«Este pessoal deixou-me isto de pantanas», penso para mim mesmo, enquanto arrumo as coisas com um sorriso provocado pela recordação do momento: a Tasca (C)heia, para assistir a mais um jogo do nosso Sporting, explodindo num grito de felicidade quando alguns já se dirigiam para a rua. Um grito que se ouviu nos quatro cantos do mundo, libertando-nos das amarradas de um jogo menos conseguido e de uma exibição enervante que parecia destinada a conduzir-nos ao zero.

Para trás ficavam 90 minutos cinzentos e uma equipa com poucas ideias, nomeadamente na primeira parte. Sabia-se que era um jogo complicado, tendo em conta o adversário e o campo em questão. E os primeiros minutos encarregaram-se de justificar isso, com o Guimarães a entrar melhor. O equilibrar do cenário, ainda na primeira parte, deixava a perspectiva de que algo poderia ser diferente na etapa complementar. O problema foi que, pese o aparente domínio e controlo das operações (a partir de determinada altura o adversário passou a jogar, unicamente, no nosso erro), não havia forma de desatar o nó. O meio-campo com poucas ideias, incapaz de colocar um homem a incomodar a zona entre a defesa e o meio-campo adversário, os extremos com dificuldade em servir Montero (que trabalhava e trabalhava, em prol da equipa). Entram Mané e Salomão, numa tentativa de dar sangue quente a uma noite fria. Entra Slimani (tarde, para todos nós, adeptos). Mas tem que haver tempo! Temos que acreditar até ao último suspiro, como estes jogadores já mostraram que acreditam. E, pimba, lá veio o tal momento libertador, assinado por um argelino que é um sapo gigante atravessado na garganta de muito boa gente. «Não jogámos nada e tivemos sorte!», ouvi dizer a muito Leão. Lembro-me de outro Sportinguista, Sérgio Godinho, e de uma canção onde diz, «hoje soube-me a pouco, hoje soube-me a tanto…». E foi o que aconteceu. O empate e a exibição sabiam a pouco, mas, no final, ficámos todos um brilhozinho nos olhos e soube-nos a tanto.

Obviamente que também eu queria, sempre, exibições como a de Coimbra, por exemplo, jogando e ganhando por 0-4. Mas é, precisamente, quando jogamos menos, que se torna fundamental ganhar! Chamem-lhe estrelinha, chamem-lhe o que quiserem, mas esta vitória, feia, arrancada a ferros, com um equipamento roxo vestido que fez com que a minha filha me perguntasse «o Sporting, pai?», foi uma vitória fundamental! Mais, foi uma vitória que reforça o espírito, reforça a fé, reforça a equipa com dois extremos capazes de agitar, traz de volta a confiança a um central em que tanta esperança depositamos e faz crescer, ainda mais, a alma de um avançado que começa a ser factor de desestabilização psicológica para os adversários.

Tenhamos a consciência que, neste campeonato, nós somos uma espécie de Leão dos Bosques. Fazemos brilharetes, andamos na boca do povo, estamos na mira de quem tem gerido o reino da forma que todos bem conhecemos. Mas que o povo tenha a noção das nossas limitações. Que o povo perceba que estamos a tentar reescrever a história com arco e flecha! Temos belíssimos arqueiros, é verdade, mas será de todo injusto apontar-lhes o dedo de cada vez que não conseguirem passar mais uma mensagem de esperança. Esta noite, conquistámos um dos castelos mais difíceis. Porque, dentro e fora de campo, se acreditou que, até à última seta, seria possível acertar no alvo.

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