Se há coisa que me leva aos arames é ver hipocrisia. E no futebol português há muita. Os exemplos são tantos que nem vale a pena enumerar. A grande inovação é que a hipocrisia se verificava, geralmente, nas arbitragens e na forma como os dirigentes, treinadores, comentadores e adeptos a utilizavam para justificar o injustificável apenas porque era o seu clube o visado. Desta vez, foram longe de mais. O derby acabou no momento em que aqueles animais vestidos de vermelho partiram para o terrorismo. E, infelizmente, aprendi que a única arma que o futebol português tem para combater o terrorismo é, para mal dos nossos pecados, a hipocrisia.

Quero começar por alguém que não foi hipócrita. E só por isso, tiro-lhe o chapéu (mas não muito, senão a careca fica destapada). Falo, obviamente do tipo do microfone da agremiação vermelha. O tipo que branqueou o roubo da Taça Lucílio, que branqueou o tratamento que fomos sujeitos no derby das cadeiras queimadas e que praticamente só diz merda quando abre a boca…só podia classificar uma tentativa de assassinato de “folclore”. E faço já uma menção honrosa ao sujeito. Este, pelo menos, foi coerente com aquilo que é. Um nojo de pessoa. E, já que estou numa de tirar chapéus, fica também aqui registado o meu sentido “Bravo!” ao presidente do carnide, o Orelhas. Também ele, ao ter permitido aquela faixa inqualificável no derby de futsal e ao não ter repudiado a tentativa de homicídio por parte dos seus adeptos, demonstrou coerência com o seu honradíssimo passado de traficante de pó branco. Portanto, não percebo esta celeuma toda com o carnide. Mas alguém, no seu perfeito juízo, pensou que eles reagiriam de outra forma? Se sim, então andam nisto à pouco tempo. Cá por mim, reagiram de acordo com os elevados pergaminhos do clube que dirigem. Um clube que mente na data de fundação, que rapta jogadores no aeroporto, que escolhe árbitros para os seus jogos, que escolhe os campos onde vai jogar fora, que manieta ilegalmente os seus adversários privando-os de jogar com os jogadores que emprestou, que tem um presidente que roubou 600M aos portugueses, que não paga centros de estágio e que não paga impostos…só podia reagir como reagiu. Façamos todos um “Urra!” ao grande clube que é o Sport Lisboa e Benfica! Merecem uma distinção por coerência e lealdade aos seus princípios. Princípios de merda, é certo, mas são os deles. E eu respeito a identidade de cada clube.

E para vos provar que essa identidade está tão enraizada, até nos seus adeptos, dei uma vista de olhos ao que se disse nas redes sociais sobre o assunto. De forma, mais ou menos ténue, foram condenando o que sucedeu mas, num exercício típico de contorcionismo, viraram a agulha questionando a coerência do presidente do Sporting (e aí, reconheço que em coerência eles são um exemplo, como expliquei acima) ao não criticar a faixa que dizia “Sigam o King”. Pessoalmente, vou ser sincero. Não vi as faixas. Mas vou admitir que ela existe. E digo-vos já que se existe, ainda bem. Por duas razões muito simples: primeiro, porque só prova que os sportinguistas respondem de forma correcta e legal a novas ameaças. Porque os sportinguistas podiam perfeitamente, ter partido para cima deles (era o que eles mereciam) no derby de futsal  e ao invés disso, apenas colocámos uma faixa a dizer “Sigam o King”. As palavras ferem? Os very-lights matam. E, segundo, porque só prova que quem não sente não é filho de boa gente. Eu desejo a morte de todos os que ainda hoje festejam o trágico desaparecimento do Rui Mendes. Ou uma punição adequada, se puder ser. E não preciso de nenhuma faixa com isto escrito. Convém relembrar que estamos a falar de um clube que, a juntar ao rol de “idiossincrasias” que descrevi acima, tem um assassinato bem escarrapachado no seu “livro negro”. Ou apenas livro. Depois, falaram de tochas enviadas para dentro do campo, na área do artur colocando esses actos ao mesmo nível do que aconteceu na bancada oposta. Aproveitando para condenar também esses actos, só um louco pode comparar o envio de petardos para uma zona densamente povoada ao arremesso de uma tocha para dentro do campo. Mas tudo serve para, primeiro, branquear aquela vergonha e, segundo, para desculpar o silêncio de quem tem responsabilidades.

Como tal, não podemos esperar grandes exemplos de desportivismo e fairplay por parte dessa gente e, espanta-me que muitos de nós ainda se indignem quando isso não acontece. E é por isto que eu não entendo o corte de relações. Nem o comunicado do presidente do Sporting. Uma coisa é repudiar os actos cobardes que aconteceram em Alvalade. Outra é esperar uma reacção do carnide e, por esta não existir, cortar relações. Mas ainda haviam relações? Depois de nos acusarem de termos sido perdoados na dívida? Depois de meterem o gordo na Liga? Depois de se aliarem ao outro rival para tentarem dar cabo de nós? Por isto tudo, entendo que a direcção do Sporting devia levar este assunto à Uefa em vez de andar a cortar relações com quem quer o mal do futebol português. Até porque cá no burgo ninguém vai mexer uma palha. Como sempre.

A hipocrisia está, como sempre, na imprensa. É só olhar para as capas que se fizeram entretanto e nenhum dá destaque ao que aconteceu em Alvalade. Uns pasquins branquearam, outros mais assumidos, trataram logo de dar a resposta com um fantástico e inédito “Não comes nem bebes!”. No comentário desportivo, a tónica também não mudou. Tudo serve para criticar o presidente do Sporting, que, imagine-se! teve o desplante de fazer um comunicado a denunciar e repudiar violência e de cortar relações com quem pactua com a mesma! E reparem bem nisto: ao contrário do que aconteceu noutros confrontos, ninguém do Sporting falou sobre o jogo. Nem sequer houve a antevisão do treinador, por força do blackout. Dificilmente encontraremos, na história dos derbys, um com tanta paz durante a semana como este. E mesmo assim, os inergúmenos do carnide estragaram-no outra vez, completamente de borla.  Quem provocou desta vez? Para memória futura.

Agora, dava jeito é que, quem tem o dever de informar descreva de forma correcta o que se passou em vez de servir de braço armado da agremiação carnidense e, dessa forma, manipular a opinião pública. Uma coisa é branquear arbitragens, problemas internos, crises ou conflitos. Outra, bem diferente, é branquear um CRIME. E se há coisa que todos os agentes deste desporto deviam fazer é condenar o que se passou em Alvalade e, quem tem o dever de punir, fazê-lo. Sem contemplações. Mas o que “vemos” é um silêncio ensurdecedor. E, palavra de honra, já vi pelo menos uma mão-cheia de notáveis a comentar o corte de relações entre os dois clubes mas sobre os ataques cobardes aos adeptos do Sporting nem um pio. Mais uma vez, estamos sozinhos nesta luta. Ou “isolados”, como eles dizem…

 

* todas as sextas, directamente de Angola, Sá abandona o seu lugar cativo à mesa da Tasca e toma conta da cozinha!