De todas as vezes que alguém no espaço mediático português fala dos “problemas do Sporting”, um elevado número dos meus neurónios começa a fazer tilts em cadeia e à medida que o discurso evolui, tende a entrar em modo sleep, mecanismo de autodefesa, simplesmente por que é literalmente impossível dimensionar ou justificar cada preconceito ou conceito errado enunciado. Não sei se vos acontece o mesmo, mas de todas as centenas de pessoas que enchem a boca para falar dos “problemas do Sporting”, poucas ou nenhuma consegue construir uma imagem que para os adeptos faça sentido.

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O “problema do Sporting” e vamos restringir ao campo onde há de facto “problemas” centra-se no futebol. E o problema é simples: não vencemos o título. E não o fazemos há quase duas décadas. Outra vez. Temos ganho Taças de Portugal, SuperTaças, Taças da Liga e como vencer nas ligas europeias é todo um compêndio de problemas que partilhamos com os nossos rivais, de facto sobra-nos sempre a questão do “título”, ou seja, vencer a LigaNOS. O problema adquire mais relevância, quando na história do nosso campeonato, apenas 3 emblemas conquistaram mais de 90% destes troféus.

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Se formos então atacar as principais razões para o Sporting não vencer na mesma cadência ou regularidade que os seus rivais encontramos os “suspeitos do costume” (menos capacidade financeira, pouco poder nas estruturas, maus investimentos, instabilidade técnica e directiva) mas dificilmente somos capazes de articular que algumas destas coisas são causa e não efeito, o mesmo é dizer que, confundimos inputs com outputs – coisa que não deve ser preciso ser sumidade em informática para concluir que não servirá para explicar absolutamente nada além de uma fotografia completamente desfocada.

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Para mim é cada vez mais nítido que o “problema do Sporting” (a origem pelo menos) é a ansiedade e desespero com que queremos ter sucesso. Quando a equipa de futebol parece navegar num bom rumo, o clube agiganta-se, mobiliza-se, os números e todos os indicadores disparam, somos uma massa imparável de dedicação, devoção, união e combatividade. Se a equipa, ao invés, se revela longe de prometer conquistas, tudo entra prontamente numa espiral recessiva, que tende a desencadear fenómenos coletivos de histeria tão intensos que abalam completamente quaisquer alicerces que tenham sido colocados entretanto.

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Os adeptos não confiam na equipa. A equipa não acredita no treinador. O treinador não acredita nos jogadores. Os sócios não acreditam nos dirigentes. Os dirigentes não acreditam nos adeptos, na equipa, no treinador, em nada. A cada vez que entra uma direcção, o tempo para provar que consegue diagnosticar e contrariar “os problemas do Sporting” é cada vez menor. Já foi o tempo do mandato, há uns anos começou a ser moda interromper os mandatos, aos dias de hoje serão (talvez) duas épocas. Sinceramente, acho que a continuarmos neste ritmo, rapidamente chegaremos a apenas uma época. Parece ridículo, certo? Mas são factos.

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É também claríssimo para mim que nem sempre os sócios escolheram bem nas urnas. E também aqui muitas vezes fomos atrás das promessas rápidas de sucesso. Rápidas e vazias. Ninguém ansioso e desesperado será um “escolhedor nato” de propostas directivas e já são algumas eleições onde o fenómeno “ganha quem mais promete” tende a verificar-se. Ninguém parece muito preocupado em entender a racionalidade de cada alínea dos Programas Eleitorais, coisas com centenas de páginas, com milhares de mini-promessas, midi-promessas e maxi-promessas. Ninguém parece especialmente perturbado com a falta de uma visão global que dê ligação a cada página. Um bom programa eleitoral não se pode medir em chavões engraçados, ao peso depois de impresso ou à qualidade gráfica da sua paginação, mas é sinceramente o que parece ter sido a fundamental preocupação na sua concretização.

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Todas as direções são eleitas sem sequer o seu eleitorado ter entendido qual a sua visão primordial de quais são…”os problemas do Sporting”. Avançam com ideias soltas, nós votamos em soluções avulsas. O resultado é quase sempre o mesmo – “os problemas do Sporting” tendem a sofrer haircuts, sempre muito menores que o seu próprio aumento exponencial. A bola de neve aumenta, a capacidade dos dirigentes diminui, a paciência e o apoio desaparecem num par de derrotas quaisquer. Dirigentes stressados, tomam decisões stressadas. Dirigentes preocupados com a sua sobrevivência a curto prazo, tomam decisões com prazos curtos, afetando em cadeia todo os outros elos da cadeia.

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Nenhum treinador “a poucos desaires” do despedimento consegue vencer em lado algum, os vai e vem diretivos alteram as políticas que compõem os plantéis e a lógica de funcionamento da Academia, os funcionários perdem-se no meio de tantos “anos zero” e deixam de reagir a “novos compromissos”, nada permanece constante ou sólido e as relações com parceiros e patrocinadores tende a ser deficitária. A atração de investimento começa a roçar a impossibilidade e a pressão da dívida torna-se cada vez mais limitadora, na raiz não estão as consequências, mas um profundo estado de alma coletivo, que procura incessantemente “salvadores” e curas milagrosas, receitas “de micro-ondas”, tiradas fáceis e tão demagógicas como a solução para o excesso de peso ser não comer. Não há qualquer pacto entre dirigentes e sócios que sobreviva a este vazio de missão ou identidade.

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A solução dos “problemas do Sporting” só pode ser séria se começar por um amplo e intenso debate intra-clube. Um debate com a agenda clara de definir 3 coisas fundamentais: o somos, o que queremos ser e qual a forma mais objectiva e funcional de lá chegar. Se começarmos com as certezas do costume, acabaremos com as soluções do costume e nada será realmente diferente do que temos assistido nos últimos anos. É preciso parar. É preciso parar para pensar. É preciso parar para pensar, para ter melhores e mais certezas, para ter uma visão mais assertiva do que é o melhor para o Sporting. Tenho a certeza que o início de um grande Sporting Clube de Portugal não se dará com uma eleição, com um investimento ou com uma conquista, mas sim com o singular acto de começarmos a pensar, juntos, no que são “os problemas” e as “soluções” do Sporting.

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A única coisa que conheço para combater problemas são soluções. Mas não há boas soluções sem boas ideias e sem o diálogo nunca teremos consensos para acreditar que são de facto…boas. Sem este tipo de common ground, nenhuma solução terá as sinergias que precisa para ser devidamente sedimentada como um desígnio coletivo. Portanto, concluo que sem debate e aproximação, nunca haverá pactos e é precisamente isso que mais falta ao nosso clube – uma grande ideia coletiva do caminho a seguir. Uma ideia e um caminho que todos tenham a confiança que fazem parte.

*às quartas, o Zero Seis passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca