teamForam oito, sete formados na Academia. Portugueses, obviamente, que subiram ao maltratado relvado de Alvalade para defender o Leão Rampante. Diz que não há memória de algo assim, desde que a Taça dos Campeões Europeus passou a chamar-se Liga dos Campeões Europeus. Diz, também, que isto acontece numa época em que muito se questiona o facto de haver pouco espaço para os jogadores portugueses, nomeadamente nos principais clubes cá do burgo. Aliás, ainda estará bem viva na memória de todos a vergonhosa capa promovida pelo jornal A Bola, depois de Bernardo Silva, jogador que o Benfica despachou para o Mónaco, ter feito uma belíssima exibição ao serviço da selecção nacional de sub-21. «Como é possível não apostarem nestes miúdos?», perguntava o dito jornal, enquando chamava menino de ouro ao tal do Bernardo e se dava ao desplante de, ao lado de uma foto de Carlos Mané, colocar a seguinte nota: «titularidade de Ruben Neves no fcp é uma saudável excepção na aposta em jovens na liga portuguesa».

Ora, nem de propósito, há coisa de dois dias, num dos milhentos programas de debate futebolístico que crescem que nem cogumelos nos canais nacionais, o Delgado, conduzindo um programa na BolaTV, perguntava ao Serpa: «Sporting, oito portugueses, sete deles da formação, isto tem alguma importância?», ao que o Serpa responde prontamente “Não! Não…”. Resta acrescentar que este Serpa é director da Bola, logo, mentor daquela capa que colocou o tal do Bernardo quase em tamanho real e bradou um grito de revolta contra a não utilização de jogadores portugueses. Claro que todos nós sabemos que o Serpa, que sempre que pode recorda histórias com o rei do tremoço, deve ser dos milhares de lampiões que continuam à espera da prometida espinha dorsal da selecção (nem da Sérvia, pese a tentativa recente) e que vê com desconsolo a ausência de oportunidades a jogadores oriundos da formação galinácea, com o amargo de boca de, quando aparece algum na equipa principal, ser um André Almeida.

Permitam-me acrescentar que, nessa mesma edição, o tal do Delgado, que também se chama José Manuel, assina um editorial onde escreve «o que continua mal é o pouco interesse com que os jovens portugueses mais talentosos são vistos por muitos técnicos, mais capazes de apostar num Bernardic Silvic do que num produto da formação chamado Bernardo Silva. Esta tentação provinciana de desvalorizar o que é nosso e preferir o que vem de fora deve ser combatida. E nem se trata de beneficiar os talentos nacionais face aos estrangeiros. É, tão só, tratarem-nos em pé de igualdade».

Portanto, o Delgado e o Serpa, dois dos máximos responsáveis por jornal e canal televisivo da Bola, assumem as dores dos jogadores portugueses, mas, depois, face a uma notável performance perante uma das melhores quipas alemãs conseguida com uma emagadora maioria de jovens jogadores nacionais… assobiam para o lado. Ou melhor, desvalorizam. Como diz o Serpa, jogar com produtos da formação e jogadores portugueses pode ser bom em termos sentimentais, de identificação e, até, de identidade. Mas em termos competitivos é totalmente irrelevante.

Eu ouço isto e sorrio. Sorrio muito. Assim, como quem não quer a coisa, está tudo dito nessa leitura. Está ali o nosso ADN e o ADN dos outros. Sim, eu sei que existem vários Sportinguistas que preferiam ser campeões com 11 estrangeiros no onze titular, do que ter alegrias espaçadas oferecidas por equipas onde está a marca da formação e jogadores portugueses que em Alvalade encontraram espaço para confirmar o que de bom deles se esperava. Mas na sua maioria, os Sportinguistas traçam o seu sonho de equipa conquistadora e dominante assente em duas vertentes: bom futebol e jogadores da formação.

«Estás a gozar, ó Cherba!?! Tu não preferias limpar quatro ou cinco campeonatos de seguida, jogando com um onze capaz de cantar o We Are the World?». Pois é, não, não preferia. Obviamente que sabe a serradura cagada ver os outros a festejar e ter que levar com grandezas balofas, mas… mas vocês, azulinhos e vermelhuscos, sabem lá a felicidade que se sente ao ver «aquele bando de Leões à solta, os putos, os putos”, os putos que sentem aquele Rampante colado ao coração, encavarem os alemães da companhia do gás. Vocês sabem lá o que é ver os gaiatos verde e brancos chegarem ao dragão e fazê-los cuspir fumaça. Vocês sabem lá, o que é olhar para esta equipa e recuar ao tempo das histórias que a minha avó me contava, onde a magia e as conquistas eram faladas em português. Isto dá um gozo que vocês não alcançam. E que dificilmente alcançarão. E já nem vou falar do que é formar os melhores jogadores do mundo.

Aos azulinhos, desejo que fiquem com ídolos instantâneos, com capitães de equipa acabados de chegar e com uma patética identidade assente num presidente corrupto que, para ir tapando o buraco financeiro, recupera a célebre guerra norte-sul, perfeito exemplo de como conquistas internas e internacionais não chegam para ultrapassar um sentimento de pequenez e uma dimensão que nem para pedirem independência daria.  Aos vermelhuscos, desejo que continuem a idolatrar capitães que ameaçam sair para poderem exigir revisões salariais anuais e que festejam golos apelidando-vos de filhos de mãe incerta. Que continuem a despachar os putos bons que têm na formação, troncando-os por gregos, romanos e troianos pagos a peso de ouro e de questionáveis valias futebolísticas. E que continuem a acreditar, muito, cada vez mais, no que o vosso presidente apregoa.

Nós (e permitam-me a ousadia de falar no plural, camaradas Leões), cá continuaremos, orgulhosamente, a aplaudir de pé cada substituição de um craque formado na Academia. A ficar de lágrimas nos olhos quando um deles marca um golo e festeja como nós festejámos na rua, quando éramos putos. A ter vaidade de, pese tudo e mais alguma coisa, sermos a base das selecções nacionais. É que, ao contrário do que os Serpas da vida defendem, dá-nos um gozo do caraças ter uma ligação sentimental aos nossos jogadores e a um treinador que só não corre a seu lado porque não pode. E dá-nos ainda mais gozo, podermos dizer que pertencemos a um clube que, fruto dessa mania de querer jogar com portugueses, pode arrogar-se no direito de afirmar, olhos nos olhos de quem quer que seja, que tem identidade!