Eu sempre soube que tu eras mais do que um grande clube. E que a minha paixão, por vezes doentia, tinha uma razão de ser que ultrapassava uma escolha clubística com mais de três décadas.

Não imaginas o orgulho, com que olho para este teu reerguer. Há o primeiro lugar, o sangue que volta a pulsar nas veias do adeptos, o bom futebol, a marca da nossa Academia, as modalidades que ganham novo impulso, a onda verde que cresce, os novos cânticos, o equipamento principal à altura, a direcção que trabalha em prol do clube e nos mostra que existe um rumo. Mas há mais, a sustentar este orgulho no teu regresso à selva.

Temos o país de pantanas. Completamente. Quem dirige, faz questão de cortar-nos os sonhos a cada nova medida tomada. Importa-se material manhoso, ao invés de apostar no que é nosso. Dizem-nos para ter esperança, mas mandam-nos emigrar. Aumenta-se a idade da reforma, dizendo-nos que, quando a ela chegarmos, pouco respeito haverá pelos anos de trabalho. Cortam-se pensões, grandes ou pequenas. Goza-se com o povo, que engrossa filas de desemprego enquanto gabinetes de ministros contam com uma dezena de motoristas. Aponta-se o dedo à constituição, essa maldita criação que impede a vontade de fazer o que bem se quer deste país de onde lutarei por não sair. Dizem-me para ter esperança no futuro, enquanto me mostram que as oportunidades não são iguais para todos. Dizem-me para contribuir para a natalidade, pouco se importando se uma desejada segunda paternidade me obrigará a jantar a papa do(a) bebé. Dizem-me para lutar, com os punhos envoltos em arame farpado.

Olho para ti, Sporting, e vejo uma espécie de grito de revolta. Talvez seja eu, neste meu estilo crente, cinematográfico, com tanto de homem como de puto que se recusa a deixar de acreditar que, algures, o pai Natal existe, a fazer mais um filme. Mas sento-me. E sorrio. Apetece-me contar a toda a gente que, dado como morto, o meu clube voltou e fez ecoar o rugido do Leão Rampante. Enfrentou o poder instituído que, tal como o do país, olhava para os estatutos que dão direitos aos sócios como uma maldita criação que os impedia de acabar com mais de um século de história. Recusou-se a viver acima das suas possibilidades, mandou a “troika” apanhar nos entrefolhos e procurou formar um grupo o mais sólido possível. Deixou de lado os nomes pomposos e procurou profissionais. Bons profissionais que, imagine-se, até tiveram que encaixar num determinado perfil em termos de personalidade. Disse aos jovens que, antes de emigrarem, deviam pensar em ficar e em conquistar, contrariando a tendência dos outros dois que, a seu belo prazer, vão enchendo as equipas (b incluídas) de importados. Fez frente aos empresários, recusando-se a entrar nas jogadas que, há anos, enchem bolsos.

E, de um momento para o outro, o nosso país futebolístico é confrontado com uma realidade nua e crua: afinal, é possível fazer bem seguindo outra política; afinal, há espaço para a formação; afinal, o Leão não estava morto e, imagine-se, ameaça uma mudança de paradigma. Os três golos do passado sábado, todos eles marcados por jovens Leões, são o mais recente episódio deste filme que está a incomodar este nosso futebol de compadrios e esquemas. Este nosso futebol, virado de pantanas. Afinal, à imagem de um Portugal a quem tanta falta fazia que se alastrasse o espírito do grande Sporting Clube.