Era uma vez um Dj francês, um Dj argentino e um Dj suíço e isto podia ser uma daquelas anedotas, tão segunda metade dos 80, em que um gajo metia um português ao barulho para mostrar que o cérebro tuga dava baile ao de outras nacionalidades. Bem, esqueçam esta alusão ao cérebro, que não foi propositada, e foquemo-nos nos três dj’s que, há coisa de 15 anos, unindo a sua paixão pela cultura argentina e pelo tango, juntaram-se em Paris e criaram os Gotan Project, colectivo artístico que colocaria o famoso ritmo sul americano nas bocas do mundo com uma variante chamada electrotango.

Ora, em Alvalade, juntaram-se um central uruguaio (para quem não sabe, outro dos países responsáveis pela evolução e disseminação do tango), um médio ala brasileiro e um goleador holandês, mas como isto do futebol pede mais do que três artistas, apareceu um supersónico português e um outro português, de bigode discreto, que comandou o ritmo de toda a equipa. O ritmo musical, esse, veio da concertina de um vagabundo argentino, raio de gajo molengão que dá ideia de estar sempre encostado a uma parede das ruas de Buenos Aires, mas que, de um momento para o outro, saca da pelota e ensaia movimentos freestyle que obriga os turistas a aplaudirem e a encherem-lhe o boné mal lavado de dólares acabadinhos de cambiar.

E numa noite de tango reinventado, nem faltou aquele toque histórico, com o Boavista remetido ao papel da moçoila francesa que atravessava o oceano e acabava num bordel e trautear uma chanson que embalava os maganos dos latinos para a criação do tango. Como aconteceu aos 19 minutos, quando um tal de Scelotto, rapaz italo-argentino muito bem visto entre o contingente feminino, aproveitou uma bola recuperada por Podence (a formiga atómica) e cruzou atrasado para a entrada do tal vagabundo que, já se sabe, dificilmente perdoa quando lhe permitem rematar a menos de 15 metros da baliza (e com isto vão seis golos nos últimos oito jogos). À terceira tentativa (as outras duas tinham sido de Bruno César) o Sporting abria a contagem e ficava mais uma prova de que esta era noite de La Revancha del Tango, disco que tem como terceira faixa um apropriado “Chunga’s Revenge”, título de um álbum de Frank Zappa que encaixa que nem uma luva no rapazinho com o 99 nas costas.

Bas Dost, o goleador holandês, fez uma festa do caraças e correu a abraçar Schelotto; Bruno César, o brasileiro, achou por bem trocar as tentativas de marcar pela possibilidade de receber um abraço daqueles e aproveitou uma perda de bola do lateral direito tripeiro que fez sorrir os laterais do Sporting, foi por ali fora e quando o redes estava fora da baliza meteu no 28 e lá ficou amassado pelo fechar de braços do gigante. Podence quis voltar a repetir a experiência por isso, isolado na cara do redes, resolveu meter para o lado em vez de marcar. Nem era Dost que lá aparecia, nem o passe saiu a preceito, obrigando Bryan Ruiz a encarnar o espírito “pura vida” para conseguir sorrir.

Ainda antes do intervalo, Bas Dost soltaria uma bomba de cabeça, na sequência de um canto, como que dizendo aos quase 43 mil adeptos presentes em Alvalade (é brutal como continuam estas casas quando para pouco ou nada se joga) que haveria de voltar a marcar. Bastou esperar dois minutos depois do recomeço: Bruno César aproveitou uma infantilidade de um adversário e ganhou o penalti, o holandês foi frio como bom assassino que é e mandou o redes para um lado e a bola para o outro. Quinze minutos volvidos, Alan Ruiz, o chunga, abre com classe para a corrida de Bruno César e o camisola 11 volta a oferecer o golo a Dost. 4-0 e novamente a liderança da lista dos melhores marcadores europeus!

Alvalade sorria tanto como o holandês, agora que o concerto ia a meio. O capitão Adrien regressava após sete semanas de ausência e escutava-se “Una Música Brutal”, tema maior de um álbum que teria saltado do leitor se Podence tivesse marcado aquele golaço inacreditável que tentou marcar sem ângulo e com o seu pior pé. Mais um cruzamento de Schelotto encontraria Campbell a roubar o bis a Alan Ruiz (o argentino tinha a canhota armada, o costa riquenho corre três vezes mais rápido e chegou primeiro para disparar com o direito para boa defesa do redes) e naquela que foi uma das danças mais sensuais ensaiadas pelo Leão ao longo de toda a época, ainda haveria tempo para Xico Geraldes virar o jogo de uma lateral para a outra e dar a todos a certeza que o que não faltam são artistas prontos a integrarem este colectivo à procura de constância na afinação.