E prontos, como diz o outro, chegámos à fatídica fase da época em que o presidente é um trambolho, o treinador é um otário e os jogadores são uns coxos. Confesso que é às vezes gostava que fossemos todos um pouco mais Dortmundianos, mas daqueles a sério (não dos que dizem se orgulhar de estarmos próximos daquela fervorosa e indefectível massa de apoio e depois não põem as patas no estádio). Muitas vezes quando estou a ver jogos da Liga Inglesa fico sempre a pensar como é que o raio do Newcastle, o Everton ou o Tottenham conseguem encher repetidamente os seus estádios quando a última coisa que ganharam de jeito…eu ainda não tinha barba e invariavelmente andam ali entre o 8º e o 14º lugar na tabela. Chego sempre à mesma conclusão. Aqueles tipos são adeptos a sério.

Quando era puto, solteiro e palerma, gostava de ir à bola nos países para onde viajava, não foram muitas as experiências, mas deu para ir a Londres, a Paris e Atenas. A Inglaterra num curto espaço de dois anos, fui duas vezes. Na primeira vi um jogo no Highbury, antiga casa do Arsenal, penso que frente ao Sheffield United…dois golos do mítico Ian Wright e um do Quinn um irlandês que esteve com um pé e meio em Alvalade. Na segunda vez, fui ao vizinho White Hart Lane ver um Tottenham – Leeds Utd, debaixo de um frio e chuva que não punha um latino fora de casa, mas que não afugentou 40.000 saxões. De ambas as experiências era esmagadora a diferença de cultura nesta coisa de ir à bola. Domingo à tarde entre as 13h00 e as 17h00 era o espaço sagrado do futebol na Inglaterra. Ultimamente as coisas mudaram, os britânicos renderam-se às audiências nocturnas, mas manteve-se a lógica do futebol à tarde. Houve cedências, mas poucas, a cultura do adepto foi tida em conta, muito mais que o dinheiro das TVs (e lá é dinheiro…mesmo).

Para muitos dos adeptos britânicos ir à bola não é uma escolha, entende-se logo para quem se senta entre eles, que existe uma autêntica família nas bancadas, aquela malta senta-se há anos e anos nos mesmos lugares, os adeptos conhecem-se desde pequenos, mesmo que morem em lados opostos da cidade. Ir ao estádio no fim de semana é tão lógico como comprar o pão todos os dias ou passear o cão. E só mesmo o cão é que não vai. Admito que nos jogos que vi, a percentagem de público feminino era curta (10 ou 15%) mas a coisa mudou. O male bonding entre pais e filhos alargou-se às mães e filhas…tal como em todos os outros lugares do mundo, a sociedade evoluiu. Evoluiu, mas os estádios dos gunners, dos toffees, dos reds, dos magpies, dos spurs…continuam cheios. A tarde do futebol manteve-se sólida. Ir à bola continua tão lógico como sempre foi.

Existem outras diferenças entre o adepto tuga e o britânico, lá não se assobiam os jogadores da casa, não se acha a cada derrota que a equipa é uma merda, não se põe em causa toda a direcção por uma má época. Lá como em muitos outros sítios, o clube é parte da identidade dos seus adeptos e o orgulho é constante, não flutua conforme a tabela classificativa ou quem governa a SAD. Eles também não gostam de perder, detestam passar décadas sem ganhar nada e odeiam voltar para casa com um mau resultado em cima dos cornos…mas na semana seguinte, muitas vezes 3 dias depois, lá estão eles, a cantar como sempre, a insultar o adversário como sempre, orgulhosos como sempre. Podem tirar-lhes os títulos e a honras de primeiras páginas, podem tirar-lhes as grandes equipas e os grandes resultados, mas o que nunca lhes tiram é a vontade de ir à bola e o orgulho de vestir os jerseys.

Porque ir à bola, não é ir ganhar, não é celebrar títulos, não é apoiar equipas vencedoras. Ir à bola é ir afirmar com a própria presença, vestido com cachecol, camisa, boné, gorro ou pin que somos do Sporting e temos orgulho no clube, esteja ele mais Munique ou Dortmund. O clube que também vá pensando nisto e fazendo mais pelo horário dos jogos em Alvalade, descontos para famílias, entradas mais calmas dos adeptos no estádio…muito já foi feito, mas é preciso mais. O espectáculo tem de ser ajustado ao adepto e não o contrário.

 

*às quartas, o Leão de Plástico passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca