Sabe quem já tenha dedicado 3 segundos de tempo à matéria, que o futebol em Portugal não é um espectáculo especialmente interessante, o que não quer dizer que pontue mal em entretenimento. Bem pelo contrário. Há falta de grandes jogos, o pessoal sai largamente compensado em polémicas. Para mim o desporto-rei cá do burgo é um “atravessamento” de várias coisas e que resulta como experiência de mixologia endémica muito mais do que um exemplo ou uma descoberta que se possa afirmar noutras paragens.

O adepto tuga sai curiosamente mais culto deste passatempo chamado “bola”. Aprendemos noções de contabilidade e finança para poder discutir VMOCs e RollOvers, versamos sobre o código civil amiúde para poder ganhar uns pontinhos extra nos debates sobre a personalidade jurídica dos stewards ou o enquadramento legal das claques não reconhecidas. Em Geografia ninguém bate um adepto tuga, com planteis a transbordar de emigrantes…é natural (mas absurdo) que a gente se divirta a passar a mão pelo globo à procura de onde vem a família desestruturada de Maxi, o pardieiro de onde saiu Frisenbichler ou o condomínio fechado finório onde cresceu Tanaka…chegamos até a dar uns toques de medicina ao discutir o tempo de recuperação de uma lesão num tendão rotuliano.

Mas não nos enganemos, toda esta cultura cabe nos buracos dos dedos de uma soqueira. Dá umas conversas interessantes “interclã”…mas só mesmo isso. Na hora de dos téte-à-téte com rivais, toda a gente se esquece dos óculos e estojos para guardar canetas…e desce sobre todas as almas um verdadeiro Valentim Loureiro, isto no melhor dos cenários. Não há diálogos, há peixeirada. Não há argumentos, há “farpas”…não há alianças, mas sim complot. A célebre frase repetida há pelo menos 30 anos “a união dos grandes para bem do futebol português” é mais ou menos tão válida como a “paz entre árabes e israelitas” ou a “distribuição mais justa da riqueza do país”…é bonito dizer, mas será mais útil acreditar em fadas e duendes.

E no entanto é esta deslocação de placas tectónicas permanente de clubismos que anima o pessoal. Cada vez mais. É fácil entender o quão mais interessante é do que o que se passa nos relvados, sigam-me no raciocínio:
1/ Quantos pessoas seriam adeptas do Vitória de Setúbal (como primeiro clube de simpatia) há 30 anos? Quantas seriam há 15? Quantas serão hoje? O mesmo exercício podemos fazer para todos os clubes exceptuando talvez o Braga, o Guimarães e o Marítimo.
2/ Quantas Câmaras Municipais dos subúrbios do grande Porto e da grande Lisboa investem mais nos grandes clubes dos que nos seus emblemas locais?
3/ Quantas horas e páginas se dedicam aos 3 grandes nos media e quantas sobram para todos os outros?
4/ Quantas vezes vos perguntaram se são do Sporting ou do Benfica se moram no centro-sul do pais? Quantas vezes vos perguntaram se são do Porto (se vivem ou cresceram no norte)? Alguma vez vos perguntaram se são do Oriental? Ou do Salgueiros? Ou do Desportivo de Beja?

Na minha opinião, não é só o facto de os 3 grandes serem os que ganham mais ou os que têm mais adeptos…é sobretudo uma questão de entretenimento: é muito mais divertido ser adepto de um dos 3 grandes! Não ficas de fora de nenhuma polémica, são horas e horas de barbaridades que podes inventar ou repetir, a TV, a rádio, os jornais dedicam-te todo o espaço possível e imaginário. Se fores pai ou mãe, ou aquele “tio da bola” boa sorte em convenceres a descendência a vestir o cachecol do Esperança de Lagos ou o GD de Chaves. Podes consegui-lo, mas vais ter o mesmo sucesso dos vegetais vs. pizza ou hamburgers…eles gramam, mas a paixão vai sempre morar ao lado. Este “buraco-negro” que se chama “os 3 grandes” não se resolve. Ninguém que venha com teorias demográficas ou sócio-económicas defender que no futuro vai acontecer isto ou aquilo, não vai. A malta gosta disto. E esmeramo-nos para o eternizar. Geramos personagens do nada (olá Pedro Guerra), criamos polémicas do éter (as distancias entre treinador e presidente do Sporting), inventamos moinhos e fantasmas 3D para nos enfrentar (Platini bien sur).

Figuras como Mourinho espantaram o mundo pela conflituosidade permanente, os mindgames entre ele e Wenger são como conversas entre um trolha e um académico. Wenger não entendeu que a partir do momento em que o português tem mais dinheiro para gastar do que ele…qualquer discussão é inútil. Mourinho diplomou-se nas tricas do nosso futebol…ele é um catedrático da peixeirada, um honoris causa da paineleirice. Wenger é…só…um treinador de futebol que lê Sartre ou Proust, francamente inútil para versar de “bola”, pelo menos da “bola” de faca e alguidar. Lembro-me da imprensa britânica gozar o prato com o folclórico “José”, como eles riam do sotaque e das frases de bully inadaptado do treinador do Chelsea, como eles sorriam pensando “coitado…special one…pfff…vais ser trucidado”. Mourinho passou por cima da Premier League humilhando todos os “Sirs” e cavalheiros da praça. Porque faltou sempre par na sua dança. Nunca houve polémica suficiente para o José e na ausência de “inimigo”, tal como se ensina cá por Portugal, inventa-se um…porque tem de existir sempre polémica.

Tenho pena mesmo assim. Porque a polémica não passa, ainda assim, de um “suplemento alimentar” e tantas vezes nos distrai do que é o desporto, da procura pela excelência dentro de um campo de futebol. Acredito profundamente que uma organização “norte-americana”, uma mentalidade orientada para o sucesso “germânica” e um código de conduta “nipónica” transformaria Portugal numa super-potência futebolística. Mas será que é isso que queremos? Do que falaríamos durante a semana? Do hat trick de um avançado português do Sporting ao Bayern? Da goleada de um treinador tuga do porto ao Manchester? Da vitória na Intercontinental do benfas frente ao Peñarol? Naaa…que seca! O que faria Pedro Guerra, Miguel Sousa Tavares ou a Leonor Pinhão com isso? Como sobreviveria Pinto da Costa ou Filipe Vieira nessa piscina harmoniosa de competência e rigor? Como se construiriam vivendas T12 nos subúrbios chiques de Lisboa e Porto sem o caos infiscalizado dos orçamentos semestrais? Como é que a burrice e a estupidez imperariam, como vendas adornadas de brilhantes?

“Eu sou melhor que tu, logo não preciso de melhorar, tu é que precisas de entender o quão mau és, para que eu me convença da verdade do que estou a dizer”. Desta lógica nasce a polémica. Nasce o conflito. Nasce a elevação da estupidificação do adepto.
Eu não quero ser “melhor” que o benfica ou porto, quero vencê-los!

NOTA: Todo este texto foi inspirado no discurso de Bruno de Carvalho na AG do Sporting do passado fim-de-semana. De facto, penso ser esta a grande linha da acção deste presidente leonino: Não seremos os maiores, os mais ricos, os mais conhecidos, os mais poderosos, os mais “influentes”…mas isso não nos impede de ganhar jogos de futebol. As polémicas, os eternos “ofendidismos” do nosso futebol são a antítese do foco no jogo. Do foco do adepto no jogo. Do foco do adepto no apoio à equipa e no apoio à equipa durante um jogo. A grande missão dos Sportinguistas não é vencer as conversas, os painéis de paineleiros, os favores e reconhecimento dos media, o sucesso das contas ou o tamanho do número de sócios…a nossa missão nº 1 é e sempre será o apoio à equipa, a presença no estádio, a…Onda Verde.

Back to basics: cachecol, gritos e canções, bifanas, amigos e lugares “cativos” na bancada. O ressurgimento da cultura de adepto urge no Sporting. Qual o melhor lugar para estacionar o carro à volta do estádio ou a melhor combinação de transportes e horários? Onde comer melhor e mais barato em Alvalade? Quais os lugares mais indicados para o teu orçamento familiar no estádio? Conheces o núcleo leonino da tua cidade ou do teu bairro? Qual a melhor idade para inscreveres o teu filho/a, sobrinho/a ou neto/a? A partir de que idade pode ir ver jogos?

Não vai resolver nenhum problema? Perguntem aos jogadores o que sentem com um estádio cheio a puxar por eles? Perguntem a um árbitro quantos centímetros lhe descaem os tomates ao pensar marcar um penalti perante 50.000 leões fervorosos? Perguntem a um presidente quão confiante e motivado pode sentir-se ao ver uma casa cheia de paixão pelo clube?
(sim, a nota foi enorme, mas a culpa foi do presidente, quem manda falar mais de uma hora e meia)

 

*às quartas, o Leão de Plástico passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca