De repente lembrei-me que, nos meus 4 ou 5 anos de tasca, nunca li um post sobre o melhor jogador que alguma vez pisou os relvados portugueses. Sou de meados da década de 80, e como tal reporto-me apenas a essa altura, e daí para a frente. Balakov.

Como muitas vezes acontece, até pela jactância congénita dos 6 milhões de melgas narcisistas, ouvimos recorrentemente dizer que o melhor jogador estrangeiro que pisou as relvas dos estádios em Portugal, dá pelo nome de Aimar. Nada contra. Cada um gosta dos seus. Aliás, nos meus anos 90, quando joguei ao primeiro CM, acabava sempre por comprar o Aimar para a minha equipa. Mas acontece que nem o Aimar é comparável. Foi um óptimo jogador, com toda a certeza, mas nunca, em momento algum, poderá ser comparado ao melhor jogador búlgaro de todos os tempos (e sim, aqui incluo o Stoichkov). Como alguém uma vez disse, lá para os lados da Bulgária, é Balakov que dirige a banda.
Ora, se me parece válido considerar que o Pablito foi um dos melhores, pelo menos daqueles que passaram por Portugal, também me parece claro que os seus dois anos de competição, mais os dois anos seguintes de banco, se traduzem mais numa espécie de legado ou consagração daquilo que já havia dado ao futebol, do que propriamente na imagem de alguém que foi um insubstituível na equipa que representou, neste desporto nacional doente que a terra há-de comer.

Por tudo isto, e separando o lado emocional da coisa, parece-me que dizer que Balakov foi o melhor jogador que este país já viu jogar, depois do final dos anos 80, não andará muito longe da verdade. Balakov era um génio com a bola nos pés. Era o 10 que já não existe no futebol. Mas, mais importante do que tudo o resto, Balakov é provavelmente o jogador que define e decide mais simpatias clubísticas na sua altura. Foi o meu caso. Com uma família que não ligava por aí além à bola, nunca passei por aquela fase de decidir em função do pai, ou ser levado pelo primo mais próximo, ao primeiro jogo ao vivo. Ao Sporting descobri-o basicamente sozinho, e, de tudo o resto, lembro-me que foi talvez o Balakov o grande responsável pela minha decisão. E é talvez por isso, por gostar tanto do Sporting, e por ter tanto orgulho no meu clube, que lhe estou eternamente grato.

Ali, no topo sul do velhinho Alvalade, ou numa casa de férias de Agosto, as tardes eram sempre passadas a imaginar o Balakov a resolver os jogos. E oh se os resolvia. Com aquele pé-esquerdo que cora de inveja todos aqueles que algum dia decidiram jogar futebol, passando pela inteligência em campo, e acabando na classe com que chutava cada bola, Balakov é talvez o momento mais alto e a escolha mais óbvia naquelas definições de alter-ego para o futebol de praceta e de torneio inter-escolas. Era o meu herói.

Muito cedo comecei a visitar Alvalade, em alturas que não as dos jogos. O objectivo era sempre o mesmo: ver sair o Balakov da mítica 10A. Eu queria lá saber do Figo, e do Peixe, e do Capucho, do Carlos Xavier, do Iordanov, do Valckx, etc. Eu queria era o Balakov. Ali, com a bola adidas do Sporting na mão, bem presa, para não se estragar na calçada, lá ia ficando, minutos e minutos, à espera do som da bota do Balakov, a pisar chão até ao campo de treinos em frente ao estádio. O som da bota do Balakov. O som que me segue até hoje, naquelas bolas batidas em canto, do lado esquerdo, mesmo à frente do sítio onde estrategicamente me posicionava, a desejar que o jogo todo fossem livres directos e cantos do meu lado. Aquelas bolas teleguiadas que, hoje, fariam do Polga, esse mesmo, um goleador de golos de cabeça. Aquelas bolas que saíam daquele magnífico pé, como que a perguntar: “qual de vocês me quer pôr na baliza?”.
E assim era todo o ano. Nas aulas, nos recreios da escola, ou nos dias de férias. Dias de férias como aquele em que, a lanchar junto à televisão, senti o sufoco de um momento de excitação incontrolável, traduzido em leite a sair pelo nariz, e bocados de pão a tapar-me a respiração, naquele momento em que acontecia a jogada de génio de Setúbal. Festejar? Festejar não consegui, tal era o pânico na bancada da cozinha, com coisas a sair de sítios menos próprios, com tudo o que a imagem possa ter de nojento. Mas o momento estava registado, e assim que melhorei, minutos depois, pouco mais fiz do que esperar pelas repetições do jornal da noite e dos noticiários da tarde seguinte.

Separar o Sporting, clube, do jogador Balakov, era para mim impossível. Eram a mesma coisa. Para mim, eram os dois significados maiores da minha ligação ao desporto. Eram a simbiose perfeita e só mais tarde comecei a perceber que o clube era maior do que qualquer atleta, que estava acima de qualquer jogador. Foi uma aprendizagem, digo-vos eu, e valeu tanto a pena. Estarei para sempre grato ao Balakov, como naquele dia, mais um, em que, no meu metro de altura, entrava no topo sul, cheio de fumo, e com uma sandes manhosa qualquer, eventualmente com a data de validade há muito ultrapassada, a celebrar o golo aos 20 segundos, empoleirado como um pequeno viking no corpo do meu vizinho mais velho, ou de algum amigo deste. Sandes no chão, cachecol ao alto, e mais um momento Balakov para a posteridade. Balakov era tudo isto, e estou bastante certo que o significado seria extensível a um sem número de adeptos leoninos, da minha idade, mais velhos, mais baixos, mais altos.

Para mim, e recordando este enorme jogador, digo com toda a convicção, até porque segui algumas coisas dele no Estugarda, onde também é símbolo eterno, que este jogador seria titular em qualquer equipa da altura, fosse essa equipa o Real Madrid, o Barcelona, ou o Bayern Munique, clube que, de resto, encontrou em Balakov um dos seus grandes oponentes da altura. Homem de poucos clubes, homem de interminável talento, Balakov será sempre lembrado como um dos grandes génios do futebol. E é o meu herói, precisamente porque, na ausência de um pai, foi quem me levou a ser deste clube que adoro!

 

ESCRITO POR Diogo Carvalho

*às quartas, a cozinha da Tasca abre-se a todos os que a frequentam. Para te candidatares a servir estes Leões, basta estares preparado para as palmas ou para as cuspidelas. E enviares um e-mail com o teu texto para [email protected]