O Sporting Clube de Portugal apresentou o R&C referente ao primeiro semestre da actual época desportiva e, debruçando-me sobre o mesmo, procurei fazer uma análise numa óptica de continuidade e nas questões que mais preocupam os Sócios.

A REESTRUTURAÇÃO FINANCEIRA
Começo a análise por um facto relevante: amortização de dívida bancária no total de cerca de 17M€.

Relembro que desde julho de 2018, e no âmbito da reestruturação financeira concluída em 2014, a Sporting SAD comprometera-se a: 1) fazer reembolsos antecipados à dívida bancária, 2) a criar “contas reserva” para fazer face à compra das famosas VMOC. Essas amortizações e reservas tinham certas regras que foram agora renegociadas pela atual direção, aliviando as percentagens de “retenção”, além de ter sido fixado o preço de 0,30€ para a recompra de cada Obrigação.

No quadro seguinte temos os valores que estavam em incumprimento desde a data referida, tendo este quadro sido retirado de uma comunicação à CMVM num prospeto de admissão à negociação em bolsa das ações da Sporting SAD, em fevereiro de 2019:

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Ora no R&C agora analisado diz na página 6 que “No âmbito deste acordo, o Grupo Sporting procedeu à regularização de todas as obrigações pecuniárias vencidas, encontrando-se assim em cumprimento perante os Bancos.”, depreendendo-se, portanto, que os 40M€ estivessem regularizados.

Analisando o R&C encontra-se a amortização dos cerca de 17M€ na dívida bancária, que podem ser confirmados na página 42 onde se lê que há “a redução do valor nominal dos financiamentos bancários no valor de 16.779 milhares de euros, essencialmente decorrente da amortização de capital ocorrida neste semestre.”

No entanto, não encontrei evidência que os cerca de 24M€ para os reforços da Conta Reserva tenham sido feitos, pelo contrário, como se pode ver no quadro da nota 15 na página 35 do R&C, onde são referidos apenas 623 mil euros destinados à aquisição das VMOCs aos Bancos parceiros.

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A ANTECIPAÇÃO DAS RECEITAS DOS DIREITOS DE TV
Passando para o tema da antecipação das receitas dos direitos televisivos dos jogos do Campeonato, da Publicidade das camisolas, e da distribuição da SportingTV, começo por dizer que uma antecipação de receitas é o equivalente a pedir um empréstimo, logo é registado no Passivo o montante que foi antecipado, montante esse que vai diminuindo à medida que o Proveito efetivamente é reconhecido, ou seja, as datas contratualmente estabelecidas com a NOS para a prestação do Serviço.

Na nota 20 referente aos Empréstimos Obtidos temos um quadro na página 41 que revela a antecipação de receitas dos direitos televisivos, por recurso ao Factoring, com o detalhe que está na imagem seguinte.

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Nesta antecipação há 7M€ que são devidos à Sporting Comunicação e Plataformas, que é detida pelo Clube a 100%, pelo que temos neste momento a SAD a financiar-se à custa de um ativo do Clube, pelo menos é o que depreendo do que se pode ler na página 41: “Esta operação permitiu um encaixe financeiro líquido no montante de € 64.043.000, dos quais cerca de €7.000.000 são referentes aos Direitos da Sporting TV detidos pela Sporting Comunicação e Plataformas, S.A. (nota 26).”

Preocupantes são, sem dúvida, os juros que está a Sporting SAD a suportar. Assim, vemos na nota 10 da página 29 que em apenas 6 meses foram 7M€ os custos de juros. O que para uma dívida financeira de cerca de 150M€ no inicio do período eleva a percentagem dos juros a uma taxa de quase 10% ao ano! O que é assustador pois há no meio deste montante financiamentos de taxa fixa, como é o caso do Empréstimo Obrigacionista a 6,25%, o que me deixa assustado quanto ao custo da nova dívida contraída e negociada por esta direção.

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Na página 41, numa frase que passa despercebida, está também referido que “À data de 31 de Dezembro e 30 de Junho de 2019, a cedência de créditos contratuais, sem recurso, decorrente da alienação de direitos económicos de jogadores ascende 41.025 milhares de euros e 25.719 milhares de euros, respetivamente.” pelo que a antecipação de receitas também foi feita e num montante elevado pelos créditos que a Sporting SAD detinha sobre os Clubes que “compraram” os direitos desportivos dos jogadores transacionados.

ANÁLISE DOS FLUXOS DE CAIXA
Esta entrada de dinheiro está bem patente na Demonstração de Fluxos de Caixa. Neste mapa podemos ver as Origens, a positivo, e as Aplicações, a negativo, do dinheiro que foi movimentado, e em que ciclo da gestão da empresa foi gerado: 1) operacional, 2) investimento e 3) financiamento.

Assim temos que:
1. o ciclo operacional está francamente negativo, que é o ciclo que nos indica se uma atividade, seja ela qual for, está saudável economicamente. A operação está a ser financiado pelo ciclo de investimento. Pagaram-se mais 22M€ do que se recebeu.
2. O ciclo de investimento está a gerar dinheiro, pelo desinvestimento que está a ser feito através da venda dos melhores ativos. Recebeu-se mais 55M€ do que se pagou.
3. O ciclo de financiamento está a ser onde se está a aplicar o dinheiro gerado pelo ciclo de investimento, reduzindo o stock de dívida. Pagaram-se 20,5M€
No final do primeiro semestre e dadas estas origens e aplicações ainda se ficou com cerca de 13M€ na conta bancária, o que dá para pagar, de grosso modo, cerca de 3 meses de salários.

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O QUE NOS ESPERA NOS PRÓXIMOS MESES?

Quanto às atividades de investimento:
Na nota 22 da página 45 podemos ver que na conta de Fornecedores temos 50M€ exigíveis pelos nossos credores a menos de 1 ano, 50M€ esses divididos por 1) Clubes com 17M€, 2) Agentes com 20M€ e 3) outros credores com 13M€.
Por outro lado, na nota 14 da página 34 podemos ver que na conta de Clientes temos 14,5M€ a receber, aos quais podemos juntar os cerca de 35M€ líquidos da venda dos direitos desportivos do Bruno Fernandes. Assim, o ciclo de investimento pode-se considerar equilibrado.

Quanto às atividades operacionais:
Sem receitas dos direitos de TV, que pelas minhas contas foram antecipados até ao fim da época de 2022, teremos de viver com receitas de cerca de 50M€ na época de 2020/21 – fazendo mera extrapolação do primeiro semestre dos quadros seguintes e constantes da nota 2 e nota 3 – para fazer face a todas as despesas.

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Nos gastos com o pessoal, se nada se alterar para a próxima época, teremos que pagar cerca de 60M€ durante o ano, o que em face dos 50M€ de receitas que vimos acima, gerará um déficit de 10M€ de tesouraria, o que por si só terá de ser compensado com: novas transações de jogadores no valor de pelo menos 10M€, ou baixar o nível de gastos salariais em cerca de 10M€, ou novas operações de financiamento, nomeadamente através de novas antecipações de receitas de direitos de TV, para além de 2022.

O quadro seguinte é a nota 5 da página 25, onde se pode ver o que digo acima, em relação aos Gastos com Pessoal

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CONCLUINDO
Ora parece evidente que partindo das receitas que estarão disponíveis para a próxima época, no total de cerca de 50M€, e com os atuais gastos operacionais de cerca de 90M€/ano, alguma coisa terá de ser feita em termos de atos de gestão. Se nada for feito por volta de dezembro de 2020 a Sporting SAD estará de novo perto da rotura de tesouraria.

As perguntas que ficam no ar são que jogadores restarão, com mercado, para serem transacionados no final desta época? Teremos Acuña e pouco mais!? Sem valorização dos jovens jogadores, muito por causa das erradas apostas em jogadores caros e emprestados, e também por causa das sucessivas trocas de equipas técnicas, que rendimento tiraremos das transações e do rendimento desportivo?

Fico com a clara noção que temos gastos demasiado elevados para tão pouca qualidade dos jogadores e tão pouco rendimento desportivo. A redução dos gastos deveria ter sido bem mais radical e o lançamento de jovens da formação muito forte, ao mesmo tempo que não deveríamos ter gasto cerca de 60M€ em aquisições, nos últimos 3 mercados, que deram zero retorno desportivo e dificilmente darão retorno financeiro.

Se bem conhecemos o modo de atuar desta direção, continuará “a tapar o Sol com a peneira”, e muito provavelmente irá recorrer a novos adiantamentos de receitas, desta vez para lá do términus do seu mandato comprometendo os instrumentos que deveriam de estar à disposição da próxima administração.

ESTE POST É DA AUTORIA DE… Nuno Sousa
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