Irritam-me as frases feitas. Só há uma coisa pior: as ideias feitas. E no nosso país abundam como espanhóis emprestados no porto. Uma das mais geniais no nosso futebolinho é a “necessidade” ou o “recurso” aos fundos para adquirir jogadores. Andamos há pelo menos 8 anos a ouvir os nossos evangelizadores neo-liberais a pregar a generalidade dos fundos financeiros como se fossem uma ajuda fundamental, pior, como se fossem solução para algum problema.

Poupo-vos à dissecação do que é um fundo de jogadores, até porque eu próprio adormeceria, mas vamos definir uma ideia básica, assim como se fosse para o Calado entender: Um fundo de jogadores é uma terceira parte (fora dos dois clubes que negoceiam uma transferência) que compra direitos económicos do passe de um jogador, mas que não adquire direitos desportivos. É claro que num mundo onde o dinheiro é tudo, e os contratos contemplam tudo…separar os dois deve ser bastante mais difícil do que parece. Mas pronto Calado…não te assustes. Concentra-te na parte mais óbvia e larga a merda do espelho se faz favor. Um fundo é um bando de gajos com dinheiro que te diz “toma lá então estes milhões e nós ficamos com 30% do jogador…daqui a uns meses a gente fala”.

Ora isto no meu dicionário soa muito a Cofidis ou a Cetelem, mas na verdade é pior. Imaginemos que o benfas quer comprar o Bebé…eu sei Calado…calma. Ok, imaginemos que o Man Utd vende-o por 6 milhões de euros e o Orelhas vai ao fundo do baú da Sonangol e só encontra 3 milhões. Como seria habitual, liga ao Salgado. Mas imaginemos que o Salgado tá…sei lá…nas Caiman. Que faz o Orelhas? Sim, Calado…acertaste nesta…toma lá o cubo de açúcar. Então o nosso Orelhas vai, evidentemente, ligar…quer dizer…não precisa, ele está lá na sala…ao Jorge Mendes. “Como é que eu faço isto Jójó? Convenceste-me a comprar o gajo e agora? Eu não tenho dinheiro!”. O nosso Comendador Mendes responde-lhe: “Já experimentas-te o Royal Fund da Trust Bullshit and Beyond?”. Orelhas responde “Não, é bom?”. “É bom?! Fonix!! Vais comprar o Bebé e nem vais dar por nada!” diz-lhe o Comendador. Duas semanas depois, após uma mega propaganda nos jornais o jogador assina pelo clube.

O clube compra o jogador, imaginemos 50% dos direitos económicos. O fundo meteu o resto. Agora vamos mandar o Calado embora que já não precisamos dele nesta parte e vamos lá pensar: o que nos dizem os peritos nos media é que sem o fundo o Orelhas não tinha comprado o jogador e por isso é que este recurso é tão fantástico. Será mesmo assim?
Não entender que esta ideia feita é absurda é meio caminho andado para uma tragédia. O Sporting raspou nela há ano e meio atrás. Antes de existirem as “facilidades” dos fundos, já se transferiam jogadores há mais de 80 anos. Já se adquiriam passes, já dois presidentes ou managers se sentavam à mesa para negociar. Há na verdade dezenas de formas de realizar um negócio onde um clube não pode, ou não quer, comprar a totalidade do passe. Partilha de passe, compra faseada, empréstimo com opção, envolvimento ou troca de percentagens de passes ou jogadores, etc. Portanto o Orelhas não só podia, como devia – explico já a seguir porquê – ter deixado o fundo do Comendador fora do negócio.

O futebol gera dinheiro. E rápido. É dos que mais rentabiliza um investimento sem dar direito a prisão. Numa altura em que os juros pouco valorizam o capital e sem as bolhas da construção civil disponíveis…entrar num negócio de uma compra de jogador de futebol, não só é menos arriscado que jogar na bolsa ou investir em fundos especulativos…como é muito mais rentável.
Peguemos no Slimani. De 400 mil num ano, pode valer 12 milhões no seguinte. Poder participar num investimento destes não é negócio…é o euromilhões. O problema para os fundos nunca foi se lhes dava ou não dinheiro…mas sim se conseguiam ou não convencer os clubes e quem os preside a partilhar estes lucros fabulosos. Lamentavelmente muitos existiram que caíram nesta. Uns por que são a definição viva e falante de excremento humano. Outros porque sabendo ao que iam, abriram as portas dos clubes à divida e as suas pessoais ao “agradozinho” numa conta off-shore.

Não só fui sempre contra os fundos, como tentei insultar de forma ordeira quem os defende. Não sou contra o dinheiro, nem contra o que é preciso fazer para o ter. Mas sou contra a estupidez que promove, os consensos que estimula e as verdades que esconde. E o futebol tem ganho pouco com o dinheiro, ou melhor, com a “tanga” dos clubes empresas serem máquinas eficientes e credíveis. A alta finança do futebol ou a chamada “adequação” do clube a uma operação de SAD, permitiu a uns poucos senhores entrar no status quo do desporto.
Não pensem que o fizeram por carolice ou paixão clubística. Não tenham muita pena dos investimentos “ruinosos” do BES nos grandes clubes portugueses. Asseguro-vos que não vale a pena. O que vale mesmo a pena é os clubes gastarem o que têm e o que podem…e no caso de quererem mesmo, mesmo muito, investir num jogador mais do que o podem na ocasião…usem a cabeça e deixem lá os fundos sossegados. O Orelhas agradece e o Bebé pode dormir feliz nos braços de Jesus.

 

*às quartas, o Leão de Plástico passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca