(in Diário de Notícias)

Um dos momentos marcantes do França-Portugal disputado no sábado foi a substituição de Cristiano Ronaldo pelo estreante João Mário, o médio que desde o jogo do Sporting em Maribor, na Eslovénia, parece ter agarrado a titularidade na equipa de Marco Silva, dando sequência ao bom final de época que efetuou no ano passado em Setúbal. Foi ele que arrancou o penálti que permitiu a Quaresma reduzir a desvantagem, dando uma expressão mais correta ao resultado.

Mas o significado da sua entrada em campo não se esgotou aí – com Cédric, que amou a titular pela primeira vez, apesar de já ter sido chamado por Paulo Bento, passaram a ser 11 os jogadores formados em Alvalade que na última década (após o Euro 2004) se estrearam pela seleção A. E este número inclui apenas os futebolistas que no seu primeiro jogo internacional ainda vestiam a camisola verde e branca (este trabalho tem por base estreias na seleção ao serviço do clube formador): é que, se se alargar o espectro para todos os convocados dos últimos dez anos, independentemente de ainda estarem em Alvalade na altura da chamada ou de terem chegado a alinhar, o mesmo sobe para 26. Com Adrien ainda à espera de alinhar pela primeira vez com a camisola das quinas – é um dos 11 nomes made in Alvalade incluídos na primeira convocatória de Fernando Santos mas não saiu do banco no jogo disputado no Stade de France -, é de facto notável a produção de talentos de Alcochete que se projetaram até à seleção.

A situação ganha mais expressão se se comparar o Sporting com os seus dois grandes rivais, que juntos nem a metade chegam. O FC Porto, que já foi um grande “produtor” de futebolistas de gabarito, teve apenas um futebolista oriundo das suas camadas jovens a chegar à seleção representando o clube que o formou, o médio Josué, que mesmo assim teve de passar por Paços de Ferreira para conseguir jogar no Dragão e, consequentemente, vestir a camisola das quinas. Do Benfica em linha reta para a equipa de todos nós saíram apenas três futebolistas que se estrearam representando as águias, dois deles bem recentes (Nélson Oliveira e Ivan Cavaleiro) – apenas mais um do que aqueles cedidos pelo Sp. Braga no mesmo período (Eduardo e Orlando Sá).
Aliás, na Península Ibérica nem a (justamente) famosa canterado poderoso Barcelona conseguiu tanto como o Sporting: no mesmo período, ou seja, desde o Euro 2004, que se disputou em Portugal, em que a seleção espanhola venceu dois Europeus e um Mundial tendo como base a espinha dorsal culé, foram estreados nove futebolistas que, depois de La Masia, conseguiram chegar a Camp Nou. Entre eles, o genial Andrés Iniesta, que curiosamente só em 2006 conseguiu chegar à equipa principal do país vizinho.

Para Jesualdo Ferreira, treinador que já passou pelos três grandes e trabalhou nas camadas jovens da FPF, esta preponderância leonina nas convocatórias é “um número que tem o seu significado”: “Quando fui para a federação, em 1974, os três grandes, bem como outros clubes como o Guimarães ou o Setúbal, tinham bons jogadores entre os 16 e os 19 anos, mas isso foi algo que se foi perdendo gradualmente. O FC Porto foi um dos primeiros clubes a ter problemas para conseguir formar jogadores como fazia nos anos 1970 ou 1980 e a seguir foi o Benfica. Já o Sporting projetou a Academia e manteve essa linha, que já vinha desses anos, por isso não espanta que nos dias de hoje a sua formação tenha essa preponderância entre os convocados. Numa estrutura que tem uma boa prospeção e seleção de jogadores, o clube ficou sempre por cima nesse capítulo”, afirmou ao DN.
Segundo o ex-técnico do Sp. Braga, essa aposta também tem uma explicação. “O Sporting foi sempre o clube com menos recursos financeiros, enquanto os seus dois rivais foram perdendo essa perspetiva de um trabalho mais interno porque tinham esses recursos. É que, no futebol atual, o que está por cima é o negócio.”

Na seleção espanhola, e como já foi referido, cabe ao Barcelona o papel de principal fornecedor de jovens. O trabalho em La Masia é reconhecido internacionalmente e os “produtos” da cantera catalã são, normalmente, de boa qualidade, mesmo que nem todos consigam lidar com as exigências da primeira equipa e sejam obrigados a procurar outro poiso. E, tal como em Portugal, a formação do clube catalão, com nove estreantes, supera a dos seus dois principais adversários (embora seja mais complicado definir qual o terceiro grande, a opção para estas contas deu-se pelo número de títulos de campeão): enquanto o Real apenas viu um canterano estrear-se com a rojanos últimos dez anos, o lateral Dani Carvajal (Rodrigo, o ex-befiquista que jogou ontem no Luxemburgo, fez a maior parte da formação no Celta), o Adético de Madrid somou quatro novos internacionais nesse mesmo período, nenhum deles indiscutível nas opções de Vicente dei Bosque (Koke, Mário Suárez, António López e Álvaro Dominguez). Curiosamente, se se alargar o critério a todos os convocados (e foram 110 na última década), o clube merengue até parece não formar mal (teve 16 futebolistas da sua formação chamados por Aragonês ou Del Bosque, contra 20 do Barça e oito dos colchoneros).

Ganha destaque, por isso, o papel de clubes como Athletic Bilbao, Valência ou Sevilha. Os bascos viram sete dos seus jovens chegar ao patamar mais elevado nos últimos 10 anos, destacando-se Fernando Llorente; os chéaumentaram ontem para cinco o número de estreantes oriundos da cantera, com Bernat a fechar a goleada no Luxemburgo; e os andaluzes mostraram ao mundo nomes como Sergio Ramos (a sua estreia em 2005 foi também a única internacionalização enquanto esteve no clube de formação), Diego Capel ou o malogrado Antonio Puerta. Consequência de um país maior e mais descentralizado, certamente.

ÚLTIMOS 10 ANOS: ESTREIAS NA SELEÇÃO A PELO CLUBE DE FORMAÇÃO
PORTUGAL
Sporting (11)
André Martins, André Santos, Carlos Martins, Cédric Soares João Mário, João Moutinho, Miguel Veloso, Nani, Rui Patrício, William Carvalho, Yannick Djaló

FC Porto (1); Josué
Sp. Braga (2); Eduardo, Orlando Sá
Benfica (3); Ivan Cavaleiro, M.Fernandes, Nelson Oliveira

ESPANHA
Barcelona (9) Ath. Bilbau (7) Valência (5) Sevilha (5) At. Madrid (4) Real Madrid (1)

*Para efeitos de formação foram contados apenas os dois últimos anos nas camadas jovens, ou seja nos sub-19. Nos casos em que esses anos foram divididos por dois clubes, considerou-se o último antes da passagem a sénior (**).