técnicos dessa empresa, mas porque de um recinto público se trata, manda a situação que haja uma investigação por parte de entidades públicas ou independentes, de competência garantida, como o LNEC, por exemplo, e à cobertura toda.
As pessoas foram postas em perigo, o estádio não garante a segurança dos seus frequentadores (e até da 2ª circular, se o vento for de leste!), pelo que é obrigatório uma vistoria das entidades públicas competentes que atribuem o alvará de porta aberta.
A não ser que a ideia seja fechar uma vez mais os olhos, “safar” a coisa fazendo fé no prevaricador, para que um jogo aconteça seja lá como for, metendo as fichas todas na fé que vai tudo correr bem… até daqui a uma semana, um mês, um ano… quem sabe…!
Num país a sério, governado por gente séria, este recinto já estava com a licença suspensa a a aguardar uma avaliação completa. Fosse sábado, domingo, feriado ou dia santo!
E não era pela Liga ou pelo prevaricador reincidente: era pelas Entidades Públicas, pelo Estado! Em protecção dos cidadãos!

5 – Desenrasca aí o jogo
Há, pelo menos, uma manifesta incapacidade das fixações das chapas de cobertura do estádio. Quais? Quantas?
Tendo acontecido já em dois locais diferentes da estrutura, em datas diferentes, só se pode garantir a segurança vistoriando TODA a cobertura. O que se devia ter feito, aliás, logo na primeira vez que isto aconteceu, para não falar de quando foi construído e… licenciado!
Agora, não é possível vistoriar aqueles milhares de m2 em 2 dias!
Ou seja: Só é possível haver jogo se a aposta for em “safar a coisa”, sem vistoriar a totalidade de um sistema construtivo que apresenta graves debilidades, apostando na fé de que nada há-de acontecer, sem qualquer respeito ou garantias efectivas de segurança por todos aqueles que entrarem no recinto.
De novo, isto só pode verificar-se se à incompetência se juntarem muitos “olhos convenientemente fechados”, e uma incúria total de todas as entidades públicas “responsáveis”.

6 – Na catedral com…fé?
O Sporting deve exigir de todas as entidades intervenientes e responsáveis, públicas e privadas (como a CML e a Protecção Civil, entre outras), garantias expressas (escritas!) de que o recinto se encontra totalmente nas condições de segurança regulamentares exigíveis, não colocando em risco não só os seus atletas e dirigentes como também os seus adeptos.
Caso isso não aconteça, deve informar os adeptos de que essas garantias não foram dadas, para que os adeptos possam decidir se irão arriscar ou não, e deve ponderar muito bem se o clube irá comparecer ou não.
Caso as garantias não sejam expressamente dadas, é minha opinião que o próprio clube não deve comparecer. Se o recinto não tem as condições de segurança, não pode albergar um espectáculo, e o Sporting não pode ser conivente com isso.
Não gosto, nem quero, alguma vez ganhar qualquer jogo na secretaria. É do mais baixo que pode existir no desporto. Mas se não estiver garantida a segurança do espectáculo, o Sporting deve ser intransigente!
O jogo pode sempre ser marcado nos 15 dias após a primeira data, pelo que terão até aí para resolver a questão construtiva, caso contrário aplicar-se-á o que ditam os regulamentos da Liga:

Art. 94.º do regulamento disciplinar da LIGA
1.Quando um jogo oficial não se efectuar ou não se concluir em virtude do estádio não se encontrar em condições regulamentares por facto imputável ao clube que o indica, é este punido com a sanção de derrota e, acessoriamente, com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 12 UC e o máximo de 50 UC e com a sanção de reparação à Liga e ao adversário das despesas de arbitragem, de delegacias, de organização e do valor da receita que eventualmente coubesse ao adversário.

2. Se um jogo não for realizado por falta de condições de segurança imputáveis ao clube que indica o estádio, o clube é punido nos termos do número anterior.

Anexo IV ao Regulamento de Competições da LIGA
Caberá também aos clubes juntamente com todas as pessoas responsáveis pela gestão dos respectivos estádios, a organização e a implementação das medidas necessárias para que antes, durante e após a realização dos jogos sejam prevenidas e evitadas quaisquer manifestações de violência e quaisquer situações de risco potencial para a segurança das pessoas nos estádios.

Com a segurança não se brinca. Desta vez não morreu ninguém, apenas porque não “calhou”. A sorte não é um critério aceitável, e o futebol não está acima dos regulamentos.
Já brincaram com a vida das pessoas. Agora… cumpra-se a lei!

 

Texto escrito por Alex Nogueira in Forum SCP.