Revoltante, é o adjectivo mais simpático para classificar esta passagem da entrevista que António Costa dá à revista Visão.

Num país onde um adepto foi morto em plena bancada e onde esse assassinato serve de mote a assobios e tarjas, o Primeiro-ministro tem a distinta lata de largar uma frase destas, num inacreditável assobiar para o lado. Aliás, numa altura em que prontamente nos perdemos em trocas de galhardetes pela net, torna-se ainda mais obrigatória uma tomada de posição forte por parte do Sporting Clube de Portugal, condenando sem reservas a ligeireza com que o Primeiro-ministro trata tão grave assunto!

Nessa mesma entrevista, Costa sublinha que adora “o futebol dentro das quatro linhas, mas detesto tudo o que se passa fora das quatro linhas”. O primeiro-ministro revela o desejo de que aquilo que “se passa fora das quatro linhas não faça esmorecer” o seu gosto e “o gosto de milhões de adeptos pelo jogo”

Desejando antes de mais que “as pessoas tenham bom senso e não deem cabo de uma atividade na qual Portugal tem enormes responsabilidades”, o líder do governo avisa também que “as autoridades devem agir sempre que se justifique, porque ninguém está acima da lei”.

A dado momento da entrevista, a pergunta é bem direta: “Está preocupado com as investigações que envolvem figuras importantes do seu clube, o Benfica?”. “Eu não [risos]. Eu não sou adepto do clube por causa dos seus dirigentes! Num Estado de Direito ninguém está acima da lei. E a tranquilidade de viver num país onde esse princípio se verifica é um fator de confiança no funcionamento da sociedade”

Curiosamente, hoje, no DN, cinco decanos do futebol português, que em conjunto somam quase 2500 encontros no escalão maior do nosso futebol, não têm problemas em apontar o dedo ao governo, em especial à Secretaria de Estado da Juventude e do Desporto, à Federação Portuguesa de Futebol e Liga de Clubes.

Manuel José, por exemplo, afirma que “As entidades competentes nunca fizeram nada pela credibilização do futebol português. Eu fui emprestado pelo Benfica três anos e joguei sempre contra o Benfica. Hoje quando a FPF e a Liga permitem que os emprestados não joguem contra o clube-mãe estão a dizer que os jogadores são desonestos. Depois do Apito Dourado as coisas acalmaram, mas os dirigentes que chegam querem ganhar a qualquer preço. A FPF não mexe uma palha, a Liga não quer saber, os árbitros que tinham ganho credibilidade pós-Apito Dourado estão descredibilizados. Agora há os chineses pelo meio, com os salários que se pagam em Portugal nos clubes pequenos os jogadores estão sujeitos às pressões dessa gente que anda no futebol para se orientar. E se o Benfica ganhar este ano? Há essa história dos e-mails e eu já disse que se ganharam de forma fraudulenta metam na cadeia quem tiverem de meter. São suspeições atrás de suspeições, há que ganhar a qualquer preço, o futebol português está a voltar ao tempo anterior ao Apito Dourado; ninguém confia em ninguém e ao mínimo erro toda a gente é corrupta. Governo, FPF e Liga assobiam para o lado e nós cada vez descemos mais. Estamos numa espiral de desconfiança e violência verbal e ainda temos os comentadores afetos a clubes. Isto vai acabar mal, ninguém faz nada. A paixão pelo futebol está a morrer porque os pais já não levam os filhos ao futebol.”

Também Manuel Machado fala sem rodeios recordando, inclusivamente, a morte do adepto do Sporting em pleno estádio.
“Temos exemplos de outros países; o que tem vindo a acontecer na Grécia, o que aconteceu no Egito. Isso permite antever a escalada e o caminho que vai sendo percorrido até se chegar a situações extremas que levam ao limite e à perda de vidas humanas, inclusive. A situação e o diagnóstico é de fácil construção. Para encontrar a cura há um ditado velho: grandes males, grandes remédios. Só com medidas contundentes, que façam doer, é que as pessoas moderam as atitudes. Há uma Federação Portuguesa de Futebol, há uma Liga de Clubes, há um conjunto de conselhos nesses organismos e há ainda a tutela, que tem sido muito omissa em relação à resolução deste tipo de problemas, que são quem por direito e competência, espero eu, terá de encontrar soluções. As pessoas dotadas no plano penal e jurídico nesses organismos terão de encontrar soluções por antecipação antes que coisas mais graves venham a acontecer. Já morreram pessoas num estádio em Portugal e se as pessoas que têm competências não atuarem fica um enorme ponto de interrogação, mas não me parece que nada de positivo esteja pela frente”