O futebol português é o reflexo do país. A imagem perfeita dos seus hábitos, costumes (bons e maus), dos vícios e tudo o mais que os portugueses são socio-culturalmente. Antes de mais nada, a frase anterior é, logicamente, óbvia e esse é o aspecto mais aterrador ao pensarmos no que será o resultado de todos os “casos” e “escândalos” que têm sido debatidos desde o meio da época passada.

Como podemos achar que o Benfica (e a corja que o dirige) vai ter um oásis de punições, quando tudo o que vemos à volta é um enorme deserto de impunidades? Como podemos acreditar que não é possível distorcer completamente o desporto nacional e sair ileso, quando isso até já aconteceu (com o Porto) com provas evidentes (deixemos as tecnicalidades jurídicas de fora) que mereceriam sempre graves castigos desportivos e criminais?

Devo dizer que me sinto bastante dividido quando olho para a questão: terá Portugal a vontade e a capacidade de punir os grandes crimes de colarinho branco? Se por um lado acho que, até mesmo em Portugal, há limites para a quantidade e qualidade de crimes que podes cometer e que não há qualquer forma de o Benfica não pagar por todas as aldrabices que cometeu e comete, pelo outro lado, tenho grande margem de desconfiança quanto à independência do poder político e judicial, especialmente quando olhamos a influência saloia e infantil que o futebol têm no nosso tecido social.

Quanto mais penso sobre isto, mais me parece que há uma resistência enorme de quem ocupa cargos fundamentais na moralização das grandes entidades nacionais para levar muito a sério a dignidade e a verdade no desporto. Como se ainda estivéssemos todos no inicio dos anos 70, numa era de ingénuo amadorismo, numa primavera inconsciente de bigodes e cortes de cabelo meio “disco”. Em vez de tratarmos de uma indústria de muitas centenas de milhões de euros anuais, andamos a “brincar à bola”, a gerir conflitos como se estivéssemos a facilitar entendimentos entre coletividades ou associações recreativas.

Na verdade, e os nossos políticos fingem não entender isso, estamos como sociedade a ignorar sintomas graves de corrupção generalizada, indicadores muito sérios que apontam claramente para uma decadência transversal dos pilares da democracia portuguesa. A comunicação social apenas tem servido como câmara de ressonância ao ruído, evitando esclarecer, informar, valorar os factos. Isso é outro sinal de que o país não está preparado para atacar os grandes poderes quando isso é necessário. Há na verdade todo o tipo de alarmes que nos avisam que devemos desconfiar de tudo e todos, especialmente dos que mais têm responsabilidades em relação à gestão do interesse comum.

corrupçao

E não, isto não é “bola”. É um país. É a legitimidade para punir quem não respeita e atropela as regras que estão definidas para todos que está em jogo. É a vontade de saímos definitivamente das lógicas de uma nação agarrada a uma mentalidade de chico-espertos e de aderirmos a um novo Portugal, onde os que trabalham mais têm mais, onde os que fazem melhor, ganham melhor. É a nossa capacidade para rompermos com as réstias de um feudalismo nunca verdadeiramente enterrado e morto, que empurra a maioria da população para o limiar das migalhas enquanto uma minoria de “nobres” bandidos sem escrúpulos enche os bolsos de toda a cúpula de poder, precisamente os que tinham como missão impedir que os primeiros sequer existissem.

A minha ambiguidade em querer acreditar e acreditar mesmo é, no fundo, uma última réstia de fé no que valemos e somos como nação. Sei que a “bola não está do meu lado”, tanto quanto sei que devemos todos, como cidadãos, manter a noção de que a bola está sempre do nosso lado e que são sempre as nossa palavras e gestos que a asseguram. Por outras palavras, o último poder pertence sempre à base, à cidadania, à maioria. Mas, se não for “convocado”, este poder é vazio e dará sempre a esperança aos que se apresentam como “herdeiros” ou “novos senhores feudais”, que as decisões estão amplamente “controladas” em seu beneficio.
Isto não é assunto para brincadeiras ou paródias. Por mais que o nacional-benfiquismo se esforce para disfarçar, isto é muito, mas mesmo muito sério. Não está em causa quem é o campeão, se foi penálti, se o voucher era de 150 ou 300 euros. O que está em causa é se um grupo de pessoas pode subverter toda uma atividade económica de um país, perpetuando resultados distorcidos a seu favor, lucrando obviamente com crimes punidos por lei. O que está em causa é a Lei, o seu cumprimento, a Ética e a sua validade social.

Se a resposta for não, o Benfica não será castigado, definitivamente o país mergulhará numa profunda crise governativa e numa grave perturbação de regime. Muitos como eu desistirão de “jogar pelas regras” e definitivamente embarcaremos numa nova interpretação democrática: somos todos livres de praticar os crimes que formos capazes de cometer. Isto não é um paradigma de vida, pelo menos não é o que queremos ensinar aos nossos filhos e chegados aí, fará menos sentido lutar por um ideal de Portugal, fará menos sentido sentirmos-nos parte de algo com que não nos identificamos. Nesse dia, desistiremos da História, pois perderemos muito do que amamos, ainda.

Os benfiquistas que não tentem viver numa realidade virtual. Um bandido não deixa de o ser por vestir uma camisola vermelha, não deixa de prejudicar a sociedade onde vive, não deixa de afectar as regras, não deixa de lesar a comunidade…apenas porque restituiu uma noção de grandeza a um clube de futebol. Eles, mais do que os outros, deviam estar interessados em desassociar-se de crimes e criminosos, tal como os portistas deviam ter feito com Pinto da Costa décadas atrás, tal como os sportinguistas o deverão fazer se algum dia esta ou outra direção qualquer cometa os mesmos, ou outros atropelos legais.

Por agora e até ver, prefiro eleger pessoas para fazer o Sporting ganhar dentro da legalidade e ao contrário de outros adeptos, não defenderei que os meios são todos justificáveis perante os objetivos. Não estarei nunca disponível para defender crimes, tanto quanto não quero perder para adversários que não hesitam em cometê-los.

*às quartas, o Leão de Plástico passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca