Não tem conta o que eu odeio esta artimanha dos fundos. Representam quase tudo o que tem estragado o futebol. A hipervalorização dos jogadores face à desvalorização do papel social dos clubes. A ingerência do dinheiro na lógica tradicional do crescimento de projectos desportivos. A aldrabice pegada de encher o cu de dinheiro de dirigentes que amam muito mais os carros e as casas do que qualquer emblema. A fuga aos impostos. A submissão à vontade de terceiros que nada entendem de futebol.

Recentemente a BBC Sports esteve em Alvalade para ouvir BdC falar da sua experiência (negativa) com os fundos. Diz o repórter que o Sporting é conhecido por ter sido o clube que disse bem alto que recusa os benefícios deste elaborado esquema. O simples facto do meu clube estar a assumir este papel no mundo do futebol deixa-me para lá de orgulhoso. Não há título mais valioso que a reputação de honestidade e não há batalha mais digna do que a procura da verdade desportiva ou independência para governar o que é nosso.

Ouço alguns adeptos de outros clubes mencionar que o Sporting só está a adoptar este papel porque fez maus negócios com os fundos e quis safar-se de pagar a contribuição da Doyen no caso Rojo. Não é um argumento falso. Mas é uma meia verdade. Sim, o Sporting abriu os olhos muito mais cedo para esta questão e sim principalmente porque fez péssimos negócios com os fundos. Mas há mais para pensar neste capítulo.
1/ Porque fez maus negócios?
2/ Porque decide acabar com estas operações?

Ponto1. O Sporting fez maus negócios, primeiro porque não houve critério na utilização desta opção. No mandato de Bettencourt e Godinho os fundos foram um saco milagroso, a mala do Sport Billy, onde cada vez que era preciso financiar algo vendia-se uma percentagem de um jogador. Uma loja de penhores autêntica. Quem o fez no clube fê-lo mal, mas ficaram bem no retrato quem foi alimentando esta má regra de gestão? Poderão ser vistos como bons parceiros de negócio? Ou poderão ser vistos como abutres que se vão alimentando de uma carcaça moribunda?
Jorge Mendes assumiu desde há umas semanas a defesa do papel utilitário dos fundos. É hoje em dia o grande campeão do Third Part Ownership. Pudera, ele é só o maior visado na mais recente legislação aprovada pela FIFA. Diz este bandalho, que tenho o maior prazer em desmentir, que é ilegal a medida imposta porque retira liberdade aos clubes de fazerem o que querem com o seu dinheiro. Inteligentemente Jorge e os Fundos vão colocar esta embrulhada toda nos tribunais pela vertente da liberdade. Mas qual liberdade?

A liberdade de comprar clubes pequenos para actuarem como “barrigas de aluguer” de negociatas com jogadores? A liberdade de canalizar dinheiros de casas de apostas e sabe-se lá mais de onde, na compra de passes de jogadores que vão valorizar (mesmo sem jogar) em duas semanas quase 400%? A liberdade de ter 85% do passe de um jogador e ainda pedir comissão pela sua transferência? A liberdade grande parte do dinheiro que circula entre empresários, jogadores e clubes passar por offshores? A liberdade de “obrigar” clubes a vender jogadores a um clube determinado mesmo que esse não seja o melhor negócio? A liberdade de convencer um clube médio a abrandar na caminhada para um título histórico, para não desvalorizar a imagem e os passes pertencentes a um emblema favorito? A liberdade para desvirtuar a competição enchendo clubes falidos de jogadores comprados a outros emblemas falidos? A liberdade sentar à mesa de um clube e ameaçá-lo de represálias caso não obedeça à sua vontade? A liberdade de estar contra os clubes quando se diz ser o seu melhor amigo?

Para mim a liberdade é um valor absoluto, mas condicionado a um valor. Eu não posso “pedir” liberdade para agir mal ou em desfavor de algo ou de alguém. O que o Jorge e os Fundos desejam é convencer tolos de que são uma ferramenta que ajuda os clubes a terem o que não podem. Ganhar o que não ganhariam, lucrar o que não podem lucrar. Um verdadeiro atestado de menoridade. Os clubes, são nesta visão, uns pobres desgraçados, umas almas penadas que sabe-se lá porquê estão na miséria (um dia ainda vamos ouvir alguém nos explicar porque estão assim e entender que os “lucradores” da ruína são exactamente estes “amigos”) e não conseguem concorrer com os grandes impérios do mal chamados Bayern, Real Madrid ou Barcelona. Mas eu pergunto, alguma vez concorreram? Desde a lei Bosman e sem impedimentos de “estrangeiros” nas ligas europeias que isso era inevitável. Os tubarões europeus serão sempre muito mais fortes, primeiro porque recebem receitas televisivas enormes das suas ligas, segundo porque têm uma base de receitas mundial, e terceiro porque todos os jogadores querem naturalmente chegar ao topo…e eles são o topo.

Usar os fundos não aproxima os clubes pequenos do sucesso. Não permitiu ao Atl.Madrid ser campeão e outras tretas que os fundos se vangloriam. Quem conquistou o título espanhol foi a garra e a boa escolha de atletas de um clube que tem uma história, a capacidade de um treinador motivar uma equipa para um feito épico, o valor dos jogadores que ousaram acreditar que eram capazes de bater os dois pesos pesados do futebol mundial. Pensar que o dinheiro compra títulos e pensar que sem muito dinheiro não há sucesso é a maior ameaça ideológica à paixão pelo futebol. Este paradigma, absurdamente realista, pode ser fundamentado e até verificado, mas não poderá nunca ser a moral da competição. Então os clubes deixariam de ser o que são e seriam apenas mais um instrumento financeiro que procura o lucro primeiro e o sucesso desportivo depois. Essa sim seria a ruína. Essa sim nos tornaria em clubes “pequenos”.

Ponto 2. O Sporting decidiu acabar com os fundos porque (e isto está publicado) entendeu que estas organizações não primam pela liberdade, independência e vantagem mútua. BdC entendeu, tal como eu e muita gente, que o Sporting usando os fundos tornar-se-ia sempre e fundamentalmente um clube cada vez mais pequeno.

 

*às quartas, o Leão de Plástico passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca