Foi um dérbi para duros, com o coração a ser desafiado do primeiro ao último minuto e com o Sporting a somar os três pontos que lhe dão um avanço que pode ser decisivo na corrida pelo título

Há muito tempo que não precisava de tanto tempo para escolher a música e o título de uma crónica, depois de uma daquelas noites que ajudam a explicar esta inexplicável atracção por algo que nos desgasta e recarrega em simultâneo, no fundo como aqueles concertos que guardas num cantinho da memória que não precisa de telemóvel para gravar o que é importante.

Ora, ainda nem o primeiro minuto estava bem contado, ainda o Mundo Sabe Que mal tinha terminado de ser cantado, e já a loucura se instalava. Passe na queima do António próxima maravilha para Bah, com Pote a chegar primeiro, a ir por ali fora, e passar entre dois e a cruzar para um desvio mal amanhado de Trubin, que ainda teve tempo de ficar a ver Geny Catamo encostar lá para dentro!

Tudo isto, com uma espécie de neblina causada pela pirotecnia daquela que a Liga permite (não falemos de coisas ridículas), e na minha cabeça voltava a 92, onde o Balakov me tinha feito saltar da cadeira ainda antes dos 20 segundos. A noite não podia começar melhor!

Amorim tinha lançado Juste, Geny, Reis, Morita e Pote de início, mudando cinco peças em relação ao jogo da Luz (e eu concordei com todas, à excepção da utilização do japonês no lugar de Bragança, neste momento mais mais consistente e fresco fisicamente), e a verdade é que os problemas sentidos na terça feira, na meia final da Taça, não se fariam sentir da mesma forma. Rafa, por exemplo, foi completamente anulado, Neres também pouco espirrou, sobrando o puto que eu adorava que fosse do Sporting, João Neves, e o merdas que tudo pode fazer em Portugal porque era giro celebrar o título tendo nele o porta estandarte  (e vais celebrar é o caralho, ó Di Maria).

Com Juste e Inácio em bom plano, a construção do Sporting foi completamente outra e foi dando linhas de passe umas atrás das outras, quase sempre pela esquerda, onde Reis oferecia suporte defensivo e dava espaço para que Pote, entre linhas, e Morita inclinassem o jogo à canhota, muitos vezes para abrir o espaço para a rotação na busca do espaço à direita, onde Geny obrigaria Aursnes a uma noite de dores de cabeça. 

Do lado dos encarnados, houve muita bola, com mérito na vontade de tê-la (Neves chegou a recuar para junto dos centrais, na tentativa de explorar passes longos), obrigando o Sporting a baixar linhas e a jogar muito na procura de Gyokeres, que a meio do primeiro tempo lá saiu do bolso de toda a gente que o mete do bolso, fez o que quis dessa gente e viu Trincão não ter força nem arte para concluir lá para dentro. Do outro lado, era nas bolas paradas que o perigo mais rondava a baliza do jovem Israel, e precisamente na sequência de um desses lances, com a bola parada, Di Maria dá um soco na cara de Pote. Estavam decorridos 30 minutos de jogo e toda a gente viu, nomeadamente Luís Godinho, o VAR, que algo comunicou ao artista Soares Dias. No seu estilo merda chic, o apitador dirigiu-se ao argentino e cantou-lhe uma canção do Abrunhosa em ver de lhe mostrar o vermelho.

A propósito de cartões, Geny já tinha visto um como castigo por ter marcado tão cedo, Hjulmand tinha visto outro por ter sido empurrado, e todos ficámos a ver Di Maria que devia estar na rua bater um livre para Bah empatar de cabeça, no último minuto da primeira parte.

Com a perda da vantagem, o Sporting regressou a querer passar a posse de bola para o meio campo adversário, e logo aos cinco minutos do segundo tempo Gyokeres fez um daqueles remates que todos pensamos que só Oliver Tsubasa consegue fazer. Que puta de buja disparou o Thor, com o martelo a acertar com tanta força na trave que quase desapareceu rumo a Asgard!

O Sporting estava mais subido, o Benfica passava a apostar em transições, e estranhamente os Leões iam acumulando precipitações e tremeliques, nomeadamente Inácio que parecia acusar o peso do momento. Amorim mexia, lançando Diomande para caçar fantasmas na posição do 25, e colocando Bragança para agarrar a bola e o jogo (e que classe nos ofereceste, Daniel!). Israel, alternava saídas de bola temerárias com uma daquelas defesas que fica na memória de todos, a remate do tal gajo que devia estar na rua, Coates, esse mal amado que me deixa apaixonado, mostrava o dedo do meio a Neres, quando a bola ia a caminho da nossa baliza, repetindo o momento “eu sou o Capitão” já nos descontos, limpando a última aflição na nossa área.

Na outra, depois de Hjulmand escapar ao segundo amarelo porque o artista de serviço sabia o que tinha feito até aí, e resolveu compensar, Gyokeres era parado pelo bandeirinha, depois de se ter isolado deixando por terra a fita do Otamendi. Paulinho subia ao segundo andar e cabeceava para Bragança se atacado pelo fantasma de Bryan Ruiz, junto ao segundo poste. Mas havia mais um canto, agora do lado contrário, e na bancada não havia alminha sentada, muito menos o pessoal que sai mais cedo se atrevia a fazê-lo. Era como se todos estivéssemos à espera da música que queríamos ouvir, e raispartaestamerda se eles não a tocam!

Lá vem o cruzamento, lá vem uma molhada em salto que não lhe chega, lá cai a redonda nos pés de um pequeno moçambicano de quem toda a gente se esqueceu. Nós gritamos, “chuta!” a 47 mil vozes, e ele saca do pé que nem é o seu melhor para descarregar a fúria no fundo da rede.

 

 

Há lágrimas de uma menina agarra a mim, há gente que se agarra onde pode, que o mosh é daqueles que te leva, e ninguém arreda pé antes do Gyokeres gozar com quem só o sabe parar a puxar e empurrar, antes de ficarmos ali todos a cantar Sporting, esperando pelo encore onde se canta aquilo que todo o mundo já sabe, e onde fechamos a noite marchando em conjunto, lado a lado.

 

a foto do caracinhas que ilustra a crónica é do grande Maciej