A imagem que guardarei de ti, em primeiro lugar, é a da emoção com que, de lágrimas nos olhos, deste meia volta a Alvalade, naquele 1-0 que nos dava o título em ano de regresso e que assinalava a primeira vez que as Leoas pisavam o relvado de nossa casa.

O resto, a história encarrega-se de guardar. Dois campeonatos, outras tantas Taças de Portugal, mais a Supertaça. Tudo isto nos dois primeiros anos do regresso da modalidade, depois de décadas de inexistência.

Tens razão para, como dizes na entrevista ao Jogo que tentarei ler, estares “muito orgulhoso do trabalho desenvolvido no Sporting ao longo das últimas três épocas”, pese a “mágoa” pela ausência de títulos em 2018/19. É uma entrevista em que, pelo pouco a que tive acesso e que partilho com os meus camaradas Sportinguistas, reforça a opinião que tenho a teu respeito: és um gajo “de espinha direita”, correcto, trabalhador, leal. E isso acaba por ser um legado bem maior do que uma época onde não fomos capazes de conseguir evoluir.

Obrigado por tudo e boa sorte nessa nova aventura chamada Torreense!

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Pouco depois da eleição do presidente Frederico Varandas, deu-se a saída de Raquel Sampaio e entrada de Filipe Vedor para o cargo de diretor. De que forma essa situação influenciou o rendimento da equipa?
A entrada do Filipe foi um fator de estabilização, mesmo não tendo ele experiência na área do futebol das mulheres e raparigas. Tem muita experiência na área do futebol, de tal maneira que terá responsabilidades acrescidas nas novas tarefas. Não acho que possa ter sido um fator negativo e trabalhámos sempre em grande sintonia. O que nasce torto, tarde ou nunca se endireita e a época nasceu torta. Fomos tentando endireitar o caminho, umas vezes conseguimos outras não. São ensinamentos que ficam para a vida.

Sentiu que o grupo esteve sempre consigo?
Nunca senti que as jogadoras não quisessem ganhar e elas vivem de títulos. Senti que ao longo da época houve grandes oscilações no rendimento desportivo de algumas jogadoras e teve implicações diretas no rendimento da equipa. Tivemos várias jogadoras-chave nas épocas anteriores que tiveram uma participação muito reduzida. A Ana Borges esteve quase meia época sem poder competir. Foi só a melhor jogadora das épocas anteriores, outras jogadoras como a Diana, que tinha sido uma das melhores marcadoras não conseguiu manter sempre uma prestação constante. Podem dizer que pu-la a jogar noutros lugares, sim. Além de termos perdido jogadoras para nosso rival direto, não conseguimos colmatar uma lacuna evidente no lado esquerdo do setor ofensivo. Jogaram lá algumas vezes a Diana, mesmo a Solange, ou a Ana Capeta. A Persson confirmou-se que não tinha condições para jogar por inadaptação, ou se calhar por responsabilidade da equipa técnica e quem veio, tinha de vir para jogar.

A meio da época perde também a Sharon por lesão…
Isso são vicissitudes da competição, era um elemento fundamental no meio-campo e a única que podia fazer de forma mais eficaz a posição 10, jogando também a 8. Não tínhamos ninguém no plantel para a substituir.

A capitã de equipa, Patrícia Gouveia, também terminou a carreira com a época em curso e assumiu as funções de team manager…
A Patrícia começou a jogar na parte final da época passada e começou bastante bem esta época. Por questões de saúde, saiu. Felizmente acho que foi um ganho na estrutura, dado que o diretor repescou-a para outras funções, libertando-o até para ter disponibilidade para fazer outras coisas e acho que a Patrícia teve um papel muito importante na ligação entre jogadoras e estrutura técnica a estrutura diretiva. Vem de encontro ao que defendo que quando as jogadoras se retiram da atividade podem ser úteis noutras funções pelo grande conhecimento que têm e a Patrícia tem esse conhecimento.

O Sporting tem agora uma estrutura cem por cento feminina. Como encara essa situação?
Como disse anteriormente, há muito tempo que defendo que as jogadoras de futebol devem procurar continuar ligadas à modalidade, pois podem ser uma mais- valia. O género é pouco importante, importante é competência, ninguém tenha dúvidas. A Maria João Xavier [nova diretora] exigi que fosse diretora do futebol feminino do 1.º Dezembro quando era treinador. A professora Susana [nova treinadora] é habilitada para a tarefa que foi contratada, embora nunca tenha estado num contexto destes, pois esteve sempre ligada a seleções distritais e nacionais. Faz parte do percurso e sobre a Patrícia já falei.

Falou em competência. É qualidade que reconhece ao presidente Frederico Varandas?
Tenho pena que nem sempre se reconheça aos atuais responsáveis do Sporting competência para as tarefas. Posso dizer que o presidente é altamente competente para as tarefas que tem, um profundo conhecedor do clube, realidade do futebol e não vou esquecer isso, da mesma maneira que não esqueço algumas atitudes do anterior presidente, quando se colocou ao meu lado em momentos muito difíceis. O presidente Frederico Varandas teve a seriedade e honestidade de me chamar para uma reunião que decorreu com elevação muito grande e de forma digna de parte a parte, onde me deu a conhecer a decisão do Conselho de Administração. E pelos motivos invocados, reforcei a ideia que tinha do presidente, um indivíduo com princípios e valores e não vai abdicar deles na vida pessoal e enquanto dirigente. Gostava que os adeptos do Sporting, a quem estou grato, procurassem entender melhor as decisões deste presidente.

Raquel Sampaio, anterior diretora, que trabalhou consigo mais de duas épocas. Através das redes sociais, falou da necessidade de voltar a haver competência na estrutura feminina, depois de perdido o título. Que comentário lhe merece?
Não me merece comentários. Dizer só que os responsáveis do Sporting sabem muito bem o que devem fazer e tenho muita pena que em determinadas circunstâncias os adeptos do Sporting não percebam isso. Se tudo fosse tornado público, se calhar teriam um entendimento diferente sobre as coisas.

Sente que o Torreense é um retrocesso na sua carreira?
Nunca considerei um retrocesso ficar a treinar, nem é a primeira vez que tomo decisões pouco compreensíveis à maioria das pessoas. Já só faço o que quero e me apetece desde que tenha condições para o fazer. Não considero que seja um passo atrás e não me caem os parentes na lama por passar de uma equipa de topo mundial para uma equipa de topo regional e nacional e de uma equipa profissional para uma equipa completamente amadora. Um passo atrás seria não treinar.

Um dos objetivos será a subida de divisão?
Claro, sabendo que o próximo ano será de transição no modelo competitivo das mulheres e raparigas em Portugal. Na época 2020/21, a primeira divisão, hoje com 12 equipas, só terá 10, ou seja vão descer três equipas ou quatro. Pode só subir uma equipa diretamente. Está tudo em aberto. Sem ovos não se fazem omeletas e é preciso formar um plantel competitivo para discutir jogos. O objetivo será o apuramento para a segunda fase e aí discutir a subida de divisão, sabendo que o campeão da zona sul pode até nem subir. A nossa ideia é formar um plantel competitivo.

Para a evolução do futebol feminino, depois da entrada de Sporting, Braga e Benfica, sente que fazem falta mais equipas como o FC Porto e não só?
Sim, mas vai acontecer a médio prazo, porque o que acontece na América do Sul vai acontecer na UEFA e para poderem entrar em competições europeias, os clubes terão de ter equipas femininas. Vai ser mais rápido do que pensam. Uma competição que se reduz a três equipas, contando com o Benfica, é mais pobre. Nas duas últimas épocas, a liga decidiu-se em dois jogos e se queremos uma competição com mais qualidade, tem de haver mais equipas, apostando os clubes na formação. Quando estas jogadoras jovens chegarem aos seniores não vão caber todas nas equipas profissionais e como querem jogar, vão reforçar outras equipas do nível abaixo e também isto vai fazer com que o nível competitivo seja mais alto e equilibrado. Esta época já vimos 2/3 equipas fazerem campeonatos muito interessantes, mas é preciso mais. Com a entrada de mais equipas, o fosso vai diminuir e o nível será cada vez mais equilibrado.

nuno cristovao 1