Esta noite tive um sonho. Normalmente não me recordo de sonhos que não envolvam várias pessoas do sexo feminino vestidas de enfermeiras, mas este foi um sonho estranho e totalmente diferente.

Sonhei que ao longe via uma tenda de circo. Mais de perto, o pano da tenda, verde e vermelho, estava roto, cheio de buracos, rasgões e remendos. Via-se que em tempos tinha sido majestoso, capaz de ombrear com os melhores do mundo, mas agora estava em decadência… O bilhete era caríssimo. O bilhete para uma família completa era ainda mais caro, mas oferecia desconto para o psicólogo infantil ou posto médico na aldeia mais próxima. Estranho. Entrei.

À entrada fui recebido por um tipo muito gordo e um outro que tentava passar despercebido que me indicaram para o meu lugar. Sentei-me. Nas bancadas enormes em madeira não havia mais que um punhado de pessoas, mas havia câmaras para transmissão televisiva.

O primeiro número foi estranho. Uma morena roliça vestida com um fato azul justo desfilou com um sorriso enorme e ornada com frutas na cabeça “à là Carmen Miranda”. Foi amarrada a um alvo redondo em madeira por um senhor já um tanto idoso, careca, de sorriso irónico e gestos lentos. Depois apareceu um tipo com casacão azul e branco, risco ao meio no cabelo aloirado e com sotaque espanhol, que começou a atirar facas de ponta-e-mola ao alvo onde estava amarrada a assistente. A assistente gemeu de dor com sotaque brasileiro, duas ou três facas com que o espanhol lhe acertou. Não admira, estava de olho distraído e invejoso no número que estavam a montar entretanto no centro da tenda. Era um trapézio voador.

Surgiu um tipo com fato de licra justo vermelho e cabelo comprido esbranquiçado. Deu as boas noites e tentou dizer num português falho e macarrónico o truque que ia fazer a seguir. Engasgou-se 2 ou 3 vezes nos verbos e desistiu. Pegou na vara comprida e tentou atravessar o arame, mas estava sempre a cair. Só que tinha 3 tipos cá em baixo a agarrarem cordas à volta da sua cintura, além da rede de segurança, e que o estavam sempre a recolocar no arame. Às tantas a vara já tinha caído cá para baixo e o trapezista parecia agora que voava, seguro pelas 3 cordas até ao fim do seu percurso. Um número muito pouco interessante… Ainda assim, o punhado de espectadores aplaudiu muito. Alguns de pé.

Notei então que 3 palhaços passeavam uma jaula à volta da arena. Lá dentro, um velho leão branco e a sua cria eram chicoteados pelos palhaços que se riam muito. Apreciavam especialmente chicotear a cria de leão, que era quando se riam mais. O público atirava os churros e as farturas à jaula e riam muito, também. Não tive coragem para ver mais. Saí, e à porta o gordo despediu-se, muito contente. Convidou-me a voltar mais vezes, enquanto o outro tipo ao lado dele tentava passar despercebido.

 

Texto escrito por Valdemar de Verde, in As Redes do Damas

* “outros rugidos” é a forma da Tasca destacar o que de bom se vai escrevendo na blogosfera verde e branca