Reflexão do momento em que, depois de feitas as apostas e lançados os dados, se pode fazer a distribuição das fichas (pois a Taça, francamente, já nem conta no contexto actual).

Bruno de Carvalho não tinha mesmo que acabar por desiludir-me, num ponto crucial na posição que ocupa. E aproveito desde já para deixar bem claro que o Sporting Clube de Portugal, sendo ecléctico como todos sabemos, é para a maioria dos sócios e adeptos essencialmente um Clube de futebol.

Desiludiu-me perder a ilusão (redundância propositada) que, após a novela Marco Silva, ele finalmente tivesse percebido as virtudes do conceito de «empowerment». É o calcanhar de Aquiles de Bruno de Carvalho, e todos sabemos como as coisas não acabaram bem para o bom do Aquiles, apesar de toda a sua virtude e poderio.

Empowerment foi aquilo que não aconteceu com o excelente treinador Leonardo Jardim, e voltou a não acontecer com o bom treinador Marco Silva, com os resultados que sabemos (e não vamos discutir nuances, fiquemo-nos pelo conceito lato de «qualidade» na dita profissão), e agora volta tragicamente a falhar com o excelente Jorge Jesus. Um Presidente como BdC ou qualquer outro na sua posição não pode ter a veleidade de mandar em tudo e todos, menorizando colaboradores-chave, tendo isso sim que delegar secções nevrálgicas a pessoas de qualidade, e dar-lhes o boost da confiança, com respeito, o tal empowerment (termo para o qual não encontro tradução directa no nosso léxico), para potenciarem as suas capacidades ao máximo, extraindo delas todo o sumo que contêm.

Num Clube como o Sporting, uma figura-chave para ser alvo do dito é o treinador da equipa de futebol. Vimos o Pinto da Costa a fazer escola disso (lembram-se do Ivic? Eu também já quase que não…), e até o Orelhas a tentar imitá-lo. Um treinador-forte, « empowerecido », é um aliado fundamental do Presidente, um aliado que lhe fica além do mais a dever de respeito, fidelizado, e sobretudo responsabilizado (se for bom, como foram os nossos últimos 3) e motivado. Ganha poder na gestão do balneário, um pormaior que nunca é demais sublinhar, e tranquilidade na gestão de um projecto, na criação de processos, no desenvolvimento de uma equipa. E o Presidente fica com tempo para dedicar-se aos muitos outros problemas que sobram, como por exemplo absorver as ondas de choque resultantes de resultados pontuais e de inevitáveis visões de curto-prazo, internas e externas, involuntárias ou maniqueístas.

E BdC teve as melhores das condições para exercer o empowerment de bons homens de confiança à sua volta, porque eles existiram de facto. Teve até oportunidade de experimentar as coisas ao « seu estilo » com dois treinadores, o que lhe poderia ter servido para aprender e gerir bem o terceiro. Manteve um enorme capital de confiança intra-muros, se relegarmos para a insignificância que tinham as vozes dissonantes. Bastaria finalmente que «à terceira fosse de vez», ao invés de ser um «não há duas sem três».

Tive esperança até à entrevista pré-última jornada que iria surgir uma decisiva manifestação de empowerment ao tal terceiro bom treinador do seu reinado. Secretamente, quis acreditar que ele sempre existiu, e que só não era visível por falta de eco numa comunicação social tendenciosa que nunca releva as nossas virtudes. E percebi que não seria assim. E o jogo provou-o, tal como os factos que se lhe seguiram. O que existe hoje é um treinador completamente desacreditado no Clube pelo seu próprio Presidente, e por isso sem qualquer poder sobre os seus subordinados, nas relações externas, e provavelmente sem motivação para exercer o seu trabalho. Só não sei há quanto tempo isso dura, quanto tempo andei iludido. E, pela terceira vez no seu reinado, voltamos à estaca zero.

jesus-bruno

Temos miúdos mimados a ganharem milhões? Quem não tem? O que é preciso é haver um treinador com arte, e capacidade, e poder, para gerir as coisas dentro do balneário! Seja separando uma erva daninha do grupo durante uns tempos, seja enviando-a passear para outro clube, seja apelando ao bom senso. Mas é ele, o treinador, que precisa de ter esse poder, para o exercer bem ou mal, e no final se tiram as conclusões. Mesmo uma acção directa do Presidente tem que existir sempre com o aval do treinador, para este manter-se empowerado perante os seus subordinados, e pode até servir, desde que devidamente acautelado, para deixar vincado que falam a uma só voz, ou que são duas cabeças da mesma hidra.

E nisso BdC, mais uma vez, voltou a falhar. Prova-se que personalidades fortes, e válidas, e que poderiam ser trunfos brutais no Sporting, acabam invariavelmente por serem esvaziadas de poder, e desrespeitadas, ao sabor dos ímpetos do Presidente, semelhantes aos de um qualquer adepto desta Tasca. E é sintomático que apenas perfis discretos acabem por vingar junto do nosso líder, como o de Carlos Vieira. O problema é que é raro qualidade com low-profile, sobretudo numa indústria que move milhões, e com uma exposição que geralmente selecciona indivíduos pela força do seu carácter. É como andar à procura de trufas sem porcos.

E eu não estou a ver onde vamos buscar um treinador com a qualidade do Carlos Vieira, e ao mesmo tempo a sua personalidade, que permita um relacionamento produtivo e duradouro. Desconfio bem que não exista sequer tal coisa….

Muito aconteceu e continua a acontecer entretanto, não me vou alongar sobre isso, a dor de corno é muita.

O legado de BdC fala por si, também não me vou alongar sobre isso. É ENORME, ímpar em Alvalade!!! A gratidão será eterna, pelo menos daqueles que como eu têm memória. Mas parece que não se consegue ultrapassar essa incapacidade em «delegar», fatal para um líder num desporto de alta competição. E isso deixa-me realmente desolado, pois eu gostava que ele, BdC, fosse AINDA mais! Não lhe posso cobrar isso, pois ele já foi tanto, mas tinha essa ilusão, essa esperança. Não estou a ver, por outro lado, quem tenha qualidade para chegar aos calcanhares dele e dar continuidade ao trabalho hercúleo já desenvolvido.

Mas só pode achar que isto é « uma das páginas mais negras do Clube » quem não estava cá há 5 anos. Ou em tantas outras alturas em que até metíamos pena. Hoje em dia metemos raiva, e atiram-se a nós sem dó nem piedade por darmos um peido nesse esgoto a céu aberto que é o futebol em Portugal, e o próprio desgraçado país em geral. Mas que se foda, e que no fim disto tudo haja Sporting!

ESTE POST É DA AUTORIA DE… Placebo
*às quartas, a cozinha da Tasca abre-se a todos os que a frequentam. Para te candidatares a servir estes Leões, basta estares preparado para as palmas ou para as cuspidelas. E enviares um e-mail com o teu texto para [email protected]