Crónica desencantada de um adepto que viu o seu treinador abdicar dos princípios que tanto nos haviam cativado, para preservar um pontinho cujos efeitos práticos estão longe de ser percepitiveis

scp-fcp

Os dados estavam lançados: o Sporting partia para o clássico com menos 8 pontos do que o fcp, menos 4 do que o slb e menos 3 do que o slbraga. E, tal como eu fui escrevendo ao longo da semana, vencer o Porto seria, em primeiro lugar e além de toda a carga motivacional, um passo firme para nos mantermos confortavelmente sentados na carruagem que dá acesso à pré da Champions.

Não quero com isso dizer que Marcel Keizer deveria ter lançado os Leões aos Dragões como se não houvesse amanhã. O holandês soube ler o adversário, baixou a primeira e a segunda zona de pressão e, com isso, engasgou o adversário e o seu treinador, incapaz de alterar a ideia que trazia de casa e que assentava, obviamente, em explorar o adiantamento do Sporting para disferir golpes mortais.

Com isso, os nossos laterais não foram apanhados em lançamentos para as suas costas, Coates e Mathieu tiveram que fazer muito menos dobras e piscinas, Gudelj agradeceu ao universo ter que cobrir tão pouco espaço à sua frente e fez um jogo altamente competente tendo, inclusivamente, ensaiado um daqueles pontapés de longe que se pensava fazerem parte de uma montagem para o youtube.

Mas, também com isso, Bruno Fernandes esteve mais longe da área adversária, Wendel via-se numa floresta de pernas de cada vez que queria sair a esticar o jogo, Nani teve que fazer correrias de meio campo de cada vez que era necessário atacar, Bas Dost perdeu todo o discernimento tanto como pivot como como matador e a Diaby foi dado o papel de ensaiar diagonais de dentro para fora e aproveitar o espaço para visar a baliza (o problema é que é o Diaby, nobre seguidor de Douala, e cada oito em dez remates são feitos nas orelhas da bola).

Com tudo isto, a primeira parte foi um regalo para quem gosta de xadrez misturado com luta de rua e apitado por um pateta sem a mínima qualidade para ser árbitro de futebol. Se as equipas já estavam encaixadas, procurando engrenar para tentar algo, mais complicado foi ver algum rasco com um gajo que aos 25 minutos já tinha assinalado 14 ou 15 faltas, matando completamente a hipótese de desatar nós. Com isso, o lance mais digno de ser-vos relatado foi uma descida rápida da nossa equipa, já passava da meia hora, com a bola a ir da esquerda à direita onde apareceu Bruno Gaspar a devolvê-la ao lado contrário para Nani ensaiar um remate de primeira que Felipe cortou antes que chegasse à baliza. Ah, calma, mesmo em cima do intervalo, o Jefferson veio por ali fora, fez dançar Corona, e meteu rasteira para o remate de primeira de Dost que acabou calmamente nas mãos de Casillas.

Metade da bela tarde de sol estava terminada (que saudades de ir a Alvalade num horário destes) e a principal vitória estava em olhar para as bancadas e ver mais de 45 mil pessoas a dizerem presente no apoio à equipa. A pergunta que ficava era: o que é que essas pessoas iam ver de mudanças no segundo tempo?

O fcp foi o primeiro a mudar (infelizmente, as opções de Keizer andaram sempre a reboque do que o que Sérgio Conceição ia fazendo), colocando Marega mais descaído para a direita, como que procurando aquela receita que provocou os últimos dissabores leoninos frente aos azuis e brancos. A defensiva leonina pareceu demorar a adaptar-se e viu Soares, sem saber como e transformando uma recepção deficiente num remate, obrigar Renan a grande defesa de reflexos, antes de um cruzamento ser desviado por Coates e acabar nos pés de Marega que tentou uma obra de arte e viu a bola terminar na bancada.

Tudo isto nos primeiros 15 minutos da segunda parte, os únicos 15 minutos em que o fcp esteve perto de chegar ao golo. Depois, o Sporting chegou-se à frente e Bruno Fernandes lançou a primeira e única bomba para aquecer as mãos de Casillas. E, cinco minutos depois, Nani veio por ali fora galgando meio-campo em velocidade e bola no pé, calou a boca a todos quantos dizem que está acabado e cruzou para Militão (o cabrão que limpou as bolas todas) arriscar um autogolo na ânsia de tirar o pão da boca de Bas Dost.

Faltavam 25 minutos para o jogo terminar, os adeptos agitavam-se nas bancadas e este rapaz que vos escreve a crónica berrava compulsivamente para Keizer meter o Raphinha no lugar do Diaby, algo que deveria ser uma obrigação no escalonamento do onze inicial, mas que, já que não foi, se tornou ridículo ser feito apenas aos 80 minutos.

A equipa precisava de um sinal do seu treinador para partir para cima. Para sentir que o 0-0 era um resultado de merda quando comparado com a possibilidade real de ganhar. Mas, nada. Esse sinal não apareceu nem com o atempado lançamento de Raphinha, muito menos com outro dos berros compulsivos que este rapaz ia lançando, pedindo que Wendel, tão esforçado quanto inconsequente e já a jogar em esforço, desse lugar a Jovane Cabral, para que Nani ocupasse a faixa central e montássemos o assalto à frutolândia com Gudelj + Bruno e Nani + Jovane, Raphinha e Dost.

Nada. Zero. Keizer parecia petrificado e quase me deixou à beira das lágrimas quando, a cinco minutos do final e depois de Bas Dost ter falhado incrivelmente o tempo de salto para marcar o golo que Niculae marcou há uns anos, trocou o lesionado Wendel por aquele boneco do Carnaval de Torres que assina como Petrovic e que, logo a seguir com a ala canhota toda a pedir-lhe a bola para o contra-ataque, fez a única coisa que sabe fazer e matou essa possibilidade.

Nessa altura, eu já não conseguia pensar. Estava demasiado triste com a ausência de uma vontade clara de ganhar, estava demasiado triste com o atraiçoar completo de uma ideia que, ontem, não foi nem pressão dos 5 segundos, muito menos um grupo de homens felizes porque lhes apontaram o caminho da baliza e dos festejos quando a bola se enrola na rede.

Não sei o que está a passar pela cabeça de Keizer, mas sei que, ontem, esteve mais preocupado em não perder do que em tentar ganhar. Sei que, ontem, o homem que me fez sorrir com o facto de preferir ganhar por 4-3 do que por 1-0, nem esse 1-0 teve como objectivo. E, 15 horas volvidas, aquele 0-0 continua a incomodar-me mais do que uma derrota que tivesse surgido na sequência de termos mostrado a tudo e todos que não nos contentávamos com um empate.

Ficha de jogo
Sporting-FC Porto, 0-0

17.ª jornada da Primeira Liga
Estádio José Alvalade, em Lisboa
Árbitro: Hugo Miguel (AF Lisboa)

Sporting: Renan Ribeiro; Bruno Gaspar (Ristovski, 47′), Coates, Mathieu, Jefferson; Gudelj, Wendel (Petrovic, 90′), Bruno Fernandes; Diaby (Raphinha, 81′), Nani e Bas Dost
Suplentes não utilizados: Salin, André Pinto, Jovane Cabral e Luiz Phellype
Treinador: Marcel Keizer

FC Porto: Casillas; Maxi Pereira (Óliver Torres, 43′), Felipe, Éder Militão, Alex Telles; Danilo Pereira (Hernâni, 83′), Herrera; Corona, Brahimi; Marega e Soares (Fernando Andrade, 75′)
Suplentes não utilizados: Vaná, Mbemba, Pepe e Adrián López
Treinador: Sérgio Conceição

Ação disciplinar: cartão amarelo a Herrera (11′), Jefferson (16′), Bruno Fernandes (33′), Felipe (39′), Coates (85′), Raphinha (87′), Marega (89′) e Fernando Andrade (90+4′)