[…] Quando acaba a primeira e única época com o Marítimo, ainda tinha mais 1 ano de contrato, mas o FCP queria rescindir e o Marítimo queria que eu ficasse mais 2 anos. Vim cá passar férias, rescindo com o FCP e estava previsto que, quando chegasse à Madeira, no início dos treinos, assinava 2 anos com o Marítimo. Já tínhamos tudo acertado, valores e tudo, quando faço o primeiro treino, vou para casa descansar porque tinha treino à tarde quando o telefone tocou. Era o presidente do Marítimo. “Tonel estou em Lisboa, o Sporting quer que tu venhas para cá. Já acertámos tudo. Pega no avião o mais rápido possível e anda.”

E?
Pensei que o presidente estivesse a brincar. Depois de garantir que só faltava eu acertar-me com o Sporting, ele disse uma coisa que nunca mais esqueci: “Agora não abras muito a boca que eles não têm dinheiro” (risos). E eu: “OK presidente eu vou já para aí”. Caiu-me tudo. Lembro-me que estava de chinelos, calção e t-shirt e só mais tarde é que me apercebi. Quando cheguei ao aeroporto estavam lá uns jornalistas que tiraram fotos e eu ia como uma t-shirt de manga à cava (risos). Não me preparei minimamente para aquele momento. Quando o presidente disse anda para cá o mais rápido possível, nem pensei na roupa que tinha, se era adequada ou não, só pensei em apanhar o avião e ir para Alvalade. Ligo ao meu empresário que estava no Porto e digo-lhe: “O Sporting quer que eu vá para lá, como é que é, queres ir lá negociar comigo?”. “Sim, vou lá negociar contigo”. Encontrámo-nos perto de Alvalade e fomos juntos para o Sporting. Mas fui eu que lhe liguei, o Sporting já me tinha contactado, não foi ele que me arranjou clube.

Assinou pelo Sporting por quanto tempo?
Assinei por 3 anos mais um de opção.

A sua mulher também ficou contente?
Óbvio. Tinha a noção de que uma coisa era jogar num clube médio ou até um bom clube e a outra é jogar num dos 3 grandes, ou até mesmo no Sp. Braga que hoje em dia já está mais perto dos grandes. Os 3 grandes têm uma envolvência diferente, têm um estatuto diferente. Eu tinha essa noção, que confirmei mais tarde. Quando cheguei ao Sporting comecei a viver outra realidade.

Fale-me dessa outra realidade.
O treinador era o José Peseiro. Estavam lá o Beto e o Polga, que eram os centrais. Tinham o José Semedo que era um jovem da formação e que acabou por fazer carreira em Inglaterra, e eu ia ser o 3º, 4º central. Pensei: o Polga e o Beto são em teoria os centrais para jogar e eu e o José Semedo vamos lutar para sermos a 3.ª opção. Vamos trabalhar e depois logo se vê. Meti na minha cabeça que ia dar tudo o que tinha e se as coisas tivessem que acontecer, iam acontecer. E as coisas acabaram por correr muito bem, superaram as minhas expetativas iniciais, porque nos primeiros 2 meses e meio, além de ter jogado pouco, as coisas não correram bem à equipa, perdemos o acesso à Liga Europa e o mister José Peseiro saiu.

E vem o Paulo Bento.
Exato. Apesar de na época 2004/2005 o mister Peseiro ter estado quase a ganhar tudo, no detalhe acabou por não ganhar. Vem o Paulo Bento. Personalidades diferentes. A nível de treino o mister Peseiro gosta que a equipa tenha a bola e que disfrute do jogo. Gosta de ganhar mas se calhar ganhar não é tudo. Enquanto o mister Paulo Bento já é um treinador mais objetivo, mais focado no resultado, um treinador que consegue ser mais “disciplinador”. Quando o Paulo Bento chegou eu já estava no Sporting e ele acaba por sair e ainda continuo no Sporting. Ele esteve lá 4 anos e eu estive 5 anos. Conheço o Paulo Bento bem como treinador, não posso dizer como pessoa porque não tinha essa afinidade, era a relação jogador/treinador, mas acho que um treinador ao longo de 4 anos também se revela como pessoa. Para o Paulo Bento o grupo para ele estava acima de tudo, defendia-o acima de tudo. Eu identificava-me com essa ideia do grupo acima de tudo, como é óbvio.

Foram 5 anos no Sporting. Quando pensa nesse tempo qual é a primeira coisa que lhe vem à cabeça?
Foi o clube onde passei mais anos. Foi o maior clube em que estive e foi onde passei os meus melhores tempos. Graças ao Sporting fui internacional A e joguei na Liga dos Campeões. Foi o clube que mais me marcou. Às vezes perguntam-me: “Mas tu és portista ou és sportinguista?”. Eu hoje gosto do Sporting, passei lá 5 anos fantásticos. Fiz a minha formação no FCP, gostava do FCP, não era fanático mas era portista, mas depois vivi 5 anos no Sporting e de uma forma natural criei uma afinidade muito boa com os adeptos e com os sócios. Nunca houve nenhum sportinguista que me tenha abordado para culpar de alguma coisa, foram sempre palavras de agradecimento: “Tonel assim é que é. Jogadores que dão a vida pelo clube é que é importante e tu és um desses”. As abordagens quase sempre eram estas e ainda hoje há pessoas que me vêem na rua e dizem: “Olha o Tonel do Sporting”.

Num Sporting-FCP torce por quem?
Pelo Sporting (risos). Em casa, o meu filho mais velho, não digo que é fanático, mas gosta muito do Sporting, porque ele também cresceu ali um bocadinho. Dos 5 aos 10 anos ia ao estádio no mínimo de 15 em 15 dias. É normal que vivesse tanto aquilo, foram 5 anos da vida dele a ir muitas vezes a Alvalade e ficou a gostar. Sofre mais do que eu quando o Sporting perde.

Como está a viver estes últimos acontecimentos no clube?
Com muita tristeza, porque isto ultrapassa os limites do razoável. Era impensável acontecer o que aconteceu. É triste, é muito mau para o clube e para o país em si, pela forma como lá fora se olha para o futebol, em Portugal. Deixa-me muito triste.

Dessas 5 épocas no Sporting, qual é a melhor e a pior recordação que tem?
A pior foi uma lesão que tive em Paços de Ferreira. Parti o perónio numa porrada que levei e estive cerca de 2 meses parado. Foi um momento que me custou porque gostava de jogar e essa lesão tirou-me a possibilidade de jogar. E consequentemente acaba por estar ligado ao momento desportivo em que jogámos com o Bayern de Munique e perdemos em casa 5-2 e depois 7-1, em Munique. Cheguei àqueles jogos e não me sentia preparado, porque tinha estado 2 meses parado. Uma coisa é treinar, outra coisa é jogar e jogar contra o Bayern de Munique, super forte. Tive alguma dificuldade, não me sentia no meu melhor e passados 15 dias ou uma semana fomos a Munique na tentativa de limpar um bocadinho a imagem e acabámos por perder por mais. Foi um dos momentos marcantes pela negativa.

E pela positiva?
Vários. Duas Taças, duas Supertaças, um ano em que ficamos a 1 ponto do FCP, em 2º lugar. Quatro anos seguidos em que o Sporting foi à Liga do Campeões, o golo que marquei em Barcelona. Tenho muitos bons momentos. Lembro-me do 5-2 em casa ao Benfica, para a Taça. No final desse jogo até estava chateado porque tínhamos sofrido 2 golos (risos). O dia a dia naquele clube, para mim era um prazer.

[…]

Voltemos ao Sporting. O Paulo Bento sai e vem o Carvalhal, não é?
Sim. O Carvalhal apanhou o clube numa situação complicada, porque foram 4 anos de Paulo Bento, marcou uma fase do Sporting, pela positiva não tenho dúvidas, porque se formos analisar os plantéis que teve… É importante analisar o que dão ao treinador para trabalhar e os orçamentos, porque os orçamentos é que nos permite ter jogadores melhores ou piores. Os resultados são muitas vezes consequência disso também. E com os orçamentos que o Paulo Bento teve, com o que lhe foi disponibilizado, conseguir nos 3 ou 4 anos ir à Liga dos Campeões e ficar em 2º lugar no campeonato… foi muito bom. Claro que queríamos ficar em 1º mas face aos orçamentos das outras equipas e aos jogadores que os plantéis tinham, acho que foi positivo. O último ano foi muito complicado. A saída Paulo Bento, a vinda do Carvalhal e do Costinha como diretor desportivo. Chegou-se a comentar na altura que o Carvalhal não era o treinador que o Costinha queria, e mais tarde veio a confirmar-se que era o Paulo Sérgio. Mas no meio ano em que esteve no Sporting gostei muito de trabalhar com o Carvalhal.

E do Costinha como diretor desportivo, com que opinião é que ficou?
Não era a praia dele. Ele agora é treinador do Nacional e já fez um bom trabalho, acho que como treinador acabará por ter mais sucesso e mais prazer no que faz. É o que penso, não sei se é verdade ou não. Mas não tenho que dizer mal do Costinha. A mim abriu-me a porta, digamos assim. Quando acaba a época eu já estava há 5 anos no Sporting tinha mais 1 ano de contrato e o Costinha disse-me: “Tonel se aparecer uma coisa boa para ti, para poderes ganhar dinheiro, mais do que ganhas aqui, nós deixamos-te ir”. Apesar de ter feito muitos jogos e chegar a ser capitão, nunca tive um salário como tinham alguns. Quando venho do Marítimo para o Sporting pouco mais vou ganhar, mas para mim até podia ir ganhar o mesmo (risos). Havia muitos jogadores de fora que vinham ganhar muito mais do que eu e eu nunca me queixei. É óbvio que gostava de ganhar mais. Até que chegou uma altura, depois de 5 anos no clube, que entendi que as pessoas queriam mudar, aquela geração Paulo Bento tinha terminado. O Costinha abriu-me a porta. E isso fez-me ver que o meu tempo ali tinha acabado. Acho que para mim também era bom mudar, porque eu vivia muito o clube e a instabilidade daquela última época custou-me.

Histórias do Sporting, tem alguma que possa contar?
Tenho uma com o Postiga. Eu tenho uma boa relação com ele desde os juvenis do FCP. Eu era 2ª ano de juvenil e ele era 1º ano. O treinador muitas vezes chamava o Postiga para vir treinar connosco por isso conhecíamo-nos. Dávamo-nos bem mas estávamos sempre a picar-nos. Ele era ponta de lança e eu central andávamos muitas vezes picados. Mais tarde, no Spriting, aquela nossa “rivalidade” e picardias de miúdos, com 15/16 anos, veio ao de cima. Houve um treino em que estávamos a jogar um contra o outro e ou ele queixou-se que eu lhe tinha dado uma antes e ele deu uma a seguir ou vice versa, já não me lembro, sei que levantamo-nos os dois, encostamos a cabeça um ao outro, chateados, começamos a dizer que fazíamos e acontecíamos, e o Paulo Bento mandou-nos para o balneário. Lembro-me que estávamos os dois no chuveiro a tomar banho e começamos a falar: “Era escusado aquilo, agora vamos ser f….!”. “Pois é”. O Pedro Barbosa chamou-nos e levamos uma multa, tivemos de pagar um almoço à equipa (risos).

O Tonel até se esqueceu que sofremos o terceiro golo, tal a confiança que aquela segunda parte era toda nossa. Esta é parte de uma entrevista publicada no Expresso.