Ser Sportinguista nesta altura é como estar a assistir a um longo e interminável episódio de Game of Thrones. Há quem goste e se agarre ao enredo, vivendo todas as peripécias como se fosse realmente uma obra de ficção. Há quem sofra diariamente de maleitas várias que oscilam entre a depressão, a ansiedade e toneladas de revolta e estupefação. Há, por último, uma imensa faixa de adeptos leões que se sentem literalmente ultrapassados pela realidade e vegetam num estado adormecido, incapazes de absorver a quantidade majestosa de teorias de conspiração, centenas de personagens, dezenas de facções e anti-facções.

Não sei onde vocês se encaixam, não sei até onde eu me encaixo, provavelmente todos encaixamos em todas, dependendo do minuto e como cada um anda a sobreviver a esta tragédia clubística. Há demasiada incerteza, pois ninguém sabe muito bem qual a porta para sair desta situação, há demasiada certeza de que quando sairmos, não vai estar um sol radiante à nossa espera, durante muito tempo. Mas isso somos nós, os adeptos. Há outros, os “jogadores”. Para esses é tempo de “jogar”, de brincar aos apoios e às divisões, de escolher o lado e aparecer dentro ou fora da lista. Para os jogadores, este é o seu verdadeiro tempo de “diversão” e onde exaltam de tantas estratégias pessoais que traçam.

E o Sporting entra exactamente onde?

Juro que não sei a resposta. Se calhar não quero mesmo saber. Fui (parte de mim será sempre) defensor de BdC, pois havia na sua identidade um sentido de independência face a este Sporting das facções, dos cozinhados, das estratégias pessoais, houve sempre um sentido de compromisso ao clube e não aos grupos de interesse. Talvez esse não fosse o Sporting real e tudo não passou de um sonho. Talvez seja mesmo impossível ter uma relação de Sporting que apenas dimensione o seu líder e todos os sócios restantes em pé de igualdade. Talvez todas as ocorrências e a forma como acabou o seu mandato nos exibam no futuro o tempo de BdC como uma anormalidade face a toda a história do clube. Não sei mesmo a resposta a isto.

O que sei é que nada do que se avizinha me parece o Sporting que pensei que existia. Tudo o que eram inimigos, descubro a cada dia que afinal são pessoas espetaculares que sempre quiseram ajudar o Sporting. Tudo o que eram adversários, são-me apresentados agora como parceiros que eu não sabia, mas estiveram sempre ao meu lado. Tudo o que eram corpos estranhos e irreconhecíveis, eram afinal fiéis depositários de verdadeiro Sportinguismo. Tudo o que eram caminhos a evitar, tornam-se agora auto-estradas de prazer e conforto. Começo a achar que mais uns dias e por exemplo Jorge Mendes é a Madre Teresa de Calcutá, a CMTV é um porto seguro para a nossa comunicação com os sócios e vender a posição maioritária na SAD é uma solução prática e sem risco.

alvalade-2

Seria eu que estava intoxicado e manobrado? Serão todos os nossos inimigos apenas pessoas que conviviam mal com o ex-presidente e amam o Sporting de paixão? E porque conviviam tão mal? Porque correm agora ao nosso encontro, mal o poder troca de mãos? Estarei a ver o episódio todo ao contrário? O twist que o enredo deu, afinal é bom e não trágico como me parece? Andei eu a identificar-me com os personagens que achei bons e afinal eram os bandidos da coisa? Parafraseando Scolari “afinal o burro sou eu?”

Garanto-vos que a madrugada de dia 24 de junho foi um dos dias mais tristes do meu sportinguismo. Não porque BdC foi destituido. Isso poderá até provar-se justo um dia. Mas porque 71% ou grande parte dessa percentagem votou no vazio, apenas motivada por fazer desaparecer o mensageiro, julgando que as más notícias iriam com ele. Por incrível que pareça, tenho certezas relativamente seguras que muitos dos que votaram sim, fizeram-no por julgar que BdC era o problema e que desaparecendo a sua ligação à gestão do clube e da SAD estaríam a erradicar a sua acção nefasta e a abrir caminho a um tempo de ordem, paz e progresso.

A fé de 71% dos sportinguistas que votaram a destituição está depositada agora precisamente nas mesmas pessoas que gravitavam à volta do clube antes de BdC. Significará isso um regresso ao passado? Um regresso ao futuro? Um retrocesso? Um progresso? Confesso-me confuso, não com as jogadas políticas, as guerras dos tronos ou os enredos de cada episódio, mas sim com a absoluta inabilidade de nós, como base do clube, não conseguirmos definir ou gerar uma solução que evite os erros tanto do passado recente, como do passado menos recente. E perdoem-me os apoiantes das terceiras vias a emergir neste preciso momento, mas não há proposta alguma que os defina como tal. São apenas caras que dão rosto a quem se esconde por detrás e quem deseja o poder sem as suas responsabilidades e consequências.

Escolham pelo programa, pelas ideias, pelas promessas de acção e não pelo nome e pelos notáveis que agregam ao seu redor. Para construirmos de raiz um Sporting diferente, temos de escolher de forma diferente e tudo o que vejo a suceder, muito honestamente, são a perfeita repetição dos engodos politiqueiros do costume, as técnicas e estratégias de comunicação de qualquer manual de ciência política, reciclagens de chavões e contas de vidro para aldrabar os indígenas. Recusar o passado e fazer aparecer o futuro só está nas nossas mãos. Juntemo-nos, debatamos, escolhem-nos, mas que saibamos por uma vez na nossa história, fazer nascer algo genuinamente pró-Sporting, com gente sem mais ambições que gerir o Sporting como sócios iguais aos demais, aproveitando todas as suas forças, liderando pela força das convicções e não pelo dobrar o joelho face aos poderes paralelos do futebol.

Escolhendo uma facção, apenas mais uma das muitas, apenas estaremos a alimentar os próximos episódios desta saga, onde cada vez vejo menos coisas e pessoas em que podemos confiar ou acreditar. Escolher o caminho fácil, de produtos embalados, mais croquete, menos croquete, só nos irá devolver o final mais difícil e por uma vez que avancem os que não têm grupos, os que não têm insides, os que não têm amigos naquele sítio, os que não têm nada a perder e o mais importante para ganhar, o Sporting.

*às quartas, o Zero Seis passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca